O Pacto Antenupcial de Separação Obrigatória de Bens com Afastamento da Súmula 377/STF: Possibilidade de Dispensa de Anuência Conjugal nas Alienações de Imóveis

* Letícia Franco Maculan Assumpção

* Paulo Hermano Soares Ribeiro

Introdução. 2. Das diferenças entre os regimes da separação obrigatória e da separação consensual de bens. 3. Possibilidade de opção pelo regime da separação obrigatória de bens com afastamento da súmula 377/STF. 4. É possível no pacto antenupcial que afasta a súmula 377/STF dispensar a anuência conjugal quando da alienação de bens imóveis. 5. Conclusão. 6. Sugestão de texto para o pacto antenupcial de separação obrigatória de bens com afastamento da súmula 377/STF e dispensa de anuência do cônjuge para alienação de bens.

INTRODUÇÃO

O pacto antenupcial é um negócio jurídico bilateral de direito de família, com eficácia condicionada à celebração e existência do casamento, cujo fim principal é estabelecer o estatuto patrimonial do casal mediante a eleição de um regime de bens.

Nos termos do parágrafo único do art. 1640 do Código Civil, o pacto tem que ser feito por escritura pública, sendo sua lavratura, assim, de atribuição exclusiva do Notário, conforme estabelece o art. 6º da Lei 8.935/94.

É indispensável o pacto quando os nubentes elegem o regime da comunhão universal de bens, o da participação final nos aquestos, o da separação convencional ou ainda qualquer outro regime diverso do legal que as partes venham a customizar.  O pacto não é necessário quando as partes pretendam se casar pelo regime da comunhão parcial de bens ou quando são compelidas à separação obrigatória de bens, hipóteses em que as regras patrimoniais vão decorrer da norma.

O regime da separação obrigatória de bens traz consigo os adendos inseridos pela Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, que descaracteriza sua feição normativa estrita. A questão a ser analisada neste artigo é a possibilidade da lavratura de pacto antenupcial afastando a aplicação da referida súmula 377, no que se refere a alienação de bens imóveis.

DAS DIFERENÇAS ENTRE OS REGIMES DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA E DA SEPARAÇÃO CONSENSUAL DE BENS

Os regimes da separação obrigatória de bens e da separação consensual de bens são diversos, embora comunguem essencialmente da incomunicabilidade como regra. O Código Civil de 2002 seguindo a linha do código anterior, por razões de ordem pública, visando à proteção do nubente ou de terceiros, impôs a separação obrigatória de bens nos casos previstos no art. 1641:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;[1]

III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

As pessoas inseridas nas situações previstas no art. 1641 do Código Civil terão que suportar os efeitos da imposição legal do regime de separação de bens, já que o legislador excepcionou a regra da livre manifestação de vontade dos consortes.

A primeira diferença entre os regimes, portanto, está no elemento volitivo: o regime da separação de bens somente é estabelecido pela vontade mútua na hipótese contratual.

A segunda diferença está na própria essência ou núcleo fundamental dos regimes, ou seja, na extensão das incomunicabilidades.

No caso de separação consensual de bens, o regime é marcado pela completa individualização dos patrimônios de cada cônjuge, recusando, a princípio, qualquer rastro de comunicabilidade. Todos os bens adquiridos antes ou durante o casamento a título gratuito, oneroso ou por fato eventual, pertencem a seus respectivos titulares nominais, assim como os frutos produzidos por tais bens. A figura da meação é estranha ao regime da separação consensual, bem como a administração deles que exclui o cônjuge não proprietário.

O regime da separação obrigatória, por sua vez, observada a literalidade da norma legal, guarda as mesmas peculiaridades de incomunicabilidade geral e administração exclusiva. Contudo, a rigidez da incomunicabilidade foi mitigada pela Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, que inseriu no regime de separação nítidos elementos do regime da comunhão parcial de bens, de modo que, o patrimônio amealhado durante o casamento pode produzir um monte patrimonial comum, composto pelos bens adquiridos na constância do casamento. O texto da súmula é o seguinte:

Súmula 377 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.[2]

Após a Constituição Federal de 1988, o STF não voltou ao tema tratado na súmula, mas a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem admitido sua aplicação, mitigando lentamente seus efeitos. Atualmente, este tribunal tem consolidado jurisprudência no sentido de ser aplicável a comunicabilidade resultante da súmula 377/STF somente quando houver esforço comum, circunstância que afasta a regra anterior do esforço presumido e exige, para reconhecimento do direito subjetivo a meação, dilação probatória.

