Mulheres que se relacionaram com homens casados estão encontrando cada vez mais dificuldades para receber pensões por morte dos companheiros. Nos últimos anos, diminuiu o número desse tipo de pensão, obtido na Justiça por concubinas, como são chamadas na lei as mulheres que se submetem a manter relação paralela e duradoura com homem casado oficialmente. No INSS, o número de pensões por morte inferiores a um salário mínimo – o que indica que o valor original do piso da aposentadoria foi dividido entre duas beneficiárias – caiu de 4.529 em 2009 para 3.204 em 2010, o que corresponde a uma redução de 35% dos benefícios concedidos em dois anos.
A queda é reflexo do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em 2009, decidiu que a concubina não tem direito a dividir a pensão com a viúva. Até então, os tribunais vinham flexibilizando o princípio previsto na Constituição, de que somente o casamento gera direitos. Em alguns casos, até aceitavam o adultério como uma forma de união estável. A discussão se deu no julgamento de um recurso interposto por uma viúva contra decisão do Juizado Especial Federalde Vitória (ES), favorável à concubina.
Ela manteve uma relação extraconjugal de mais de 30 anos com o falecido. “Aqui o casamento seria impossível, a não ser que admitamos a bigamia ”, afirmou o ministro Marco Aurélio de Mello, sendo seguido pela maioria dos ministros do STF. Eles basearam sua decisão no artigo 1727, do Código Civil, segundo o qual as relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de se casarem, constituem concubinato.
O ministro Carlos Ayres Britto foi vencido. “Não existe concubinato, existe mesmo companheirismo e, por isso, acho que há um núcleo doméstico estabilizado no tempo”. Para ele, é dever do Estado ampará-lo como se fosse uma família. O ministro foi derrotado, mas a partir do voto dele os processos passaram a usar os termos companheira ou convivente.
“Houve retrocesso da parte do STF” , acusa a advogada gaúcha Maria Berenice Dias, lembrando que antes havia a possibilidade de conceder algum tipo de direito ao reconhecer as uniões paralelas no país. Ela lembra que o adultério é subnotificado e que a Justiça, ao deixar de responsabilizar o homem, torna-se conivente com a prática. “No fundo, liberou o adultério no país”, critica ela, lembrando que o adultério é diferente de ter amante ou caso esporádico.
Por gerar filhos, a mulher fica impedida de manter dois relacionamentos paralelos clandestinos. As exceções à regra viram filme, como o Eu, tu, eles, ou a consagrada obra de Jorge Amado, Dona Flor e seus dois maridos. O temor de aprovar a bigamia no país, ainda que indiretamente, chegou a emperrar o andamento do projeto do Estatuto da Família na Câmara, apresentado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam). “O projeto já tinha sido aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça. Foi para a gaveta quando descobriram o recurso que dizia que mesmo mantendo impedimentos para o casamento, essas mulheres teriam direito à pensão e à partilha do patrimônio”, revela Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do instituto.
DIREITO À HERANÇA
As famílias paralelas sempre existiram no Brasil. A novidade é que as concubinas passaram a reivindicar seu direito à herança. “Se o homem tiver que dividir o patrimônio, ele terá de pensar duas vezes”, diz Cunha, autor do livro Concubinato e união estável, lançado este ano. Ele defende a responsabilização do adúltero com a divisão da pensão e do patrimônio.
“Só me casei depois que fiquei viúva”, desabafa a professora Joana (nome fictício), que manteve um caso de 31 anos com William, com quem teve uma filha, hoje com 24 anos. Depois que o companheiro morreu, em 2006, ela entrou na Justiça para receber a pensão de R$ 4 mil por morte. A sentença saiu, em julho de 2010, com a morte da esposa legítima.
O advogado conseguiu provar que Joana não era simplesmente a “outra”, mas fazia o papel de esposa na relação. “Durante o julgamento, levei a certidão de nascimento da nossa filha, 3 mil fotos de viagens, natais e aniversários que ele passou conosco e 12 testemunhas, inclusive o síndico do prédio e o padre da igreja que frequentávamos juntos”, lembra.
“Faria tudo da mesma forma, porque ele foi o maior dos meus casos, como diz o Roberto Carlos. Seria apenas menos ingênua de acreditar ser possível viver só de amor. Dividiria com ele a compra de um apartamento e uma poupança para a nossa filha, pois fiquei sem nada quando ele partiu”, afirma a professora, que faz malabarismos para pagar as prestações do carro, o aluguel do apartamento e ajudar no sustento da filha, que mora fora.
Fonte: Jornal Estado de Minas