Parecer da AGE/MG relativo à regulamentação da Lei Complementar 70/03

 







Advocacia – Geral do Estado


Advogado-Geral: José Bonifácio Borges de Andrada


  


Parecer AGE n.º 14.938


 


O Senhor Advogado-Geral do Estado exarou no Parecer n.º 14.938/AGE, de 10/7/2009, o seguinte despacho: “Aprovo. Em 10 de julho de 2009.”


Procedência: Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão


Interessados: Secretária de Estado de Planejamento e Gestão


Sindicato dos Notários e Registradores de Minas Gerais – SINOREG/MG e Associação dos Notários e Registradores de Minas Gerais – ANOREG/MG


Parecer nº: 14.938


Data: 10 de julho de 2009


Ementa:


SERVENTUÁRIOS DO FORO EXTRAJUDICIAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS – REGIME PREVIDENCIÁRIO -APOSENTADORIA – ARTS. 40, 48 E 51 DA LEI FEDERAL Nº 8.935/94 – REVOGAÇÃO – REFORMA PREVIDENCIÁRIA – EMENDA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL Nº 20/98 – NOVA REDAÇÃO AO ART. 40 DA CR/88 – DIREITO ADQUIRIDO E EXPECTATIVA DE DIREITO – SITUAÇÕES CONSUMADAS – ART. 3º, SS 3º, DA EMENDA Nº 20/98 – ART. 3º DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 64/02, COM A REDAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 70/2003 – REGULAMENTAÇÃO – ÓBICES CONSTITUCIONAL E LEGAL – LEI FEDERAL 9.717/98 – PARECER SEPLAG/AJA Nº 0387/2009 – RATIFICAÇÃO DAS CONCLUSÕES.


RELATÓRIO


A Sra. Secretária de Estado de Planejamento e Gestão encaminha à Consultoria Jurídica da Advocacia-Geral do Estado, para exame e parecer, pedido formulado pelo Sindicado dos Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais e pela Associação dos Notários e Registradores do Estado para diligenciar “no sentido da publicação do Decreto regulamentador previsto no art. 3º, da Lei Complementar nº 70/2003”.


O Sindicato interessado tece considerações jurídicas sobre a “Seguridade Social dos Notários e Oficiais de Registro e seus Escreventes e Auxiliares, no Estado de Minas Gerais”. Após apresentar a legislação estadual de regência e, no que interessa ao deslinde da questão, de argumentar quanto à existência de direito adquirido, com suporte no art. 40, parágrafo único, e arts. 48, SS 2º, e 51 e parágrafos, todas de Lei Federal nº 8.935/94, defende a inaplicabilidade da norma


“advinda com a EC 20/98, conflitante com os artigos 40, 48 e 5, e respectivos SSSS, da lei que regula a seguridade social dos notários e registradores e seus prepostos, garantindo-lhes, inclusive, depois da CR/88 as vantagens e direitos adquiridos, anteriormente à mesma”.


O pedido comportou manifestação da Assessoria Jurídico-Administrativa da SEPLAG, por meio do Parecer SEPLAG/AJA nº 0389/2009, contrariamente ao pleito dos Notários e Registradores, ressalvando-se, todavia, o direito adquirido daqueles que implementaram os requisitos para a aposentadoria até 16/12/98, nos termos do art. 3º da Emenda nº 20/98, bem como a contagem recíproca do tempo de contribuição anterior a tal data, nos termos do SS 9º do art. 40 da Constituição da República de 1988.


É o breve relatório.


PARECER


Cuida-se de examinar pedido de notários e registradores do Estado de Minas Gerais que, por meio do SINOREG/MG e da ANOREG/MG, solicitam a regulamentação do art. 3º, incisos V e VI, da Lei Complementar Estadual nº 64/2002, incluídos pela Lei Complementar Estadual nº 70/2003.


A matéria relativa ao direito à aposentadoria de serventuários do foro extrajudicial, em face da reforma previdenciária promovida pela Emenda à Constituição Federal nº 20/98, não é nova no âmbito da Advocacia-Geral do Estado, sobressaindo-se recentes pronunciamentos da Casa por meio dos Pareceres ns. 14.885/08, 14.924/09 e 14.929/09, cujos fundamentos ali esposados orientam a conclusão a ser consignada no presente parecer.