Uma vez comprovado o esforço comum, faz-se a partilha proporcional ou isonômica do patrimônio adquirido onerosamente na constância do casamento, com base no princípio da solidariedade e a fim de evitar a ocorrência de enriquecimento ilícito de um consorte em detrimento do outro.

O STJ publicou, nesse sentido, o acórdão cuja ementa abaixo se reproduz (no original não há grifos ou negritos):

EMENTA: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. COMPETÊNCIA DOS ÓRGÃOS FRACIONÁRIOS DO STJ. RELATIVA. PARTILHA. EXCLUSÃO DA VIÚVA. REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. SÚMULA 377/STF. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. APLICAÇÃO DA ATUAL JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. POSSIBILIDADE DE ABERTURA DE PRAZO PARA A VERIFICAÇÃO DESSE DIREITO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. […]

2. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Precedente.

3. Por observar que a ex-companheira não teve oportunidade de comprovar o esforço comum, deverá ser assegurado a ela tal direito, para que demonstre a participação na aquisição de eventuais bens passíveis de serem compartilhados.

4. Agravo interno desprovido.[3]

Há ainda diferença nos regimes da separação obrigatória e da separação consensual no que se refere à herança. Em concorrência com os descendentes, no regime da separação obrigatória de bens, o cônjuge não é herdeiro; já no regime da separação consensual de bens, o cônjuge é herdeiro, nos termos do art. 1829 do Código Civil:

 Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

 I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; (sem grifos ou negritos no original)

Nesse sentido, evidenciando a diferença no trato sucessório quanto aos regimes de separação legal ou convencional, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentou:

(…) 2. A jurisprudência desta Corte encontra-se consolidada no sentido de que, no regime de separação obrigatória de bens, comunicam-se aqueles adquiridos na constância do casamento desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição, consoante interpretação conferida à Súmula nº 377/STF. 3. O regime da separação convencional de bens, escolhido livremente pelos nubentes, à luz do princípio da autonomia de vontade (por meio do pacto antenupcial), não se confunde com o regime da separação legal ou obrigatória de bens, que é imposto de forma cogente pela legislação (arts. 1.641 do Código Civil de 2002 e 258 do Código Civil de 1916) e no qual efetivamente não há concorrência do cônjuge com o descendente.(…)[4]

Por fim, há tratamento legal diverso para os regimes aqui abordados no que se refere à necessidade ou não da outorga do cônjuge para a alienação de bens imóveis. O STJ tem entendimento uniforme no sentido de que o art. 1647 do Código Civil, ao dispensar a outorga do cônjuge para alienação de bens, abarcou apenas o regime da separação consensual, isso porque, em virtude da súmula 377 do STF, o regime da separação obrigatória de bens não é “separação absoluta”. É o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no julgamento cuja ementa abaixo se reproduz (sem grifos ou negritos no original): 

RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. DOAÇÃO DE BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO EM REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. OUTORGA UXÓRIA. NECESSIDADE. FINALIDADE. RESGUARDO DO DIREITO À POSSÍVEL MEAÇÃO. FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO COMUM. CONTRIBUIÇÃO INDIRETA. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO IMPROVIDO.

1.     Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência.

2.     Controvérsia sobre a aplicação da Súmula n. 377 do STF.

3.     Casamento regido pela separação obrigatória. Aquisição de bens durante a constância do casamento. Esforço comum. Contribuição indireta. Súmula n. 7 do STJ.

4.     Necessidade do consentimento do cônjuge. Finalidade. Resguardo da possível meação. Plausibilidade da tese jurídica invocada pela Corte originária.

