Padarias, cavalos, igrejas e separações são usados para ocultar bens

Vale tudo na hora de blindar o patrimônio para fugir de cobranças e ocultar a origem ilícita do dinheiro: abrir negócios de difícil fiscalização, como lavanderias e padarias; investir em bens de valores imprecisos, como gado e cavalos; fundar igrejas e até forjar separações.


Desconstituir essas manobras é o trabalho dos advogados Regina Paz e Guilherme Gabriel Garcia Dudus, sócios do escritório Paz & Dudus Advogados. Na definição deles, o que fazem é “antiblindagem”.

 

Dois métodos clássicos para ocultar patrimônio, bastante populares entre os investigados na operação “lava jato”, são o recebimento de valores via contas no exterior e empresas offshore e a compra de obras de arte.

 

O ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por exemplo, perdeu o mandato por mentir sobre a existência de contas na Suíça e foi condenado a 15 anos e 4 meses de prisão por ter recebido US$ 1,5 milhão de propina e lavado o dinheiro naquele país. Já o ex-diretor da Petrobras Renato Duque teve 131 obras de arte apreendidas em sua casa. Segundo os investigadores, elas eram usadas para lavar dinheiro de suborno em obras da estatal.

 

Mas esses procedimentos estão em baixa, pois ficaram muito “manjados”, dizem Regina e Dudus. Assim, aqueles que querem blindar seu patrimônio estão sendo forçados a usar a criatividade. Um caminho que voltou a ganhar força é o de abrir estabelecimentos comerciais como padarias e lavanderias. Isso porque tais atividades são difíceis de ser fiscalizadas. Afinal, não há como controlar quantas roupas passa por um estabelecimento do tipo todos os meses.

 

Outra opção é aplicar dinheiro ilícito em gado e cavalos. O atrativo é que não há uma padronização dos preços desses animais. E mais: muito do valor deles está em suas “coberturas”, o cruzamento ou venda de sêmen para inseminação artificial.

 

Em delação premiada, o ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Jonas Lopes afirmou que o presidente da Assembleia Legislativa fluminense, Jorge Picciani (PMDB-RJ), vendia gado por preço abaixo do mercado para dissimular verbas que recebia de atividades ilegais.

 

Existem, porém, manobras ainda mais complexas – como fundar uma igreja. Essa prática, que é aplicada especialmente sob o manto de entidades neopentecostais, vem se popularizando devido à baixa prestação de contas a que instituições religiosas são submetidas. Dessa forma, uma igreja pode ser criada em um cartório de registro de pessoas jurídicas, sem ser inscrita na Junta Comercial. Também não há como controlar os recursos que recebe. E claro: templos têm imunidade tributária.

 

Regina Paz e Guilherme Dudus atuaram em um caso em que um empresário foi sistematicamente furtado por um ex-gerente. Este homem desviou R$ 100 milhões da companhia, abriu uma igreja evangélica e ocultou o dinheiro sob a proteção religiosa. E haja “antiblindagem” para provar essa fraude.

 

Outro método pouco ortodoxo é forjar uma separação. Nesse processo, aquele que quer esconder dinheiro ilícito ou fugir de credores passa a maioria ou todos os bens ao cônjuge. E este, dependendo da forma como for estruturada a operação, não pode ser cobrado.

 

Os advogados Regina e Dudus contam que um empresário carioca fez uma separação “de fachada” de sua mulher e transferiu todos os imóveis para ela, exceto uma mansão na Zona Oeste do Rio de Janeiro. No entanto, como esse era sua residência e sua única propriedade, ele passou a alegar que o bem era impenhorável. Para incrementar a narrativa, ele combinou com um gerente que um banco avaliasse o imóvel em R$ 1 milhão, sendo que o valor de mercado real era de R$ 20 milhões. Com isso, ficou ainda mais difícil executá-lo.

 

Transferências fraudulentas


A transferência de bens para familiares ou empresas do mesmo grupo econômico também é uma modalidade popular de fugir de credores e blindar o patrimônio, afirma Aldo Moscardini, sócio da Localize, empresa especializada em localização e recuperação de ativos.

 

A “sucessão fraudulenta” também é usada com esse fim, cita Moscardini. Isso ocorre quando os donos de uma empresa endividada criam uma nova companhia que desempenha exatamente as mesmas atividades. Aí, a nova entidade assume a operação, os clientes e os direitos da antiga, que fica com as dívidas e a má-reputação.

 

Manipular garantias reais é outra via para driblar credores, conta Moscardini. Temendo sofrer uma execução, o devedor aliena fiduciariamente ou hipoteca o bem. Com isso, o aquele que cobra sua dívida entra na fila, e não pode exigir a venda do ativo antes do titular da garantia.

 

 

Fonte: Conjur