O que significa um sobrenome na relação de um casal? Para muitos, adotar o sobrenome do cônjuge representa um sinal de cumplicidade e, ao mesmo tempo, a perpetuação do nome da família. Contudo, no Brasil, o papel de adotar o nome do outro sempre coube à mulher. Para os homens, adotar o sobrenome da esposa só foi autorizado em 2002, quando o Código Civil promoveu a mudança, baseado na Constituição Federal, que prevê que todos (independentemente do sexo) são iguais perante a lei. Entre as pessoas ouvidas pela reportagem, poucos sabiam dessa possibilidade. Os homens entrevistados se ainda mostraram resistência à proposta, embora esta realidade esteja mudando entre os mais jovens.
Segundo levantamento da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg-PR), nos últimos cinco anos houve um aumento de 40% no número de maridos que adotam o sobrenome das esposas. Somente em 2016 foram realizados 1.576 matrimônios com essa prática, ante 1.120 em 2012. Em Londrina o número de homens que adotaram o sobrenome da mulher passou de 42 (2012) para 90 (2016), um aumento de 114%.
Ao ser informado sobre esse crescimento, o autônomo Eloir Durello Guidis, 63, fez uma careta. "Acho que cada um é cada um. No meu tempo não precisava isso, mas hoje a modernidade está aí. Eu não adotaria o nome de minha esposa. Eu já tenho o meu, já nasci com o meu sobrenome", aponta, dizendo ser a favor da tradição do País de a mulher adotar o sobrenome do homem.
O caminhoneiro aposentado José Carlos Antero, 54, também acha que não dá certo. "Eu sou criado na roça, sou meio caboclo, e tive uma educação mais rígida. Eu não concordaria. O nome representa tudo para a pessoa", destaca. Questionado se o nome não representa tudo para a mulher dele também, ele concordou. "Eu tenho filho, e se ele quiser casar e adotar o nome da esposa dele e achar que está certo para ele, eu concordaria e o apoiaria", destaca.
Segundo o Código Civil, a mudança de nome no casamento civil não é obrigatória e os noivos podem manter seus nomes de solteiros, independentemente do motivo. É o caso de Priscila Jessilyn da Rocha, 19. "Não adotei o sobrenome de meu marido. Eu nunca achei interessante essa coisa de casar e adotar sobrenome de alguém, independentemente se é mulher ou homem", aponta.
Em 2016 Londrina registrou 3.643 casamentos, dos quais em apenas 0,82% o marido adotou o nome da esposa. "O brasileiro é vinculado à tradição de adotar o nome do marido, salvo exceções quando querem evitar nomes que eles consideram feios. Nós temos casos em que a mulher não quer mais o sobrenome do pai, porque o pai não deu assistência. Temos casos de noivas que não querem adotar sobrenome do marido porque já têm marca registrada ou quando já lançou livros, por exemplo. Já os homens relutam, dizem que não aceitam o sobrenome da mulher, mesmo quando a gente informa sobre essa possibilidade. Mas na grande maioria dos casos, a mulher adota o apelido do marido", confirma o tabelião de notas e registrador civil em Londrina, Luiz Marcelo Rezende Julião.
IDENTIDADE
Curitiba também registrou alta nesse procedimento, com aumento de 60%, sendo que 370 foram registrados em 2016. Vale lembrar que não é possível retirar (ou trocar) o sobrenome depois do casamento, apenas adicionar um dos nomes do esposo ou da esposa. Algumas situações explicam o crescimento da procura pelos maridos.
"Várias pessoas têm nomes e sobrenomes que são muito comuns, gerando-se assim uma homonímia, causando-lhes muitos problemas em questões judiciais cíveis e criminais, bem como no que se refere a cadastramentos comerciais e demais identificações junto a terceiros. Outros casos em destaque referem-se ao critério emocional, quando o esposo quer homenagear a esposa reconhecendo a importância do sobrenome dela, ou, mesmo, quando para a sua descendência o homem não pretende ou não deseja dar continuidade ao seu próprio patronímico paterno", afirma José Marcelo Lucas de Oliveira, presidente do conselho fiscal da Anoreg.
Homenagem e continuidade da linhagem
A advogada e diretora nacional do Ibdfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família, Adriana Aranha Hapner, acredita que pessoas que já estavam casadas não irão mudar o seu nome devido à burocracia. "Novos casais podem adotar a prática, mas não vejo que vá ter crescimento muito grande, a não ser que isso se torne moda ou caso algum líder tenha essa iniciativa".
Um dos casos mais célebres aconteceu entre John Lennon e Yoko Ono. O ex-beatle acabou acrescentando o sobrenome de sua esposa ao seu nome. Na linha da homenagem, a advogada lembra de uma pessoa que só teve filhas e um de seus genros colocou o sobrenome da esposa. "Era uma pessoa bastante conhecida e que só teve filhas. Ele fez isso para homenagear e para perpetuar o sobrenome, que corria o risco de desaparecer", destaca.
A prática também é comum entre a comunidade japonesa. Eles denominam a figura do marido que adota o sobrenome da esposa para dar continuidade ao sobrenome como yôshi. (V.O.)
'Iguala o tratamento', afirma advogada
A advogada e diretora nacional do Ibdfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família), Adriana Aranha Hapner, vê com bons olhos esse aumento. "Dá liberdade para que as pessoas façam suas escolhas. Agora há menos interferência do Estado na vida pessoal e valoriza o papel da mulher com o do homem. Iguala o tratamento", aponta. "Conheço alguns poucos casais que fizeram isso", acrescenta, ressaltando que os sobrenomes ajudam a manter a identidade cultural da pessoa.
A advogada conta que em alguns casos as mulheres colocaram só sobrenome do marido, mas ao se divorciarem sentiram dificuldades de identificação com os seus filhos. Por isso, pediram para que fosse incluído o seu sobrenome. "Isso aconteceu por questões práticas. Não foi por querer preservar laços emocionais."
Pela lei atual é proibido adicionar sobrenome que não seja o do cônjuge. Sobrenomes de avós ou algum que os pais possuem e o noivo quer acrescentar no momento do casamento também não é possível. Depois do casamento, os documentos de quem adquiriu o sobrenome devem ser alterados também, para incluir o sobrenome de casado. Caso isso não seja feito, a pessoa deverá sempre andar com a Certidão de Casamento para comprovar o casamento e a alteração do nome.
Sobre casos de união homoafetiva, ela destaca que a legislação de Família e Sucessões sempre sai correndo atrás da realidade e das decisões judiciais. "Certamente teremos equiparação de tratamento nos registros e eventuais pedidos judiciais. Desde que o STF equiparou união estável ao casamento, não há diferenciação e nem restrição em relação a isso. A autonomia individual deve prevalecer por se tratar de uma questão particular", argumenta. (V.O.).
Fonte: Folha de Londrina