5.     Interpretação do art. 1.647 do Código Civil.

6.     Precedente da Terceira Turma deste Sodalício: “A exigência de outorga uxória ou marital para os negócios jurídicos de (presumidamente) maior expressão econômica previstos no artigo 1647 do Código Civil (como a prestação de aval ou a alienação de imóveis) decorre da necessidade de garantir a ambos os cônjuges meio de controle da gestão patrimonial, tendo em vista que, em eventual dissolução do vínculo matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento. Nas hipóteses de casamento sob o regime da separação legal, os consortes, por força da Súmula n. 377/STF, possuem o interesse pelos bens adquiridos onerosamente ao longo do casamento, razão por que é de rigor garantir-lhes o mecanismo de controle de outorga uxória/marital para os negócios jurídicos previstos no artigo 1647 da lei civil.” (REsp n. 1.163.074, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 4-2-2010).

7.     Recurso especial improvido.[5]

Assim, para o STJ, é exigível a anuência conjugal para alienação de bens imóveis, quando o casamento se realizar sob a separação obrigatória e bens, como um efeito da aplicação da súmula 377/STF.

Ocorre que, na atualidade, vem sendo admitido o afastamento da súmula 377/STF pelos nubentes no pacto antenupcial. Esse pacto tem o desiderato de negar a comunicação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, embora não interfira nos efeitos sucessórios próprios da separação legal. O tema será explorado com mais detalhe no tópico seguinte.

POSSIBILIDADE DE OPÇÃO PELO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS COM AFASTAMENTO DA SÚMULA 377/STF

Demonstrado que os regimes da separação consensual e da separação obrigatória não se confundem, resta examinar a possibilidade de opção pelo afastamento da súmula 377/STF por aqueles que, em virtude do determinado no art. 1641 do Código Civil, teriam que se submeter à separação obrigatória.

A questão a ser observada é que o objetivo da lei ao impor o regime da separação de bens é proteger o nubente ou terceiros. Assim, se um casal opta por afastar a súmula, não está sendo ferido o objetivo da lei, ao contrário, tal objetivo está sendo plenamente observado. O casal que se encaixa nos requisitos do art. 1641 do Código Civil pode optar por afastar a Súmula seja para evitar transtornos de anuência do cônjuge sempre que houver alienação de imóveis, seja para que cada um administre seus bens, seja ainda para proteger o patrimônio no caso de eventual separação, sem que haja, para eles ou para terceiros, qualquer prejuízo.

O Conselho da Justiça Federal, na VIII Jornada de Direito Civil, realizada nos dias 27 e 28 de 2018, reconhecendo que a súmula 377 provoca efeitos semelhantes àqueles do regime da comunhão parcial, circunstância que subtrai efeitos da separação legal, emitiu enunciado no sentido de admitir o afastamento dos efeitos da súmula:

ENUNCIADO 634 – Art. 1.641: É lícito aos que se enquadrem no rol de pessoas sujeitas ao regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641 do Código Civil) estipular, por pacto antenupcial ou contrato de convivência, o regime da separação de bens, a fim de assegurar os efeitos de tal regime e afastar a incidência da Súmula 377 do STF.

O STJ, ao examinar o tema, reconheceu a legalidade do afastamento da súmula 377/STF no pacto antenupcial, sendo possível que os nubentes, no exercício da autonomia privada, estipulem o que melhor lhes aprouver em relação aos bens, pactuando cláusula mais protetiva, impedindo a comunhão dos aquestos:

RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL SOB O REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. COMPANHEIRO MAIOR DE 70 ANOS NA OCASIÃO EM QUE FIRMOU ESCRITURA PÚBLICA. PACTO ANTENUPCIAL AFASTANDO A INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 377 DO STF, IMPEDINDO A COMUNHÃO DOS AQUESTOS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA CONVIVÊNCIA. POSSIBILIDADE. MEAÇÃO DE BENS DA COMPANHEIRA. INOCORRÊNCIA. SUCESSÃO DE BENS. COMPANHEIRA NA CONDIÇÃO DE HERDEIRA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REMOÇÃO DELA DA INVENTARIANÇA.
1. O pacto antenupcial e o contrato de convivência definem as regras econômicas que irão reger o patrimônio daquela unidade familiar, formando o estatuto patrimonial – regime de bens – do casamento ou da união estável, cuja regência se iniciará, sucessivamente, na data da celebração do matrimônio ou no momento da demonstração empírica do preenchimento dos requisitos da união estável (CC, art. 1.723).