O estudo acerca dos direitos previdenciários dos notários, registradores e seus escreventes e auxiliares deve ser feito tomando-se em consideração dois momentos: o anterior e o posterior à Emenda nº 20, promulgada em 16.12.98. Para tanto, fixam-se as seguintes premissas:


1- O regime previdenciário estatuído pelo art. 40 da Constituição da República de 1988, a partir das alterações efetuadas pela Emenda Constitucional nº 20/98, somente autoriza a aposentadoria pelo regime próprio de previdência aos servidores públicos titulares de cargos efetivos.


2- Os serventuários do foro extrajudicial têm regime especial, não podendo ser enquadrados como servidores públicos stricto sensu. Orientação do Supremo Tribunal Federal nas ADIs 2.602 e 2.791. Portanto, não são destinatários da norma do art. 40, da CR/88, após as alterações da Emenda 20, cuja interpretação deve ser restritiva, por se tratar de regime previdenciário especial.


3- Em se tratando de aposentadoria, aplicam-se as normas vigentes ao tempo em que o interessado reúne todos os requisitos imprescindíveis à passagem para a inatividade – tempus regit actum. ADI 3104/DF. Daí a razão de se examinar a matéria sob dois paradigmas: antes e depois da primeira reforma previdenciária constitucional imprimida pela Emenda nº 20/98.


4- As normas infraconstitucionais devem encontrar fundamento de validade na Constituição da República, sob pena de não-recepção ou de revogação. Interpretação possível do art. 3º, incisos V e VI, da Lei Complementar Estadual nº 64/2002. Incidência da orientação contida no julgado das ADIs 139 e 2.791.


1. Regime próprio de previdência social – Art. 40 da CR/88 – Redação da Emenda Constitucional nº 20, de 16.12.98 – Destinatários – Servidores públicos titulares de cargos efetivos – Requisitos cumulativos.


Até o advento da Emenda à Constituição Federal nº 20, de 16.12.98, o art. 40 da CR/88, em sua redação original, não estabelecia a exigência da titularidade de cargo efetivo para assegurar o direito à aposentadoria pelo regime nele previsto. O preceito garantia a aposentadoria a “servidor” em sentido amplo. Confira-se:


“Art. 40. O servidor será aposentado:


I- por invalidez permanente,(…)


II- compulsoriamente, (…)


III- voluntariamente:(…)”(Destaque nosso)


Sob a égide desta disposição constitucional, concomitante com a regra do art. 236, também da CR/88, o Supremo Tribunal Federal enquadrava os notários e registradores como servidores públicos lato sensu e, portanto, submetidos às previsões do art. 40. Nesse sentido, despacho do Ministro Celso de Mello proferido na ADI n. 1.298 – medida liminar, referendado pelo Plenário, em sessão de 30/11/88:


“O próprio exame do vigente texto constitucional permite concluir pela estatalidade dos serviços notariais e registrais, autorizando, ainda, o reconhecimento de que os Serventuários incumbidos do desempenho dessas relevantes funções qualificam-se como típicos servidores públicos, pois (a) só podem exercer as atividades em questão por delegação do Poder Público (CF, art. 236, caput), (b)estão sujeitos, no desempenho de suas atribuições funcionais, à permanente fiscalização do Poder Judiciário (CF, art. 236, SS 1º) e (c) dependem, para ingressar na atividade notarial e de registro,de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos (CF, ART. 236, SS 3º).” (DJ de 01/08/,p.21.619)


Perfilhando o mesmo entendimento, RE 178236.


No entanto, com a promulgação da Emenda 20 e a alteração do art. 40, aquela Corte Suprema passou a conferir a este interpretação restritiva, conforme se pode verificar do teor do julgado da ADI 2.602, DJ de 31.03.2006, Relator para o acórdão Ministro Eros Grau, cuja ementa é de teor seguinte:


EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO N. 055/2001 DO CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NOTÁRIOS E REGISTRADORES. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. INAPLICABILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 20/98. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EM CARÁTER PRIVADO POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. INAPLICABILIDADE DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA AOS SETENTA ANOS. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. O artigo 40, SS 1º, inciso II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi conferida pela EC 20/98, está restrito aos cargos efetivos da União, dos Estados-membros , do Distrito Federal e dos Municípios — incluídas as autarquias e fundações. 2. Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público — serviço público não-privativo. 3. Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado artigo 40 da CB/88 — aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (grifos nossos)


2. Notários e Registradores – Delegação – Natureza Jurídica – Art. 236 da Constituição da República de 1988 e Art. da Lei 8.935/94.


Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público, na forma do art. 236, da Constituição da República de 1988. Logo, os notários e registradores, em visão doutrinária de escol, são classificados como particulares em colaboração com o Poder Público. Não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. É neste sentido a orientação do Supremo Tribunal Federal a propósito da aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade, no julgamento da ADI 2.602, DJ de 31.03.2006,ementa supra.


Portanto, não são eles destinatários da norma do art. 40. Quanto a esse aspecto, dispensáveis maiores delongas, ante a consistência da compreensão do Supremo Tribunal a propósito do tema, já destacado.


3. Direito Adquirido e expectativa de direito – Alcance.


Rechaçada a possibilidade de concessão de aposentadoria a notários e registradores após a alteração promovida pela Emenda nº 20/98, cumpre examinar a matéria sob o enfoque do direito adquirido.


Quanto a este ponto, é também de lídima clareza a orientação do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em se tratando de aposentadoria, aplicam-se as normas vigentes ao tempo em que o interessado reúne todos os requisitos imprescindíveis à passagem para a inatividade.


Coerente com essa linha de raciocínio, constata-se que a Emenda nº 20/98 cuidou de estabelecer regras para as situações consumadas, determinando fossem mantidas as disposições constitucionais vigentes antes de sua publicação para todos os que haviam cumprido, até 16 de dezembro de 1998, os requisitos para se aposentar. É o que se extrai do art. 3º, SS 3º de referida emenda, in verbis:


“Art. 3º – É assegurada a concessão de aposentadoria e pensão, a qualquer tempo, aos servidores públicos e aos segurados do regime geral de previdência social, bem como aos seus dependentes, que, até a data da publicação desta Emenda, tenham cumprido os requisitos para a obtenção destes benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.


SS 1º – O servidor de que trata este artigo, que tenha completado as exigências para aposentadoria integral e que opte por permanecer em atividade fará jus à isenção da contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria contidas no art. 40, SS 1º, III, “a”, da Constituição Federal.


(…)


SS 3º – São mantidos todos os direitos e garantias assegurados nas disposições constitucionais vigentes à data de publicação desta Emenda aos servidores e militares, inativos e pensionistas, aos anistiados e aos ex-combatentes, assim como àqueles que já cumpriram, até aquela data, os requisitos para usufruírem tais direitos, observado o disposto no art. 37, XI, da Constituição Federal.” (Grifos nossos)


O art. 3º, SS 3º, supra transcrito, assegura todos os direitos e garantias constitucionais vigentes à data da publicação da Emenda àqueles que preencheram o suporte fático necessário à sua obtenção, configurando-se direito adquirido se implementados todos os requisitos necessários à consecução do benefício com base na legislação em vigor. Eis a linha de corte a que nos referimos no início de nossa manifestação: anterior e posterior à reforma previdenciária constitucional.


Significa dizer: Os notários e registradores que não haviam preenchido as condições legais de passagem para a inatividade até a data da promulgação da Emenda Constitucional nº 20, 16.12.1998, não conservam o direito de se aposentarem pelo regime do art. 40 da Constituição, em sua redação original, porque tinham apenas expectativa de direito à aposentação. Logo, foram colhidos pelas novas regras, agora dirigidas exclusivamente a servidor público titular de cargo efetivo.


Quanto aos preceitos dos arts. 40, 48 e 51 da Lei 8.935/94 têm eficácia até o advento da Emenda nº 20/98, que implicou em sua revogação, posto que editados ao abrigo da redação original do art. 40 revelam-se incompatíveis com sua atual redação, conferida pela Emenda 20.


A emenda à Constituição, após aprovada, passa a ser preceito constitucional de mesma hierarquia das normas constitucionais originárias. Desde que observadas as limitações fixadas pelo constituinte originário, a emenda ingressa no ordenamento jurídico com status constitucional. Por conseguinte, revoga legislação com ela inconciliável.


Apenas para argumentar, a ressalva do parágrafo único do art. 40 da Lei 8.935/94 quanto aos direitos adquiridos se dá pelas mesmas razões da menção aos fatos consumados pelo art. 3º, SS 3º, da Emenda 20, no sentido de preservação deles. É que o caput daquele mesmo artigo prevê a vinculação dos notários, oficiais de registro,escreventes e auxiliares ao regime de previdência federal, já promovendo a adequação do regime previdenciário ao que determina o art. 48, segundo o qual, a partir de então, a contratação de escreventes e auxiliares se dará pela legislação trabalhista, resguardando o direito destes de manterem o vínculo estatutário e, consequentemente, quando da aposentadoria, terem o direito à percepção de proventos de acordo com a legislação de regência. Exatamente essa legislação foi alterada pela Emenda 20.


