A Lei 7.088, sancionada no último dia 23 pelo governador Luiz Fernando Pezão, oficializou o que objetivava convênio firmado em 2010 entre os governos fluminense e federal, por meio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, para erradicar o sub-registro civil de nascimentos no estado. A lei determina a instalação de unidades interligadas de registro civil e de postos de atendimento de identificação nos estabelecimentos públicos de saúde e nos conveniados com o Sistema Único de Saúde (SUS), no âmbito estadual, que façam no mínimo 100 partos por mês.
Dados preliminares do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), identificaram a existência, no Brasil, de quase 600 mil crianças de até 10 anos de idade sem certidão de nascimento. No estado do Rio de Janeiro, as crianças não certificadas e não registradas alcançavam 28,7 mil casos, informou à Agência Brasil a coordenadora de Acesso à Cidadania da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, Karla Ferreira.
“Em cima desses dados do IBGE, nós começamos a fazer um trabalho, aqui na secretaria, baseado em três eixos, que são as questões de fechar a torneira, secar o chão e capacitar as unidades de atendimento social”, disse ela. A partir daí, foi criado o Comitê de Políticas para Erradicação do sub-registro civil de nascimento, que decidiu pela instalação, nas maternidades públicas, de unidades interligadas cartoriais.
“São postos de cartórios implantados dentro da maternidade, com acesso pela internet, para que eles conversem entre si, em todo o estado”, disse Karla. Essa interligação permite que mães residentes em bairros ou municípios diferentes e tenham filhos em outros locais possam registrá-los sem que haja perda do domicílio cartorial em caso de necessidade de tirar segunda via do documento. "Quando você interliga os cartórios, a mãe pode registrar a criança fora, porém o domicílio registral de cartório dela continua sendo o local de moradia.
O cartório que atua em um hospital no Rio de Janeiro, por exemplo, informa ao cartório de domicílio da mãe que está nascendo uma criança na capital, que deve ser registrada lá, mas a emissão do certificado do registro é feita no Rio. Com isso, diminui a possibilidade de a criança sair da maternidade sem o registro civil de nascimento, que é a base para os demais documentos. A pessoa só pode tirar o Cadastro de Pessoa Física (CPF) para ter direito ao Bolsa Família ou ao Programa Clínica da Família, por exemplo, a partir do momento em que apresenta a certidão de nascimento, lembrou Karla.
Vantagens
Para Débora Coelho, que se deslocou de Itaguaí, na região metropolitana do Rio de Janeiro, para ter Thales Gabriel no Hospital da Mulher Heloneida Studard, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, a nova Lei 7.088, que permite o registro do recém-nascido ainda na maternidade e mantendo o domicílio cartorial, “é mais cômodo. Facilita bastante”. O marido de Débora, Fábio Dantas, salientou que essa é uma boa medida. “Favorece muito a família. Só em não ter que sair daqui para ir para outro cartório, é muito bom”.
Moradora do município onde está localizado o Hospital da Mulher, Geise Ísis teve a pequena Mayza no local, há 19 dias, onde fez seu registro e identificação. “Só de sair daqui já registrada, sem precisar ir ao cartório, já facilitou bastante”, declarou.
As ações empreendidas pela secretaria, visando a erradicar o sub-registro civil, resultaram na criação do projeto Novo Cidadão, que tem entre seus parceiros o Detran-RJ. O projeto estabelece que a criança deve sair registrada e identificada das maternidades, pois isso ajude também o controle do tráfico de crianças, da adoção ilegal. Com esse processo na própria maternidade, "a gente faz com que a criança já saia de lá identificada no Detran, com um número e a carteira de identidade dela. Isso é importante para que a gente possa fechar a torneira. Isso agora virou lei”, destacou Karla Ferreira.
Identificação
O trabalho empreendido pelo comitê, entre 2010 e 2014, comprovou a eficácia do projeto, agora tornado lei, e resultou na diminuição do total de crianças saindo das maternidades sem certidão de nascimento no estado do Rio de Janeiro. O percentual anterior, de falta de registro civil, que chegou a 18,8%, caiu para 1,4% atualmente. “Então, a gente não pode deixar morrer. Tem que fazer com que isso não se perca. A gente está próximo do valor aceitável pela Organização das Nações Unidas (ONU), mas quer fazer isso zerar, se for possível”, enfatizou.
Hoje, 44 maternidades públicas fluminenses contam com unidades interligadas cartoriais instaladas. Até o final do ano, estão previstas mais 14. O objetivo é atingir as maternidades de maior movimento, que concentram partos de outras áreas. O projeto prevê que também os pais e mães podem se beneficiar e ter a documentação básica, obtendo a segunda via da certidão civil ou da identidade, quando necessário. Karla deixou claro, entretanto, que a existência da lei não obriga as mães a registrarem os filhos fora do estabelecimento cartorial de seu local de moradia.
O vice-presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg BR), Renaldo Andrade Bussiere, disse que a obrigatoriedade de registrar os bebês após o parto, antes que saiam das maternidades, não é uma prática comum em todos os estados brasileiros. Ele avaliou que com a Lei 7.088, o estado do Rio de Janeiro deverá erradicar o sub-registro. “A Anoreg vê com bons olhos essa medida, porque a existência de algum nascituro sem registro se constitui em um absurdo”, acrescentou.
Bussiere observou que mesmo o registro sendo gratuito para pessoas de baixa renda, tanto agora quanto anteriormente muitos pais e mães deixavam de registrar os filhos ao nascer. “É puro relaxamento dos pais”, apontou. Ele ressalvou que em um país desenvolvido ou que queira ser desenvolvido, “não pode existir uma população sem que esteja registrada para exercer sua cidadania”.
Fonte: Agência Brasil