2. O Código Civil, em exceção à autonomia privada, também restringe a liberdade de escolha do regime patrimonial aos nubentes em certas circunstâncias, reputadas pelo legislador como essenciais à proteção de determinadas pessoas ou situações e que foram dispostas no art. 1.641 do Código Civil, como sói ser o regime da separação obrigatória da pessoa maior de setenta antos (inciso II).

3. “A ratio legis foi a de proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte para o enlace” (REsp 1689152/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017).

4. Firmou o STJ o entendimento de que, “por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta” (REsp 646.259/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 24/08/2010).
5. A Segunda Seção do STJ, em releitura da antiga Súmula n. 377/STF, decidiu que, “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição” EREsp 1.623.858/MG, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª região), Segunda Seção, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018), ratificando anterior entendimento da Seção com relação à união estável (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015).

6. No casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos.

7. A mens legis do art. 1.641, II, do Código Civil é justamente conferir proteção ao patrimônio do idoso que está casando-se e aos interesses de sua prole, impedindo a comunicação dos aquestos. Por uma interpretação teleológica da norma, é possível que o pacto antenupcial venha a estabelecer cláusula ainda mais protetiva aos bens do nubente septuagenário, preservando o espírito do Código Civil de impedir a comunhão dos bens do ancião. O que não se mostra possível é a vulneração dos ditames do regime restritivo e protetivo, seja afastando a incidência do regime da separação obrigatória, seja adotando pacto que o torne regime mais ampliativo e comunitário em relação aos bens.

8. Na hipótese, o de cujus e a sua companheira celebraram escritura pública de união estável quando o primeiro contava com 77 anos de idade – com observância, portanto, do regime da separação obrigatória de bens -, oportunidade em que as partes, de livre e espontânea vontade, realizaram pacto antenupcial estipulando termos ainda mais protetivos ao enlace, demonstrando o claro intento de não terem os seus bens comunicados, com o afastamento da incidência da Súmula n. 377 do STF. Portanto, não há falar em meação de bens nem em sucessão da companheira (CC, art. 1.829, I).

9. Recurso especial da filha do de cujus a que se dá provimento.
Recurso da ex-companheira desprovido.[6]

A possibilidade de pacto antenupcial para preservação do regime da separação de bens, com afastamento da súmula 377/STF, portanto, é plenamente admitida pela doutrina e jurisprudência.

Importante lembrar que o pacto antenupcial que afasta a súmula mantém-se nos limites das incomunicabilidades, não afetando os efeitos sucessórios eventualmente decorrentes do regime de separação consensual, circunstância que tem sido observada pelo STJ:

(…) 1. Cinge-se a controvérsia a saber se o regime de separação total dos bens, estabelecido em pacto antenupcial, retira do cônjuge sobrevivente a condição de herdeiro necessário, prevista nos arts. 1.829, III, 1.838 e 1.845 do Código Civil, ou seja, quando não há concorrência com descendentes ou ascendentes do autor da herança.

2. Na hipótese do art. 1.829, III, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente é considerado herdeiro necessário independentemente do regime de bens de seu casamento com o falecido.

3. O cônjuge herdeiro necessário é aquele que, quando da morte do autor da herança, mantinha o vínculo de casamento, não estava separado judicialmente ou não estava separado de fato há mais de 2 (dois) anos, salvo, nesta última hipótese, se comprovar que a separação de fato se deu por impossibilidade de convivência, sem culpa do cônjuge sobrevivente.

4. O pacto antenupcial que estabelece o regime de separação total somente dispõe acerca da incomunicabilidade de bens e o seu modo de administração no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte por inexistir no ordenamento pátrio previsão de ultratividade do regime patrimonial apta a emprestar eficácia póstuma ao regime matrimonial.

5. O fato gerador no direito sucessório é a morte de um dos cônjuges e não, como cediço no direito de família, a vida em comum. As situações, porquanto distintas, não comportam tratamento homogêneo, à luz do princípio da especificidade, motivo pelo qual a intransmissibilidade patrimonial não se perpetua post mortem.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

(REsp n. 1.294.404/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 20/10/2015, DJe de 29/10/2015.)

