Lei 13.058-2014: Conheça as principais características da norma que regulamentou a guarda compartilhada no Brasil

Desde 22 de dezembro de 2014 – data em que foi sancionada –, a Lei 13.058 tornou regra a guarda compartilhada no Brasil, mesmo nos casos em que não há acordo entre os pais. A nova determinação, que se difere da convivência alternada, é a primeira opção em todas as circunstâncias, a não ser que se apresente um motivo extraordinário. O objetivo da norma é que o tempo de convivência com os filhos seja dividido de maneira equilibrada entre os genitores, tornando-os responsáveis por tomar decisões conjuntas acerca da formação, educação e demais questões que possam causar impacto na vida da criança.

 

Ângela Gimenez, juíza da Primeira Vara das Famílias de Cuiabá e presidente do IBDFAM/MT, explica que a guarda compartilhada é o modelo legal vigente para os casos em que os pais não moram na mesma casa. De acordo com ela, isso ocorre porque nessas hipóteses o que finda é a conjugalidade (casamento) ou o companheirismo (união estável), permanecendo intactos os laços de parentalidade (materno-filial ou paterno-filial). Confira a entrevista com a magistrada acerca das principais vertentes da lei que modificou o Código Civil e estabeleceu novos padrões às ações de convivência partilhada:

 

Quais as principais diferenças entre guarda compartilhada e guarda unilateral?

 

A guarda compartilhada, como a própria lei enuncia, é a responsabilidade conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivem sob o mesmo teto. Impõe com isso uma convivência da criança, mediante custódia física, com os dois genitores. Com as separações dos pais, a família que era mononuclear ganha um novo formato, passando a ser binuclear ou multinuclear. Os filhos passam a ter dois lares.

 

É importante que se diga que a criança não transita entre a casa do pai e a casa da mãe, mas sim entre a casa em que mora com seu pai e a casa em que mora com sua mãe, atentando-se para o efeito inclusivo que essa visão traz. A convivência (viver com…) é imprescindível para o estabelecimento e manutenção dos laços de afeto entre as pessoas. É necessário que ambos os pais participem ativamente do cotidiano dos filhos, para que esses possam partilhar das dores, alegrias, ansiedades, medos e realizações e de muitos outros sentimentos, de forma a apoiá-los e direcioná-los a uma vida segura e feliz.

 

Na guarda unilateral ou monoparental, o desempenho da guarda fica exclusivo a um dos genitores, que, sozinho, formula o “viver” do filho. Esse modelo de guarda, historicamente, vem propiciando a incidência e perpetuação de alienação parental, que consiste em um abuso emocional dos filhos. A guarda unilateral produz desigualdade entre os pais, sobrecarregando as mães, na grande maioria dos casos, subjugando-as à dupla jornada de trabalho.

 

Além disso, perpetua o mito de que as mães já nascem cuidadoras, enquanto que aos pais resta a tarefa de serem provedores. É importante que se diga que ninguém “nasce” mãe ou pai, mas nos tornamos pais e mães pela cultura, que nada mais é que a transmissão de valores de um determinado povo.

 

A fixação da guarda compartilhada pode ocorrer mesmo quando não há diálogo e civilidade entre os pais?

 

A guarda compartilhada deve prevalecer mesmo quando entre os genitores não há boa comunicação, até porque, nas hipóteses em que os pais não se entendem, surge um terreno fértil para a prática de alienação parental. Recentemente, o STJ, em REsp de nº 1.626.495-SP, em que a Ministra Nancy Andrighi foi relatora, consolidou-se o entendimento de que a guarda deve ser compartilhada, ainda que os progenitores não tenham diálogo favorável entre si.

 

Gosto de lembrar que, quando propiciamos que os pais pensem sobre suas funções parentais e privilegiamos espaços onde estes possam lidar com suas dores pessoais, como ao longo das audiências, dos processos de mediação, das oficinas de parentalidade, dentre tantos outros, as pessoas compreendem a origem de seus entraves, que quase sempre vêm das inaceitações e sofrimento causados pela separação que, de alguma forma, se abrem para superá-los.

 

Na Vara em que jurisdiciono, tenho uma feliz experiência de desenvolver um trabalho sistematizado em prol da guarda compartilhada e, disso, resultou um índice de 95% de concessão de guarda compartilhada no período de janeiro a setembro de 2016, quando a média nacional é de tão somente 7,5%.

 

Existe algum tipo de prova contra um dos genitores que possa impedir a cessão da guarda compartilhada?

