“Nem todo mundo que casa entende o que isso significa. É uma doação, não é só morar junto”. A afirmação é de uma mulher recém-separada, que prefere não se identificar. Depois de um casamento frustrado, que durou apenas sete meses, ela se divorciou em plena pandemia. “A convivência foi um impedimento. Foram banalidades que atrapalharam nossa relação”, completa. O relato da jovem exemplifica dados recentes divulgados pelo Colégio Notarial do Brasil (CNB): o número de divórcios extrajudiciais – aqueles que não envolvem conflito sobre bens e guarda de filhos – vem aumentando durante a pandemia. Em Minas Gerais, foram 770 casos desse tipo registrados em julho deste ano, um aumento de 19% em comparação com junho do mesmo ano, que teve 646 casos.
Se o número avaliado for o de todo o Brasil, o aumento é ainda maior, com 6.868 divórcios contabilizados em julho deste ano, contra 5.714 em junho, uma elevação de 20%.
Advogados de família e psicólogos que trabalham com esse tema justificam o aumento de variadas formas. O estresse causado pela pandemia pode ser um dos motivos, mas Tânia* acredita que sua separação não teve relação com o período de isolamento social. “Meu ex-marido não entendeu que a vida de casado precisa ser compartilhada. Ele achou que ia continuar comendo, dormindo e vendo TV na hora que bem quisesse”, contesta.
Novos desafios
O impacto que a pandemia teve na vida íntima de Tânia foi de outra ordem. Uma vez solteira em pleno isolamento e após curada a ferida, como faria para sair e flertar com alguém? “Me vi sozinha na minha casa e precisando conversar com alguém diferente, pois todos os meus amigos já sabiam da minha história”, diz. O jeito foi se inscrever em um aplicativo de relacionamento, o que lhe rendeu um novo namorado.
Um congestionamento de pedidos de divórcio ocorrido na China em março, no início da pandemia, foi um dos motivos que levaram pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a se interessar por estudar o comportamento de casais brasileiros durante o isolamento social.
O estudo “Amor em Tempos de Pandemia”, cujo questionário está na internet aberto à participação de qualquer pessoa, quer entender de que forma a pandemia do coronavírus impactou os relacionamentos dos casais.
De acordo com a responsável pela pesquisa, a doutoranda em medicina molecular Lorrayne Soares, da Faculdade de Medicina, quesitos como o nível de compromisso, intimidade, paixão e conflito entre o casal serão avaliados, o que vai possibilitar traçar um perfil desses enlaces afetivos.
“Estar em um relacionamento é protetivo ou negativo (durante a pandemia)? Uma pesquisa chinesa divulgada em julho demonstrou que pessoas que estavam em relacionamento reportaram índices piores de bem-estar. Queremos saber como estamos por aqui”, explica a pesquisadora da UFMG. Solteiras ou casadas, as pessoas continuam apostando nas delícias e desafios de engatar um relacionamento. “A dor é inevitável, o sofrimento é opcional. Eu mereço uma nova chance, e meu ex-marido também”, ensina Tânia.
(*) Nome fictício
Como participar da pesquisa
Quem quiser participar da pesquisa “Amor em Tempos de Pandemia” pode acessar o link https://bityli.com/6SrIf. O questionário está aberto até o dia 15 de setembro. Solteiros também podem responder.
Separação está mais simples desde maio
Uma decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dada no fim de maio deste ano, autorizou a realização de divórcios extrajudiciais pela internet, o que ajuda a entender o aumento de separações percebido a partir de junho.
A quantidade de mensagens que chegam ao telefone da psicóloga Ana Carolina Morici ajuda a ilustrar esse acréscimo. “Aumentou em 40% a procura por casais querendo fazer terapia durante esse período de pandemia”, calcula ela. As pessoas que procuram seu consultório têm reclamado que problemas que já existiam estão se agravando devido à presença constante do parceiro em casa. “É uma hiperconvivência que pode desgastar a relação”, diz a psicóloga.
Sobrecarga
Falta de compromisso masculino com atividades domésticas, problemas de convívio social e infidelidade na internet são as questões mais confidenciadas a Ana pelos casais.
Advogada de família e sucessões, Isabela Farah tem sido procurada por casais que resolveram se separar alegando a pandemia como motivo. “Com o isolamento, os problemas de antes ficaram insuportáveis para algumas pessoas. São casais que já não tinham uma boa relação. Para eles, a pandemia trouxe essa urgência de se separar”, revela a advogada.
Ela, no entanto, vê com cautela o aumento no número de divórcios consensuais, pois eles não representam a totalidade de divórcios – os demais precisam de decisão dos tribunais de Justiça. “Até ouvi relatos de casais que se aproximaram mais e entraram em união estável, mas acho que um aumento maior de separações só vai aparecer daqui a uns dois ou três meses, porque o processo de um divórcio não é tão simples”, diz.
Fonte: Jornal O Tempo