É POSSÍVEL NO PACTO ANTENUPCIAL QUE AFASTA A SÚMULA 377/STF DISPENSAR A ANUÊNCIA CONJUGAL QUANDO DA ALIENAÇÃO DE BENS IMÓVEIS                                                       

Existindo o pacto da separação obrigatória com afastamento da súmula 377/STF, o efeito produzido será a barreira contra a comunicabilidade de aquestos, preservado os demais efeitos legais da separação legal.

Fica eliminada a potencial comunicação de bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, inviabilizando a meação no patrimônio.

Como não há transformação do regime de separação legal em convencional, os efeitos legais da separação obrigatória permanecem íntegros, entre eles, a não legitimação sucessória do cônjuge viúvo, se houver descendentes concorrendo a herança.

Não há lesão a literalidade nem ao espírito da norma que prevê a separação obrigatória, porque o pacto de separação com afastamento da súmula 377/STJ, resultará em um regime de separação de bens ainda mais absoluta do que a separação consensual.

Como efeito do afastamento da súmula e a consequente incomunicabilidade geral do patrimônio, os nubentes podem dispensar no pacto antenupcial a anuência do cônjuge quando da alienação de imóveis.

Sobre o tema, a jurisprudência do STJ tem que a exigência de outorga uxória ou marital para os negócios jurídicos de maior expressão econômica previstos no artigo 1647 do Código Civil, como a prestação de aval ou a alienação de imóveis, decorre da necessidade de garantir a ambos os cônjuges meio de controle da gestão patrimonial, tendo em vista que, em eventual dissolução do vínculo matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento. Nas hipóteses de casamento sob o regime da separação legal, os cônjuges, quando aplicável a Súmula 377/STF, possuem interesse nos bens adquiridos onerosamente ao longo do casamento, sendo por isso garantido o mecanismo de controle de outorga uxória ou marital para os negócios jurídicos previstos no artigo 1647 da lei civil.[7]

Ora, se o fundamento para a exigência de outorga é que, em eventual dissolução do vínculo matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, como esse interesse não existe quando for afastada a súmula 377/STF no pacto antenupcial, não há que se falar em necessidade de outorga do cônjuge para alienação de bens e, sendo a vontade dos nubentes, podem solicitar ao tabelião que essa dispensa conste no pacto.

Por fim, importante ressaltar que tudo o que foi tratado no presente artigo também se aplica à união estável[8].

Ao lado da súmula 377 do STF, o STJ sintetizou sua jurisprudência predominante em uma súmula própria, cujo conteúdo, além de revigorar a súmula do STF, assegura seus efeitos também na união estável e consolida a exigência de prova do esforço comum:

STJ – súmula 655:

Aplica-se à união estável contraída por septuagenário o regime da separação obrigatória de bens, comunicando-se os adquiridos na constância, quando comprovado o esforço comum. (SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/11/2022, DJe 16/11/2022)

Inobstante, a possibilidade de afastamento dos efeitos da súmula também nos parece razoável na união estável, pelos mesmos fundamentos que justificam o afastamento na família matrimonial.

Como não há pacto antenupcial na união estável, será preciso constar, no termo declaratório lavrado perante o RCPN ou na escritura pública lavrada perante o tabelião de notas, que o regime é o da separação obrigatória de bens e que os conviventes optam pelo afastamento da Súmula 377/STF bem como da súmula 655/STJ, com a expressa menção à dispensa de anuência do companheiro para a alienação de bens imóveis.

CONCLUSÃO

O pacto antenupcial é um negócio jurídico bilateral de direito de família, cuja eficácia exige a celebração do casamento, tendo como objetivo principal estabelecer regime de bens. O pacto não é necessário quando as partes pretendam se casar pelo regime da comunhão parcial ou nos casos da separação obrigatória, pois ambos os referidos regimes decorrem de lei.