Estamos, pois, a concluir, na linha de entendimento do Supremo Tribunal Federal, pela incidência do princípio tempus regit actum. Com efeito, se serventuário de cartório extrajudicial reuniu os requisitos para obtenção do benefício até a data da vigência da Emenda 20, terá adquirido o direito de se aposentar pelas regras do art. 40, na sua redação original. Caso contrário, haverá mera expectativa de direito de se aposentar. Neste caso, não se há falar em direito adquirido, que está vinculado ao suporte fático que autoriza a concessão do benefício, não ao regime de aposentadoria.


A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de inexistência de direito adquirido a regime jurídico previdenciário justamente em relação a alterações promovidas por emenda constitucional. Nesse sentido, em relação à Emenda nº 41/03, ADI 3104, Relatora Ministra Carmen Lúcia, DJ de 09/11/2007:


“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. ART. 2º E EXPRESSÃO `8º` DO ART. 10, AMBOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 41/2003. APOSENTADORIA. TEMPUS REGIT ACTUM. REGIME JURÍDICO. DIREITO ADQUIRIDO: NÃO-OCORRÊNCIA. 1. A aposentadoria é direito constitucional que se adquire e se introduz no patrimônio jurídico do interessado no momento de sua formalização pela entidade competente. 2. Em questões previdenciárias, aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para a inatividade. 3. Somente os servidores públicos que preenchiam os requisitos estabelecidos na Emenda Constitucional 20/1998, durante a vigência das normas por ela fixadas, poderiam reclamar a aplicação das normas nela contida, com fundamento no art. 3º da Emenda Constitucional 41/2003. 4. Os servidores públicos, que não tinham completado os requisitos para a aposentadoria quando do advento das novas normas constitucionais, passaram a ser regidos pelo regime previdenciário estatuído na Emenda Constitucional n. 41/2003, posteriormente alterada pela Emenda Constitucional n. 47/2005. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.”


Colhe-se do voto da Ministra Relatora:


“Com o advento da Emenda Constitucional n.20/1998, o sistema de previdência social foi modificado, instituindo-se novo regime jurídico de aposentação para servidores públicos, e, ao seu lado, normas de transição foram estabelecidas para regular as situações específicas daqueles servidores que, na data da publicação daquela emenda constitucional, 16.12.1998, já tivessem cumprido os requisitos exigidos para a obtenção dos benefícios com base nos critérios previstos na legislação antes vigente. (…)


Os servidores públicos que não preencheram tais critérios passaram a ter a sua condição submetida ao novo regime previdenciário, sem terem adquirido direito à manutenção do anterior, o que somente ocorreria no momento da implementação dos requisitos exigidos e segundo o regime vigente no exato momento em que se aperfeiçoasse a aposentação. Isso porque, em questões previdenciárias, aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para a inatividade,conforme reiterada jurisprudência desta Casa.”


Por oportuno, convém ressalvar especificamente em relação ao direito dos notários e registradores titulares de serventias, que reuniram os requisitos legais de passagem para a inatividade antes da promulgação da Emenda 20/98, e que pretenderem se aposentar como tais, da necessidade de terem sido designados para titularizar a serventia antes da promulgação da Constituição da República, de 05/10/1988, dada a inconstitucionalidade de efetivação após esta data, ante a previsão do art. 236, SS 3º- das Disposições Constitucionais Gerais – da mesma Carta de 1988. A respeito desse ponto, decisão na ADI 2.379-9/MG, na qual, em sede de liminar, foram suspensos os efeitos da Lei Estadual nº 13.724/2000(revogada pelo art. 6º da Lei 16.684/2007), que estabelecia procedimento de efetivação de notários e registradores sem concurso público.


4. Art. 40 e parágrafo único, 48, SS 2º, e 51, todos da Lei 8.935/94 – Superveniência da Emenda à Constituição Federal nº 20/98 – Revogação.


Os arts. 40 e parágrafo único, 48, SS 2º, e 51, todos da Lei 8.935/94, foram editados sob a égide do art. 40 da Constituição da República em sua redação original, ao qual, como já salientado, conferia-se uma interpretação ampla, até porque as regras nele contidas dirigiam-se a “servidor”.


