Há um bocado de tempo, lendo um livro escrito por um publicitário cujo nome agora não me ocorre, vi-me diante de uma afirmativa que me surpreendeu à primeira leitura. Dizia ele que a Igreja Católica fora a pioneira na criação de um sistema de comunicação quase instantâneo e eficiente. Referia-se ele aos sinos dos templos católicos, que boa parte das denominações protestantes na Europa manteve e mantém. Refletindo melhor, percebe-se a evidente procedência da afirmação. Realmente, o dobre dos sinos se propaga por alguns quilômetros, servindo para informar à comunidade sobre diferentes eventos. Atualmente, utilizado somente para ocasiões festivas ou para o toque de luto, antigamente era através dos sinos que a comunidade tomava conhecimento das ameaças, fosse um cerco do inimigo, fosse uma catástrofe natural.
Mas, não é só na comunicação que a Igreja serviu para indicar caminhos e remédios para diferentes situações. Já vi estudo de psicólogo assinalando a importância da confissão, como antecessor da psicoterapia: ao confessar a carga de culpa que carrega, o confitente sai do confessionário aliviado e pronto para enfrentar os desafios da vida diária.
Há uma outra contribuição que, de tão evidente, fica obscurecida. É o antes chamado "registro paroquial", de que se conhece apenas o resultado, o batistério ou atestado de batismo. Antes de instituído o registro civil pelo Código de 1916, a vida das pessoas era objeto apenas do registro nas paróquias das igrejas. Todos os atos, eram aí registra-dos: batismo (para os cristãos), significando o nascimento, casamento e morte. Provavelmente herdado do Direito Romano, o sistema existe até hoje, tem um valor histórico inestimável, tendo deixado de ser utilizado pelos Estados a partir da adoção do princípio da separação entre ele e a religião. E ante o envelhecimento do sistema, que não evoluiu.
Com efeito, o registro paroquial indicava apenas o primeiro nome do batizando. Assim, no meu certificado de batismo sou identificado apenas como José, com a indicação dos nomes de meus pais e avós. O mesmo ocorre com duas irmãs minhas, ambas ali registradas como Maria. No sistema do registro civil, é lançado o nome completo do registrando. Ali, consta meu nome completo, José Arno Galvão. E minhas irmãs são perfeitamente identificadas como Maria do Céu Galvão e Maria de Fátima Galvão.
Mas, tal sistema nem sempre se presta a uma perfeita identificação das pessoas no dia a dia, daí a adoção de sistemas informais paralelos, de uso prático. É o que fazem as pessoas que frequentam um mesmo ambiente ou moram em um mesmo bairro ou em uma cidade menor. Como se praticava antigamente, as pessoas não são identificadas pelo seu nome completo, mas pelo nome (aquilo oficialmente denominado de prenome) seguido da expressão "de Fulano". Isso decorre do fato de que, nas relações informais entre vizinhos, nem sempre o nome completo, nome e sobrenome (ou prenome e nome de família) são conhecidos ou servem para identificar perfeitamente uma pessoa. Mas, se alguém se referia a José de Hélio ou de Ilíria, todos no entorno saberiam que era de mim que se cuidava.
Por isso, nas minhas andanças lá em Pernambuquinho, era acompanhado de Moacir de Joana Pixinho e de Ciço de Bianor. Moacir ainda tenho encontrado por lá, tra-balhando para Isabel de Moca (viúva de Mozart, pai de Jorge Galvão), casado com Das Dores de Crispim, enquanto Ciço nunca mais encontrei; dele tive notícias por um seu filho, que me contou sobre as conquistas amorosas do genitor, que nelas parece ter-se especializado. Um empregado de Pai, trabalhando nas Cabeceiras e em Anakena e que me serviu também um bocado de tempo foi Antônio de Rosa, cujo nome completo nunca soube: sabia apenas ser ele filho de Dona Rosa. Estava ali um cabra disposto, dotado de uma força e de uma agilidade incomuns: subia e descia do coqueiro, sem peia, peixeira ou facão no quarto, como se estivesse passeando. Contou-me ele certa vez ter arranhado o peito e a barriga pelo susto de, chegando ao topo, ter-se deparado como uma cascavel, sendo obrigado a descer escorregando agarrado ao tronco do coqueiro.
Fonte: Tribuna do Norte Online