Ocorre que o STJ vem admitindo a lavratura de pacto antenupcial afastando a aplicação da Súmula 377/STF nos casos em que a lei determina a aplicação do regime da separação obrigatória de bens. Sendo afastada a Súmula 377/STF no pacto antenupcial, é plenamente viável a dispensa expressa da anuência do cônjuge quando da alienação de bens imóveis, ficando o cônjuge proprietário nominal legitimado a realizar solitariamente o negócio. Na eventual dissolução do vínculo matrimonial, seja por óbito ou divórcio, não haverá bens comuns. Por esse motivo, um consorte não terá interesse nos bens adquiridos onerosamente pelo outro na constância do casamento. A separação obrigatória com afastamento da súmula 377/STF é ainda mais absoluta do que a separação convencional e a lógica é que seja dispensada a anuência do cônjuge para qualquer alienação de bens.

A separação obrigatória de bens também se aplica à união estável. Assim, valem para a união estável as considerações deste artigo, inclusive a questão da dispensa da anuência do companheiro, no título que a formalizar e no qual constar a opção pelo afastamento da Súmula 377/STF.

SUGESTÃO DE TEXTO PARA O PACTO ANTENUPCIAL DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS COM AFASTAMENTO DA SÚMULA 377/STF E DISPENSA DE ANUÊNCIA DO CÔNJUGE PARA ALIENAÇÃO DE BENS

SAIBAM quantos este instrumento público de escritura virem que, XXXXX (dois mil e vinte e um), nesta cidade de XXXXXXX, Estado de Minas Gerais, no CARTÓRIO XXXXXXXXX, no endereço xxxxxxxx, e-mail: xxxxxxxxxxxxxxxxxx, compareceram perante mim, Escrevente, as partes justas e contratadas a saber, como Outorgantes e reciprocamente Outorgados: XXXXXXXXXXXXXXX, brasileiro, maior, aposentado, portador da carteira de identidade nº xxxxxxxxxx PC/MG, inscrito no CPF nº xxx.xxx.xxx-xx, divorciado,  residente e domiciliado na XXXXXXX e XXXXXXXXXXXXXX, brasileira, maior, geógrafa, portadora da carteira de identidade nº xxxxxxxxxx PC/MG, inscrita no CPF nº xxx.xxx.xxx-xx, solteira, residente e domiciliada na xxxxxxxxxxxxxxxxx. As partes são capazes e se identificaram, conforme documentação apresentada, do que dou fé. Pelos outorgantes e reciprocamente outorgados me foi dito: 1 – que estão em vias de casar-se; 2- que ajustam este pacto antenupcial, a fim de reconhecer que a eles se aplica o regime da SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS, e para determinar o AFASTAMENTO DA SÚMULA 377/STF, conforme previsto no art. 1.641, xxxxx (ver qual inciso se aplica), do Código Civil, e também conforme direito que foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1922347 / PR,  segundo o qual “No casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos”; 3 – As partes declaram que realmente querem o regime da separação obrigatória de bens, afastando a aplicação da Súmula 377/STF, de modo que não haverá meação nos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento. 4 – As partes estão cientes de que, no regime da separação obrigatória de bens, também não há herança entre os cônjuges (conforme art. 1.829, I, do Código Civil), e é efetivamente o que querem. 5- As partes dispensam a anuência do outro cônjuge para fins de alienação de bens imóveis, tendo em vista que, no regime escolhido, separação obrigatória com afastamento da Súmula 377/STF, não há meação em eventual divórcio nem herança ou bens comuns em caso de falecimento de uma das partes. 6- Declaram, ainda, que as certidões que comprovam o estado civil de cada uma das partes encontram-se inalteradas até a presente data. 7- Foi informado às partes que o presente instrumento de pacto antenupcial, após a celebração do casamento, deverá ser registrado perante o Oficial de Registro Imobiliário da circunscrição da residência dos cônjuges e averbado em cada matrícula dos imóveis em seu nome, para fins de efeitos perante terceiros, nos termos dos arts. 716, X e 717, I, do Provimento Conjunto 93/2020. Assim convencionados, os comparecentes me pedem lhes lavre a escritura, o que faço em meu livro de notas e, atendendo ao disposto no artigo 167, II, 1, e no artigo 244 da Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, deverá a escritura ser registrada na serventia de registro imobiliário do domicílio conjugal, sem prejuízo de sua averbação obrigatória no lugar da situação dos imóveis de propriedade de cada nubente ou dos que forem sendo isoladamente adquiridos. Assim o disseram e dou fé. A pedido das partes lavrei esta escritura nos termos e cláusulas em que se acha redigida, a qual, depois de lida e achada conforme, outorgam, aceitam e assinam. Já estão arquivados neste Cartório os documentos necessários para lavratura da presente escritura, dentre eles os exigidos no art. 189 do Provimento 93/CGJ/2020. EMOLUMENTOS: xxxxxxx. Eu _____________xxxxxxxxx – Escrevente, a escrevi. Dou fé. Eu, xxxxxxxxxx – Escrevente, a subscrevo e assino. Sinal público em www.censec.org.br.(A). XXXXXXXXXX, (A). XXXXXXXXXX

* Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e dos livros Função Notarial e de Registro, Notas e Registros, Casamento e Divórcio nos Cartórios Extrajudiciais do Brasil e Usucapião Extrajudicial. É Diretora do CNB, do RECIVIL e do INDIC e Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais.

* Paulo Hermano Soares Ribeiro – Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), pós-graduado em Poder Judiciário; pós-graduado em Metodologia e Docência do Ensino Superior. Professor de Direito Civil na Graduação e Pós-Graduação. Ex-Conselheiro Fiscal do Colégio Notarial Brasileiro (CNB-MG). Tabelião em Minas Gerais. Acadêmico da Academia de Letras e Artes do São Francisco. Acadêmico do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Autor dos livros Novo Direito Sucessório Brasileiro, Casamento e Divórcio na Perspectiva Civil Constitucional, Nova Lei de Adoção Comentada, capítulos em livros coletivos, artigos jurídicos e multidisciplinares.


[1] A redação original previa sessenta anos, alterada para os setenta por força da Lei nº 12.344 de 09/12/2010.

[2] A súmula 377 do STF, aprovada na sessão plenária de 03 de abril de 1964, é construção pretoriana nascida da interpretação dos artigos 258 e 259 da Lei 3.071/1916 (código civil revogado), o art. 7º, § 5º do Decreto Lei 4.657/1942, art. 3º da lei nº 883/1949, e, art. 18, do Decreto Lei 3.200/1941, que sustentaram os precedentes RE 10951 (DJ de 26/09/1963), RE 7243 EI (DJ de 16/08/1957), RE 8984 EI ( DJ de 11/01/1951) e  RE 9128 (DJ de 17/12/1948). 

[3] SUPERIOR Tribunal de Justiça. Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1084439 / SP. T3 – TERCEIRA TURMA. DATA DO JULGAMENTO 03/05/2021. DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 05/05/2021. Disponível em stj.jus.br. Acesso em 02 ago. 2023.

No mesmo sentido, STJ – EREsp 1171820-PR e AgInt no REsp 1637695-MG.

[4] AgInt no AgRg no AREsp n. 233.788/MG, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 19/11/2018, DJe de 21/11/2018.

[5] SUPERIOR Tribunal de Justiça. Relator Ministro Vasco dela Giustina. Processo REsp 1199790 / MG. TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento 14/12/2010. Data da Publicação/Fonte DJe 02/02/2011 – RMDCPC vol. 40 p. 106. Disponível em stj.jus.br. Acesso em: 02 ago. 2023.

[6] SUPERIOR Tribunal de Justiça. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. REsp 1922347 / PR. T4 – QUARTA TURMA. DATA DO JULGAMENTO 07/12/2021. DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 01/02/2022. REVJUR vol. 533 p. 143. RMPRJ vol. 83 p. 403. Disponível em stj.jus.br. Acesso em 02 ago. 2023.

[7] SUPERIOR Tribunal de Justiça. Relator Ministro Massami Uyeda. REsp n. 1.163.074. DJe 4-2-2010. Disponível em stj.jus.br. Acesso em: 02 ago 2023.

[8] SUPERIOR Tribunal de Justiça. Relator Ministro Massami Uyeda. REsp n. 1922347/PR. DJe 1-2-2022. Disponível em stj.jus.br. Acesso em: 14 dez 2023.