Mas a Emenda nº 20/98 promoveu a Reforma da Previdência, disciplinando o regime previdenciário especial para servidores públicos estatutários e efetivos – requisitos cumulativos, implicando na revogação daquelas disposições legais.


Reafirma-se, pois, o entendimento de que somente aqueles notários, registradores, escreventes e auxiliares de investidura estatutária que, até o advento da EC 20, tivessem implementado os requisitos legais exigidos àquela época para se aposentarem, adquiriram o direito à obtenção do benefício.


5. Art. 3º, Incisos V e VI, da Lei Complementar Estadual nº 64/2002, incluídos pela Lei Complementar Estadual nº 70/2003 – Inconstitucionalidade – Regulamentação – Injuridicidade.


À primeira onda da reforma previdenciária constitucional (Emenda 20), seguiu-se a edição da Lei nº 9.717/98 – diploma que estabelece as normas gerais do regime próprio de previdência social dos servidores públicos titulares de cargos efetivos – de âmbito nacional e, portanto, de observância obrigatória por todas as pessoas federativas. Portanto, tais entes não estão autorizados a estabelecerem normas em desacordo com os parâmetros gerais fixados naquela lei, mas apenas a suplementá-los para atender a suas peculiaridades específicas.


O art. 1º da Lei 9.717/98 determina:


“Art. 1º Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal deverão ser organizados, baseados em normas gerais de contabilidade e atuária, de modo a garantir o seu equilíbrio financeiro e atuarial, observados os seguintes critérios:


(…)


V – cobertura exclusiva a servidores públicos titulares de cargos efetivos e a militares, e a seus respectivos dependentes, de cada ente estatal, vedado o pagamento de benefícios, mediante convênios ou consórcios entre Estados, entre Estados e Municípios e entre Municípios; “(Destacamos)


O art. 11, SS 5º, da Orientação Normativa SPS nº 02, de 31 de março de 2009, do Ministério da Previdência Social, deixa expresso que os notários ou tabeliães, os oficiais de registro ou registradores, os escreventes e os auxiliares, não remunerados pelos cofres públicos, não são segurados do RPPS. Referido dispositivo mereceu destaque no bem lançado Parecer SEPLAG/AJA nº 0387/2009, cujas conclusões se ratificam nessa oportunidade.


Com efeito, os incisos V e VI do art. 3º da Lei Complementar nº 64/02, acrescentados pelo art. 1º da LC 70/2003, revelam-se inconstitucionais em face do art. 40 da Constituição da República,com a redação da EC 20, bem como ilegais, expostos os delineamentos da Lei 9.717/98.


Dispõe o art. 3º da Lei Complementar nº 64/2002, in verbis:


“Art. 3º – São vinculados compulsoriamente ao Regime Próprio de Previdência Social, na qualidade de segurados, sujeitos às disposições desta lei complementar:


(…)


V – o notário, o registrador, o escrevente e o auxiliar admitido até 18 de novembro de 1994 e não optante pela contratação segundo a legislação trabalhista, nos termos do art. 48 da Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994;(Inciso acrescentado pelo art. 1º da Lei Complementar nº 70, de 30/7/2003.)


(Vide art. 3º da Lei Complementar nº 70, de 30/7/2003.)


VI – o notário, o registrador, o escrevente e o auxiliar aposentado pelo Estado.(Inciso acrescentado pelo art. 1º da Lei Complementar nº 70, de 30/7/2003.)”


Nesse sentido, confiram-se os fundamentos expostos no corpo do acórdão no julgamento da ADI 2.791/PR, DJ de 24.11.2006, Relator Ministro Gilmar Mendes, assim ementado, na parte que interessa:


“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 34, SS1º, da Lei Estadual do Paraná nº 12.398/98, com redação dada pela Lei Estadual nº 12.607/99. (…) 6. Inconstitucionalidade formal caracterizada. Emenda parlamentar a projeto de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo que resulta em aumento de despesa afronta os arts. 63, I, c/c 61, SS1º, II, “c”, da Constituição Federal. 7. Inconstitucionalidade material que também se verifica em face do entendimento já pacificado nesta Corte no sentido de que o Estado-Membro não pode conceder aos serventuários da Justiça aposentadoria em regime idêntico ao dos servidores públicos (art. 40, caput, da Constituição Federal). 8. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (Grifamos)


