O Ministério Público Estadual (MPES), por meio da 15ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória, requereu à Justiça a suspensão do concurso público para ingresso nas atividades de cartórios no Espírito Santo até a completa apuração das suspeitas de fraude nos diplomas apresentados por candidatos aprovados. Na denúncia, o órgão ministerial aponta que as suspeitas que recaem sobre a veracidade dos títulos apresentados “colocam em dúvida a lisura do certame, necessitando-se, portanto, de uma intervenção rígida para que a suspeita de irregularidade seja completamente afastada”.
A ação civil pública – tombada sob nº 0036393-23.2018.8.08.0024 – foi protocolada no último dia 7 de dezembro. No dia 12, a juíza da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, Heloisa Cariello, intimou o Estado do Espírito Santo para se manifestar sobre o pedido de liminar pela suspensão do concurso no prazo de 72 horas. No último dia 18, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) pediu a prorrogação do prazo por mais de dez dias. Por conta do recesso forense de fim de ano, o processo voltou a tramitar somente esta semana.
A denúncia ajuizada pelo MPES cita as reportagens publicadas por Século Diário, que tornou pública as suspeitas de irregularidades no concurso e acompanhou o desenrolar do imbróglio provocado pelas suspeitas dentro do Poder Judiciário local. Na véspera do recesso, os desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado (TJES) deram aval para homologação do resultado final do certame, permitindo a confirmação das outorgas aos candidatos aprovados. No entanto, a Presidência do TJES ainda não oficializou os atos – e caso a liminar seja deferida, os candidatos aprovados só poderão tomar posse depois da conclusão das investigações sobre os eventuais títulos falsos.
A reportagem teve acesso à petição inicial, assinada pelo promotor de Justiça, Flávio de Souza Santos. No documento, o membro ministerial afirma que as denúncias de falsificação de diplomas “não mereceu a devida apuração por parte do órgão organizador do certame [que foi o Centro de Seleção e Promoção de Eventos, mais conhecido por Cespe/UnB – que também foi denunciado na ação]”. O MPES afirma que o objetivo do processo é anular a fase de prova de títulos do concurso, determinando uma nova avaliação dos diplomas e certificados trazidos pelos candidatos.
No documento, o promotor do caso destaca que a gravidade das denúncias de fraudes é tão grande que motivaram a instauração de um inquérito policial, que corre na Delegacia Especializada em Crimes e Defraudações (Defa). O representante do MP cita ainda que existem divergências até mesmo dentro do próprio TJES sobre a continuidade do concurso sem antes de uma efetiva apuração das suspeitas. Flávio Santos aponta que a Promotoria chegou a solicitar em novembro mais informações ao Tribunal sobre o concurso, mas o ofício não foi sequer respondido.
“As suspeitas de ilicitudes praticadas por candidatos na fase de avaliação de títulos é tão evidente, tanto que existe até mesmo dissidência entre os Desembargadores no Tribunal de Justiça, sendo que dentre eles há quem defenda que o resultado do concurso não poderá ser homologado antes de serem apuradas as denúncias de títulos falsos. A homologação do certame, diante das sérias dúvidas quanto aos títulos apresentados por candidatos, é situação que ofende tanto ao princípio da legalidade quanto ao princípio da moralidade administrativa”, narra um dos trechos da ação.
Além da suspensão imediata do concurso, o Ministério Público pede liminarmente à Justiça que, mesmo tendo sido homologado o resultado final, o Tribunal de Justiça se abstenha de conceder a outorga aos candidatos aprovados ou suspenda qualquer nomeação até o trânsito em julgado da ação civil pública. O MPES requereu ainda a produção de provas – seja documental ou por meio do depoimento de testemunhas – até o pleno conhecimento dos fatos. Desde esta quinta-feira (10), os autos do processo estão conclusos para despacho da juíza responsável pelo caso.
Suspeitas antigas
As denúncias de fraudes em títulos no concurso para cartórios (Edital nº 01/2013) são antigas. Em 2016, o então corregedor de Justiça e presidente da banca do concurso, desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa, tomou conhecimento dos fatos através de uma queixa feita por candidato que oferecia indícios contundentes de supostos crimes de falsidade ideológica praticada por alguns dos candidatos. No entanto, o magistrado determinou o arquivamento daquele expediente sob alegação de “impugnação cruzada”, que seria vedada pelo edital do concurso. Só que os nomes de 19 denunciados à época surgiram em uma nova denúncia no final do ano passado, que estendeu as suspeitas a um rol de 31 futuros tabeliães.
Esses indícios foram considerados pelo promotor Flávio Santos na ação civil pública, que mencionou na ação a situação de apenas três dos candidatos sob suspeição. Segundo ele, os exemplos – por amostragem – demonstram situações que colocam em dúvida a lisura do certame. Reforça essa tese o fato do atual corregedor, o desembargador Samuel Meira Brasil Júnior, ter determinado no final de novembro a instauração de um novo processo administrativo aberto para apurar as suspeitas. As acusações de fraudes também são alvo de procedimentos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Entre os fatos relatados estão o uso de diplomas de pós-graduação irregulares, falsas declarações de exercício da advocacia e até documentos adulterados para comprovar a suposta prestação de serviço à Justiça Eleitoral – que são critérios de bonificação na fase de avaliação dos títulos. Neste tipo de concurso, a posição do candidato é fundamental para a escolha de uma serventia extrajudicial (cartório) mais vantajosa do ponto de vista financeiro. Nas demais seleções, a ordem de classificação não gera maiores controvérsias por não existir distinção no padrão remuneratório definido para a carreira almejada.
Fonte: Século Diário