O dia 11 de junho de 2011 era para ser só de alegria para uma família joinvilense que mora no Centro da cidade. Naquela data nascia uma menina, filha caçula de um consultor e de uma auxiliar administrativa.
O casal já tinha dois meninos e sonhava ter uma menina. O parto ocorreu normalmente e a família permaneceu unida durante todo o sábado. Por volta das 20 horas, o marido foi em casa buscar roupas para que os dois meninos pudessem dormir na residência de uma tia.
Todos foram embora e deixaram mãe e a filha recém-nascida no hospital. Para a estranheza de todos, o marido não apareceu com as roupas das crianças. No domingo, a família voltou a se reunir no hospital e nenhuma notícia sobre ele.
Todos começaram a ficar preocupados, mas não informaram a mulher. Ligaram para o celular, para a casa, mas não tiveram nenhuma resposta. Constrangidos, preferiram o silêncio.
Na segunda-feira, dia 13, a irmã da auxiliar resolveu ir até a casa do casal e encontrou o pai caído na cozinha, morto. O Instituto Médico Legal (IML) atestou que ele sofreu um infarto.
— Imagina o drama. Ele não aguentou a alegria de ter nos seus braços, pelo menos por alguns minutos, a tão esperada menininha dele — disse a tia, que o encontrou em casa.
Mas a morte era apenas o começo do drama da família. O pai não conseguiu fazer o registro da menina a tempo de ela levar o seu sobrenome. Os pais da menina nunca se casaram oficialmente — viveram juntos por 14 anos. Mesmo com os outros dois filhos registrados no nome dele, não é possível, legalmente, fazer o registro se o pai morreu e eles não eram casados.
Diante dessa situação, a mãe começou uma luta pessoal para que a menina fosse registrada com o sobrenome do pai, exatamente como os outros dois filhos. A mobilização incluiu até os pais do consultor, que moram no interior do Rio de Janeiro.
Para o Estado, menina não foi registrada
O primeiro passo foi buscar o registro nos cartórios da cidade. Mas, sem previsão legal, não havia como registrar a menina como a mãe quer. A única possibilidade era fazer um registro civil de mãe solteira ou com a indicação do pai apenas, o que não foi aceito pela auxiliar administrativa.
— Não é um capricho meu. É um direito da minha filha e a concretização de um sonho. Ele (o pai) queria ter uma menina. Os meninos têm o nome dele e, por uma fatalidade absurda, não conseguimos dar o mesmo direito à nossa filha — disse a mãe.
Desde o ano passado, a família busca na Justiça o direito de dar o nome do pai à menina. Embora ela seja chamada por todos da família pelo nome escolhido pelos pais, para o Estado, ela não foi registrada.
A família espera que um recurso na Justiça permita o registro, mesmo que provisório, com o nome do pai — e não seja reconhecida pelo Estado apenas como um número de processo.
Direitos garantidos
Para matricular a menina em uma creche, levá-la ao posto de saúde para fazer as vacinas e ter atendimento e acompanhamento médico, a mãe precisa carregar uma pasta com uma série de documentos.
O mais importante deles é o que contém o número do processo e identifica o pedido de reconhecimento de paternidade, que tramita na 1a Vara da Família de Joinville.
— Vou apresentando toda a história, mostrando esses papéis e essa decisão — afirma a mãe.
No posto de saúde do bairro em que moram, a carteirinha de vacinação garante o acesso da menina ao atendimento. Na escola, a matrícula foi provisoriamente feita com base nos documentos apresentados pela mãe e a decisão da Justiça.
A história se arrasta há quase três anos e todos estão empenhados em dar um nome de presente à menina no aniversário de três anos, em junho.
Família apoia
Os irmãos e os pais do consultor que morreu no dia do nascimento da filha moram na cidade de Piraí, no interior do Rio de Janeiro.
Em 2012, eles chegaram a enviar uma declaração de entidade familiar, uma espécie de documento que atesta que eles acompanhavam toda a condição da família que mora em Joinville.
O documento não tem o valor de um exame de DNA, mas comprova que a família está unida e não contesta as informações prestadas pela mãe em relação à paternidade. A menina é reconhecida por toda a família como sendo filha de sangue do consultor. Porém, só um exame de DNA pode dar o resultado esperado por todos.
Para o registro civil
1) A família deveria ter feito o registro em 15 dias, que é o prazo legal a partir do nascimento.
2) Basta levar o documento emitido pela maternidade (folha amarela) e os documentos dos pais.
3) Como esse prazo passou, a família agora precisa de uma declaração negativa de um cartório de onde moravam, para depois fazer o novo registro.
4) É possível fazer um registro provisório para casos muito específicos e acompanhados pela Justiça, o que não é o caso.
5) O registro civil é necessário para exercer todos os direitos e identificar-se diante das obrigações jurídicas, como frequentar escola ou creche, ter atendimento em postos de saúde; emitir outros documentos e autorizações legais.
6) É um documento que, embora seja individual, diz respeito à ordem pública, já que tem a finalidade de perpetuar atos da existência de uma pessoa e, consequentemente, de todos os indivíduos da sociedade.
7) A função específica do registro civil é servir de prova da situação jurídica da pessoa, torná-la conhecida, identificável em qualquer situação ou lugar.
8) Pode parecer simplista provar que uma pessoa é ela mesma. Mas isso é fundamental para impedir que uns se façam passar por outros, o que provocaria caos social.
Justiça não cobre as despesas
Em maio do ano passado, o juiz da 1a Vara da Família de Joinville, Maurício Cavallazzi Povoas, considerou que a realização de um exame de DNA seria a melhor forma para se resolver o problema e que as despesas deveriam ser pagas pela família.
A decisão informava ainda que o exame mais preciso e confiável seria com amostras de material genético do pai (morto) e da filha, mas que isso não é possível porque o convênio entre o Poder Judiciário, o Ministério Público de SC e a Secretaria Estadual da Saúde não prevê a possibilidade de exumação.
Dessa forma, não adiantou o pedido declaratório de reconhecimento de paternidade de pai morto feito pela mãe da menina para tentar obrigar o Estado a fazer a exumação do corpo (para a retirada de material para fazer o DNA) e o pagamento das despesas.
Como alternativa, o juiz sugeriu a realização do exame de DNA com familiares próximos (irmãos, avós, tios ou parentes que não sejam exatamente pai e filho) que ele próprio reconheceu não ser um método "seguro para apurar a paternidade".
— A situação é complexa. Se por um lado deve ser garantido o acesso à Justiça, por outro, os peritos devem ser remunerados. Logo, caso as partes persistam em realizar o exame, deve fazer às sua expensas — sentenciou o juiz.
A mãe da menina diz não ter recursos para pagar o transporte dos três familiares do interior do Rio de Janeiro até Joinville e dos exames de DNA, calculados, os três, em torno de R$ 10 mil.
Fonte: Diário Catarinense