Podem-se extrair os seguintes excertos do corpo da decisão, por elucidativos quanto aos pontos objeto de debate:


“possibilidade de os serventuários da justiça (servidores públicos latu sensu ), não-remunerados pelo erário, fazerem jus ao regime próprio de previdência dos servidores públicos estaduais.”(fl. 7)


“(…) a emenda parlamentar estadual que incluiu os serventuários da justiça não remunerados pelo erário no regime próprio dos servidores públicos estaduais stricto sensu aumenta despesa…”


E a propósito especificamente da inconstitucionalidade material da norma impugnada naquela ação, esclarece o Ministro Relator: Ainda que os serventuários da justiça sejam considerados servidores latu sensu, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal indica que eles têm regime especial, reportando-se à ADI 2.602. Conclui:


“Se o caput do art. 40 da Constituição Federal trata do regime previdenciário próprio dos servidores públicos de cargo efetivo, não pode a norma infraconstitucional estadual dispor sobre a inclusão de servidores públicos que não detêm cargo efetivo em regime previdenciário próprio de servidores públicos estaduais stricto sensu. Mesmo porque `Já se firmou jurisprudência no sentido de que entre os princípios de observância obrigatória pela Constituição e leis dos Estados-Membros, se encontram os contidos no art. 40 da Carta Magna Federal “.


O Estado-Membro não está autorizado a conceder aposentadoria de servidor público a serventuários da Justiça porque efetivamente não o são (ADI 575). Daí não ser possível o acolhimento do pedido de regulamentação do art. 3º, Incisos V e VI, da Lei Complementar Estadual nº 64/2002, incluídos pela Lei Complementar Estadual nº 70/2003.


Ademais, a obtenção do Certificado de Regularidade Previdenciária – CRP pelo regime de previdência social do Estado (art. 8º da Orientação Normativa SPS nº 02, de 31 de março de 2009, do Ministério da Previdência Social), pressupõe sua adequação ao disposto na Lei Federal nº 9.717/98 e 10.887/04.


Desse modo, a eficácia do art. 3º, incisos V e VI, da Lei Complementar 64/02, que institui o Regime Próprio de Previdência e Assistência Social dos servidores públicos do Estado de Minas Gerais, restringe-se ao período que antecede a promulgação da Emenda nº 20/98.


CONCLUSÃO


Considerando todo o exposto e na linha de entendimento explicitada no Parecer SEPLAG/AJA nº 0387/2009 e no Parecer AGE nº 14.885/2008, conclui-se que o art. 40 da Constituição da República, com a redação da Emenda nº 20/98, somente autoriza a concessão de aposentadoria pelo regime próprio de previdência social a servidor público titular de cargo efetivo que preencher os requisitos de passagem para a inatividade, excluídos os serventuários do foro extrajudicial porque não detêm esta qualidade.


A interpretação da norma constitucional que trata da previdência social dos servidores públicos stricto sensu a partir de 16/12/98 e a observância dos parâmetros incluídos na Lei 9.717/98 fazem evidenciar os óbices de natureza constitucional e infraconstitucional à regulamentação da forma de pagamento das contribuições dos notários e registradores, tal como determina o art. 3º da Lei Complementar nº 70/2003 em relação aos incisos V e VI do art. 3º da Lei Complementar nº 64/2002, razão por que se impõe responder negativamente a tal pedido.


Ressalvam-se as situações consumadas sob a égide do regime do art. 40, na redação anterior à promulgação da Emenda nº 20/98, a teor do art. 3º, SS 3º, de referida emenda, bem como a possibilidade de aproveitamento da previsão do art. 3º, incisos V e VI, da Lei Complementar nº 64/02 de forma restrita a esse período.


Consigne-se, por fim, o direito de contagem recíproca de tempo de contribuição anterior à promulgação a Emenda 20, na forma do art. 40, SS 9º, c/c o art. 201, SS 9º, com a redação da Emenda n. 20/98, ambos da Constituição da República de 1988.


À consideração superior.


Belo Horizonte, 8 de julho de 2009.


NILZA APARECIDA RAMOS NOGUEIRA


Procuradora do Estado


MASP 345.172-1 – OAB/MG 91.692


“APROVADO EM: 09/07/2009”


SÉRGIO PESSOA DE PAULA CASTRO


Consultor Jurídico Chefe


Masp 598.222-8 – OAB/MG 62.597


 


 


Fonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais