Países regulam a escolha dos nomes de crianças

A recente decisão da Justiça da Islândia, que concedeu a uma menina o direito de permanecer com seu nome de batismo, gerou um debate sobre as regras impostas por vários países do mundo sobre como os pais podem chamar seus filhos. O caso aconteceu com a jovem Blaer, de 15 anos, nome que, em islandês, significa "brisa". As informações são da BBC Brasil.

Aos olhos da Justiça da Islândia, ao chamá-la por esse nome, sua mãe, Björk Eidsdottir infringiu a lei do país. Isso porque, para as autoridades locais, Blaer era um nome masculino. Como resultado, Blaer era conhecida simplesmente como "garota" nos documentos oficiais.

Na última quinta-feira (31/1), entretanto, um tribunal da capital Reyjavik decidiu que a jovem poderia permanecer com seu nome de batismo. "Finalmente, eu poderei ter meu nome no meu passaporte", disse ela após a decisão da Justiça. Mas, tal como a Islândia, muitos países do mundo, como Alemanha, Suécia, China e Japão, também restrigem os nomes que pais podem dar a seus filhos.

No caso islandês, as regras obedecem a gramática, para que a criança não seja exposta ao ridículo. Além disso, frequentemente as autoridades reforçam pedidos para que os pais escolham um nome que possa ser escrito na grafia do idioma islandês. Há no país uma lista de 1.853 nomes femininos e 1.712 nomes masculinos. Os pais devam embasar suas escolhas nessa compilação ou, então, pedir permissão de um comitê especial.

Na Alemanha, preocupações similares quanto ao constrangimento infantil ocorreram quando um casal turco foi proibido de chamar seu bebê de Osama Bin Laden, o ex-líder da Al-Qaeda morto no Paquistão há dois anos. Outro episódio polêmico aconteceu com um casal que quis batizar seu filho de "Berlim", em homenagem à cidade em que se conheceu.

A Justiça alemã inicialmente não aceitou o pedido, mas teve de voltar atrás depois de reconhecer que já havia dado ganho de causa a uma família que batizou seu filho de "Londres". A Alemanha também proíbe que sobrenomes sejam usados como pré-nomes. Assim, Merkel (atual chanceler alemã), Schröder (ex-chanceler) e Köhl (ex-chanceler) são banidos como nomes de crianças.

Na Nova Zelândia, um pedido de um casal para batizar seu filho de 4Real ("de verdade", em tradução livre) não caiu no gosto das autoridades. Um juiz também deu autorização para que uma jovem local mudasse seu nome de batismo. Ela chamava-se "Talula Does The Hula from Hawaii" ("Talula faz a Ula do Havaí", em tradução livre).

Situação parecida acontece no Japão. Quando os pais japoneses vão registrar seus recém-nascidos, as autoridades locais podem negar o registro se acharem que o nome é inapropriado. Em 1993, o nome Akuma, que significa "demônio", foi banido. Na China, as pessoas são forçadas a trocar de nomes se eles forem considerados muito obscuros.

Já o Reino Unido e os Estados Unidos têm leis mais liberais. Pais americanos podem batizar seus filhos de praticamente qualquer coisa, disse Michael Sherrod, coautor do livro Bad baby Names: The Worst True Names Parents Saddled Their Kids With ("Nomes de bebês ruins: Os piores nomes verdadeiros que os pais batizaram seus filhos", em tradução livre).

Na prática, diz Sherrod, os pais veem a liberdade de escolher o nome de seus filhos como liberdade de expressão, um dos princípios da Constituição americana. "Quando eu descobri as restrições que outros países tinham, fiquei absolutamente surpreso."

Nomes estranhos não são novidade, afirma o autor. Ele explica que registros do Censo americano nos séculos 18 e 19 revelam nomes como "King’s Judgment" (que pode ser traduzido como Julgamento ou Discernimento do Rei), "Noble Fall" (Queda Nobre) e "Cholera Plague" (Praga da Cólera).

"Pesquisei os registros e achei 20 pessoas chamadas ‘Noun’ (Nome), 458 pessoas chamadas ‘Comma’ (‘Vírgula’) e 18 pessoas chamadas ‘Period’ (‘Ponto final’)", enumera Sherrod. "Mas dessas apenas uma única chamava-se ‘Semicolon’ (‘Ponto e vírgula’)", acrescenta.

No Brasil, a escolha dos nomes não chega a ser tão liberal quanto nos Estados Unidos, mas está longe de ser rígida, explicam especialistas ouvidos pela BBC Brasil. "A lei de registros públicos, de 1975, diz que não há restrição quanto à escolha dos nomes, desde que não se exponha a criança ao ridículo", explica Oscar Paes de Almeida Filho, dono de um cartório em Ribeirão Preto (SP).

Há mais de quatro décadas na profissão, Almeida Filho diz que já perdeu as contas de quantas vezes se deparou com registros inusitados. "Em 1988, recebi um pai que queria chamar seu filho de ‘Bimbomura’. Inicialmente recusei, mas ele alegou se tratar de um nome africano. Posteriormente, ele providenciou ao juiz a documentação necessária para comprovar a origem do nome."

O notário também diz ter se tornado popular na cidade uma criança com 22 nomes, filha de um conhecido radialista da região. Para Luís Carlos Vendramin Júnior, presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP), o sistema brasileiro, por ser mais "liberal", oferece benefícios.

"A língua é mutável e assim são os nomes. Evidentemente que podemos recusar um pedido se acharmos que haverá constrangimento para a criança, mas devemos estar abertos às transformações."

Mas por que os pais batizam seus filhos com nomes exóticos? "Muitos pais querem que seus filhos sejam únicos. Eles acham que é divertido pois se trata de uma maneira de diferenciar seus filhos dos outros, dar-lhes personalidade", diz Sherrod.

"Os americanos, por exemplo, seguem aquele pensamento de "nós podemos fazer o que quisermos e se eles (filhos) não gostarem de seus nomes, então eles podem mudá-los quando crescerem". Segundo Sherrod, crianças com nomes inusitados sofrem maior bullying na escola, "mas depois tendem a aceitá-los".

Não há dúvida de que alguns nomes são mais ofensivos e inusitados do que outros, mas, para o especialista, não cabe à lei determinar a escolha dos pais, e os tribunais só devem intervir em casos especiais. Um exemplo dessa intervenção judicial ocorreu quando o americano Thomas Boyd Ritchie 3º tentou mudar seu nome apenas para 3º, mas uma corte da Califórnia afirmou que isso seria "inerentemente confuso".

 

Fonte: Conjur