BRASÍLIA – O número de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) subiu 27% em 2020 e chegou ao recorde da série histórica, iniciada em 2007, mesmo ainda restando quatro meses para o fim do ano. O volume foi atingido depois de um 2019 conturbado, em que uma liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, impediu por pouco mais de quatro meses o compartilhamento dos documentos com órgãos de investigação, como o Ministério Público, sem autorização prévia da Justiça.
Relatórios do Coaf estão no centro de investigações, por exemplo, como a do esquema da “rachadinha” que seria comandado por Fabrício Queiroz no antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
Entre janeiro e agosto deste ano, 7.975 RIFs foram feitos pelo Coaf. O número também é 8,5% maior que o de 2018, ano com o maior volume até então. Dois fatores principais explicam o crescimento atual. Como a liminar vigorou até dezembro, quando foi derrubada pelo plenário da Corte, os primeiros meses de 2020 foram marcados pela produção de documentos que haviam ficado “represados” no período em que o impedimento prevaleceu – a decisão impedia a disseminação sem anuência judicial, mas as informações enviadas por bancos sobre transações suspeitas, por exemplo, continuaram chegando ao Conselho.
Outra razão do aumento é que cartórios, desde fevereiro, têm que comunicar algumas operações ao Coaf, como os casos de escrituras em que houve pagamentos em espécie superiores a R$ 30 mil e qualquer registro de transmissão sucessiva de bens, em prazos inferiores a seis meses, em que a diferença entre os valores declarados seja superior a 50%. Os acréscimos à lista de transações cujos setores regulados são obrigados a avisar o Coaf foram feitos com base em uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicada no ano passado.
A queda no número de relatórios produzidos em 2019 – investigadores passaram a chamar o movimento, ironicamente, de “curva de Toffoli” – interrompeu uma trajetória contínua de alta que vinha ocorrendo desde 2011, a uma média anual de 26%. Os documentos também foram usados em outras investigações de impacto, como o mensalão e em diversos desdobramentos da Lava-Jato.
Os RIFs são elaborados quando há indícios de lavagem de dinheiro em operações financeiras. Os parâmetros que definem se uma transação deve ser comunicada são estabelecidos pela legislação e por normas do Banco Central. Nem toda comunicação ao Coaf gera um documento – bases de dados são consultadas para saber se há inconsistências ou se os envolvidos têm lastro financeiro para a transação analisada. Os relatórios, quando prontos, são disseminados para os órgãos com a atribuição de investigar o eventual crime praticado.
Em 2020, por exemplo, a Polícia Federal já recebeu 1.715 RIFs, enquanto 438 documentos foram direcionados para o Ministério Público Federal (MPF) e 1.022 para as unidades estaduais do Ministério Público. Cópias do mesmo documento podem ser enviadas para mais de um órgão, como foi o caso do relatório feito a partir das movimentações do advogado Frederick Wassef, revelado pelo GLOBO na semana passada. Foi também um RIF que chamou a atenção para as operações financeiras de Queiroz e Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), ambos investigados pelo Ministério Público do Rio no caso da “rachadinha”.
Em julho do ano passado, a liminar de Toffoli havia interrompido a apuração sobre Flávio e todas aquelas em que relatórios tinham sido compartilhados sem autorização prévia da Justiça. Em dezembro, no entanto, a decisão foi revertida pelo plenário do STF, e as investigações foram retomadas, com o voto do próprio presidente da Corte.
Fonte: O Globo