 

A Lei 13.058/2014 reafirmou a presunção de aptidão para o exercício da paternidade e da maternidade, razão pela qual as únicas provas que podem levar ao afastamento da guarda compartilhada são aquelas que demonstrem que o pai ou a mãe não possui condições de exercer o seu poder-familiar, decorrente de sua cidadania. Nessa seara falamos de situações graves, portanto, excepcionais, tais como a demonstração de que o genitor(a) é violento(a), de que pratica maus-tratos ou negligencia no seu dever de cuidado, de que possua alguma enfermidade que lhe retire completamente o discernimento, de que esteja preso, dentre outras.

 

É importante que se analise que a lei, visando proteger às crianças e aos adolescentes, reconheceu uma segunda excepcionalidade ao dizer que a guarda poderá ser unilateral, quando um dos genitores não quiser o compartilhamento. Há de se ter muito cuidado na interpretação desse dispositivo, para que não se retire o caráter protetivo à população infanto-juvenil que a lei traz em si. A exegese deve se estabelecer, tendo-se em mente que o dever de cuidado, que advém do poder-familiar, é irrenunciável.

 

Dessa maneira, não se torna aceitável que um genitor deixe de compartilhar a guarda de seu filho por mero ato de vontade, sem qualquer justificativa. Ao se admitir o afastamento da guarda compartilhada, sempre que imotivadamente “um genitor não quiser”, levaria ao impedimento de condenações por abandono afetivo, nos moldes em que vêm sendo praticadas pelos Tribunais do país.

 

A lei 13.058/2014 é afirmativa, também, da igualdade existente entre o poder-dever do pai e da mãe, o que leva à necessidade de distribuição equilibrada de tempo de convivência da criança com seus progenitores. Deixou-se para o passado a figura do genitor guardião e do genitor visitante, ou seja, restou finda a situação desigual de genitor de primeira e de segunda grandeza.

 

O ideal é que sempre se privilegie a guarda compartilhada nos processos de divórcio?

 

Nos divórcios, a guarda dos filhos deverá ser compartilhada, porque o exercício do poder-familiar deve ser efetivado com igualdade entre os genitores. Vários ramos da ciência vêm demonstrando que a guarda compartilhada, exercida com respeito e amor, resulta numa melhor saúde física e emocional dos filhos. Além disso, exprime a corresponsabilidade que existe entre os deveres de pai e de mãe, propiciando que ambos possam se dedicar ao espaço privado (casa e filhos) e ao espaço público (trabalho, escola, arte, política, etc), tantas vezes subtraídos das mulheres.

 

Ao considerar o desenvolvimento psicológico da criança e do adolescente, qual a importância de se ter um duplo referencial/multirreferencial?

 

O duplo referencial ou multireferencial amplia a visão de mundo das crianças e dos jovens, sendo importante para a plena formação do ser humano, que se humaniza pela cultura. Os psicanalistas contemporâneos enfatizam a necessidade de se ter um ambiente facilitador ao desenvolvimento das crianças, não se restringindo, inclusive, às questões de gênero, o que significa que mãe e pai podem desempenhar a função materna e paterna.

 

O pressuposto fundamental para isso é a existência de respeito e amor pelo filho, independentemente do modelo familiar em questão. Os problemas vividos pelas crianças não são propriamente ligados às separações dos pais, mas sim aos conflitos delas decorrentes. O enfraquecimento da figura paterna, ocorrido nas últimas décadas, vem desestabilizando as famílias, redundando, inclusive, no contexto de violência juvenil, como demonstram os estudos sobre o tema.

 

Diante das circunstâncias familiares experimentadas por vinte milhões de brasileiros “filhos do divórcio”, presenciamos o surgimento de uma mobilização nacional, em busca do direito dos pais de exercerem sua paternidade plena, inserindo nele a condição de cuidador. No mesmo diapasão, temos a luta pela igualdade entre homens e mulheres, visando novos arranjos familiares em que o afeto seja o elo identificador da família, principalmente quando falamos de parentalidade. A ONU estabelece, no seu terceiro objetivo de desenvolvimento do milênio, a meta de se promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres.

 

A corresponsabilidade dos genitores nos cuidados parentais é considerada uma das ferramentas para a promoção da igualdade entre os gêneros. Lembro aqui os dizeres de Vitório Vezzetti, pediatra e diretor científico da Associação Nacional Italiana de Profissionais de Família, que, após longo e circunstanciado estudo, demonstrou que eventuais dificuldades logísticas e pessoais dos pais não podem ganhar significância para se impedir o direito dos filhos de conviverem com pai, mãe e suas famílias extensas (avós, tios, primos, etc), porque, assim agindo, seria o mesmo que se “negar antibióticos às pessoas com pneumonia, para se evitar os inevitáveis efeitos secundários gastrointestinais”.

 

 

Fonte: Ibdfam