O ministro Marco Aurélio pediu vista da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3089 ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg). A ação pede a declaração de inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1, da lista de serviços, anexa à Lei Complementar 116/2003, que sujeita os serviços de registros públicos, cartorários e notariais ao pagamento do Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza (ISS).
Na ação a Anoreg sustentou que a incidência do ISS sobre os serviços notariais e de registro fere o artigo 236 da Constituição Federal, segundo o qual os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. A entidade argumentou que esses serviços são públicos, derivados de delegações da atividade estatal, e a cobrança de valores para a sua prestação teria natureza jurídica de taxa, estabelecida pelo estado Federado, de acordo com o pacto federativo de imunidade recíproca.
O relator da ADI, ministro Carlos Ayres Britto já havia proferido seu voto na sessão plenária de 20 de setembro de 2006, no sentido da procedência do pedido, ou seja, a inconstitucionalidade da cobrança do imposto. Na ocasião ele julgou este tipo de serviço como “atividade pública prestada em caráter privado”.
Segundo Ayres Britto, o Supremo tem entendido que o serviço notarial e de registro é uma atividade estatal, porém, da modalidade serviço público, assim não se poderia pressupor que têm caráter tributário, como decorrentes do desempenho de atividade econômica. Para o ministro, isto significa excluir a incidência do ISS, uma vez que a natureza desse tributo só poderia ter como fato gerador, uma situação desvinculada de qualquer atividade estatal, voltada para o contribuinte, salvo se a própria Constituição admitisse, explicitamente, o contrário.
O julgamento de setembro de 2006 foi suspenso com pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa, após a antecipação do voto divergente do ministro Sepúlveda Pertence, julgando improcedente a ação. O decano da Corte ponderou que o serviço notarial e de registro “é atividade estatal delegada tal como exploração de serviços públicos essenciais, mas enquanto atividade privada é um serviço sobre o qual nada impede a incidência sobre do ISS”. “Se vamos levar essas definições para outros efeitos às últimas conseqüências, a renda do cartório é uma renda tributária, então como incidir um imposto de renda sobre uma renda tributária?”, indagou Pertence.
Voto-vista do ministro Joaquim Barbosa
Diferentemente do relator, e na linha do voto divergente do ministro Sepúlveda Pertence, o ministro Joaquim Barbosa considerou que a tributação do ISS cobrado de particular, como contraprestação pelo exercício delegado de serviços notariais e de registro, não viola a imunidade recíproca, prevista no artigo 150, inciso VI-a da constituição Federal.
O ministro lembrou que a atividade notarial é sempre exercida por entes privados, “mediante contraprestação com viés lucrativo, posto que de índole estatal, submetido ao poder de polícia do Judiciário”, de acordo com o artigo 236, caput, parágrafos 1º e 2º da Carta Magna. Para Joaquim Barbosa, a circunstância da atividade ser remunerada, isto é, explorada com intuito lucrativo por seus delegados, já atrairia, por si só, a incidência do artigo 150 da Constituição que veda a cobrança, pelos entes federados, a instituição de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros. No entanto, o parágrafo 3º do mesmo artigo, diz que o mesmo não se aplicam “ao patrimônio, renda e serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas, regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário”.
O ministro Joaquim Barbosa acrescentou que não há como conciliar a função a que se destina a imunidade recíproca com o efeito jurídico de declaração de inconstitucionalidade pretendido pela Anoreg, pois “a imunidade recíproca opera como mecanismo de ponderação e calibração do pacto federativo, destinado a assegurar que entes desprovidos de capacidade contributiva vejam diminuída a eficiência na consecução de seus objetivos defendidos pelo sistema jurídico. Ela também é uma salvaguarda contra o risco de utilização de tributos como instrumento de pressão econômica entre os membros do pacto federativo”.
Em seu voto-vista o ministro citou julgamentos históricos sobre a matéria, quando destacou o caso McCullough, um “leading case” [caso condutor] julgado pela Corte Suprema dos Estados Unidos da América, que o ministro reputou como “referência máxima nessa matéria, pois tanto os objetivos como os efeitos do reconhecimento da imunidade recíproca são passíveis de submissão ao crivo jurisdicional em um exame de ponderação e proporcionalidade, não basta, portanto, a constatação objetiva da natureza pública do serviço que se está a tributar. Assim a imunidade recíproca é garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executam, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação devidamente remunerados”.
O ministro fez ponderações acerca da vinculação da atuação estatal na incidência do ISS, “não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não tributação das atividades delegadas, elas se justificam pela capacidade contributiva dos agentes que as exploram com objetivo econômico, pois a Constituição autoriza aos municípios e ao Distrito Federal a instituição do ISS, ainda que públicos, quando desempenhados por particulares”.
Pelas razões expostas em seu voto, o ministro julgou improcedente a ADI, declarando a constitucionalidade dos dispositivos.
A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e os ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Gilmar Mendes acompanharam a divergência aberta pelo ministro Sepúlveda Pertence, bem como o entendimento do ministro Joaquim Barbosa em seu voto-vista.
O julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista do ministro Marco Aurélio e, quando voltar ao julgamento do Plenário, deverão votar o ministro Celso de Mello e a presidente da Corte, ministra Ellen Gracie.
Fonte: STF