A Lei 11.441/07 trouxe uma mudança significativa no sistema de inventários, partilhas, separação e divórcio consensuais, desde que sem partes incapazes, inclusive filhos menores de 18 anos ou interditados. Sem dúvida, a lei tem seus avanços, pois se imagina que apenas no estado de São Paulo irá reduzir em mais de 20 mil processos ao ano, isso sem computar a demanda reprimida, a qual consiste em pessoas já separadas de fato, mas sem paciência para ficar meses em um processo judicial.
Esta lei será a prova de que lentidão judicial decorre não apenas da legislação, mas também de uma cultura arcaica que adora liturgias e rituais desnecessários. Pois o que gastava em torno de seis meses a um ano na esfera judicial será feito em dias no cartorial, sendo o mesmo fato.
Em tese, foi abolida a exigência de se ter uma tentativa de conciliação, ou seja, há um incentivo direto para o divórcio ou separação. Sem dúvida, a audiência judicial de conciliação nesses casos era ineficiente, mas existiam algumas iniciativas de mediação eficientes como em Pernambuco onde havia uma audiência com assistentes sociais e psicólogos. Ou também a Junta Municipal de Inclusão Social e Conciliação em Grupiara (MG), a qual tem um agente comunitário de Justiça e uma equipe multidisciplinar(advogado, psicólogo e assistente social) que priorizam a tentativa de resgatar a harmonia familiar, inclusive visitando as famílias ou fazendo audiências prévias.
Mas curioso é o fato de a lei manter a obrigatoriedade de se ter um advogado assistindo, mesmo sem ter bens a partilhar. É um argumento comum de necessidade do advogado para se evitar que um cônjuge passe a perna no outro. Ora, mas nem há bens na maioria dos casos ou o advogado irá “investigar” para saber se há bens ? Ademais é muito mais fácil “passar a perna” na hora do casamento do que na hora da separação, pois ambos já se conheceram mais.
Sou a favor da advocacia, mas entendo que a parte deve ter o direito de optar. Quando proponho que seja criado em nível nacional um plano de assistência jurídica com pagamento mensal, os conservadores acham isso um absurdo, antiético e mercantil. Mas obrigar as pessoas a contratarem advogados ou o estado a pagar, mesmo sem necessidade real, é muito ético e social na concepção deles.
Aproveitando o momento, façamos um registro sobre história. Por que existem divórcio e separação consensual e não apenas um ato único? Para o cidadão pagar duas vezes. Isso é brincadeira, mas com fundo de verdade atual em alguns casos.
Na verdade, no início era proibido qualquer tipo de separação ou divórcio. Depois, conseguiram a aprovar a separação legal. Mas como a Igreja era radicalmente contra, pois Deus proibiu o divórcio, exceto em casos de adultério. Assim, criaram a figura da separação, a qual extinguia a obrigação de coabitação, mas não a sociedade conjugal. Então ficavam de bem com a liderança religiosa e atendiam à realidade social.
No Brasil, apenas em 1977 é que foi introduzido legalmente o divórcio, e apenas uma única vez. Ou seja, seria uma segunda chance de casamento. Em suma, o cidadão poderia casar no máximo uma segunda vez.
Contudo, em 1988, aboliu-se no Brasil a restrição, isto é, pode-se casar e divorciar quantas vezes quiser. E ainda criaram o divórcio direto, o qual após dois anos de separação de fato pode ser solicitado judicialmente (e administrativamente agora?). Logo, a separação judicial perdeu totalmente a sua necessidade de existir. Alguns alegam que pode haver arrependimento e o casal se restabelecer. Mas nesse caso poderia casar novamente com o cônjuge anterior, mesmo já tendo divorciado. E mais, para se evitar argumentos filosóficos de que seria outro casamento com a mesma pessoa e não a mesma coisa, poder-se-ia criar um lapso de um ou dois anos que o divórcio ficasse com uma condição suspensiva e valeria plenamente após esse período.
Já existem estudos legislativos para se acabar com a separação judicial, ficando apenas o divórcio.
Na verdade, os escritórios de advocacia terão de se adaptar à nova realidade. Em regra, os escritórios atuarão como despachantes e para ter um custo menor terão de trabalhar de forma gerencial e não artesanal, como ainda prevalece. Ou seja, não faz sentido advogado ficar em filas para pagar tributos e entregar documentos, em vez de contratar ‘paralegais’ para fazer esse serviço, digamos, braçal.
Agora passaremos à lei em si, seus problemas e soluções. Como conseguir gratuidade nos cartórios? É mais difícil do que na esfera judicial. Ou seja, no caso do divórcio, será que teremos de fazer um pedido judicial para se obter a gratuidade? E quais os critérios? Essa ausência de critérios tem permitido abusos no sistema judicial tanto nas concessões como nos indeferimentos, transformando o direito em quase que um favor.
Essa questão precisa ser mais bem regulamentada. Agora há uma certeza a gratuidade nos cartórios não será tão simples como na esfera judicial, na maioria dos casos. Da forma atual será mais fácil obter gratuidade em divórcios litigiosos do que para consensuais, o que é um convite para o demandismo judicial. Pois é como uma internação, o sistema ganha mais com procedimentos supostamente mais complexos. Essa inversão acontece nos pedidos de retificação de nome ou de limites de imóveis, as quais em muitos casos poderiam ser feitas nos cartórios, mas ajuíza-se ação judicial desnecessariamente.
É possível fazer divórcio direto administrativamente? Creio que é perfeitamente possível. Basta que duas testemunhas assinem uma declaração e reconheça firma, comprovando o transcurso do prazo de dois anos.
Haverá liturgia processual administrativa? Em geral não haverá necessidade de audiência, nem de conciliação. Mas o mundo jurídico costuma criar ou ressuscitar burocracia, para que possam cobrar mais por uma suposta complexidade e usam termos como “segurança”.
Quanto pagar de honorários e despesas cartoriais? Particularmente entendo que se é consensual, nada interfere a quantidade de patrimônio envolvido, mas a posição não é pacífica. Logo, tanto os honorários, como os emolumentos, não poderiam variar nesse caso. Afinal, os bens já pertenciam a cada cônjuge, apenas haverá homologação. Boa parte do serviço poderá ser feita diretamente pelo escritório ou pela parte, certamente isso irá influenciar no custo.
No meu modelo gerencial de trabalho em estudo, não custaria mais do que R$ 200 de honorários, se na mesma cidade de nossas sedes e sem necessidade de audiência para convencer a outra parte a conciliar, mas com o escritório assumindo toda a responsabilidade por filas e ainda oferecendo o serviço de mediação familiar, se desejarem.
Mas é claro que há escritórios que têm “griffe” e isso realmente é um valor agregado. E há outros que trabalham artesanalmente e o advogado irá ficar em filas para pagar tributos e gostará que o cliente pague por esse tempo de labor intelectual. Para mim isso é serviço de office boy, mas se o advogado fizer, irá querer cobrar caro pela hora na fila. Logo, o cliente é quem decide.
Existe outro caminho para a partilha? Até pouco tempo acreditava que a partilha de bens era obrigatória com a sentença de divórcio, hoje penso que isso é facultativa. Logo, o casal pode optar por não fazer a partilha ou fazê-la informalmente. Ou ainda, pode divorciar e se houver litígio na questão de bens, encaminhá-los para o sistema de justiça arbitral, sistema privado; mais barato e ágil. Ou então, fazer o divórcio administrativo e optar pela partilha judicial dos bens em processo litigioso.
Como se faz o divórcio ou separação administrativa? Para evitar despesas sugere-se que façam apenas o divórcio, o que demanda dois anos após a separação de fato. Alguns mentem sobre esse prazo, é perigoso e pode incorrer em crime de falso testemunho. Ou seja, apenas as testemunhas sofreriam as conseqüências criminais e não os cônjuges. Mas o ato civil (divórcio ou separação) poderá ser anulado em alguns casos.
A rigor, basta contratar um advogado, pegar um formulário e preencher com os dados necessários, como nome (muda ou não?), alimentos entre cônjuges (terá ou não ?), divisão de bens (terá ou não ?). A ordem nesse artigo pode ser qualquer uma, entendeu a mensagem?
Pega-se esse formulário e leva ao Cartório de Notas (cartório que autentica firmas) para transformar o mesmo em uma escritura pública (mera repetição do conteúdo do formulário, mas em papel timbrado do Cartório). E depois com essa escritura dirija-se ao cartório de Registro de Pessoas (cartório onde se registra nascimento de pessoas). Nos dois locais paga-se emolumentos (tributo). É um absurdo e inconstitucional cobrar emolumentos (taxas) sobre o valor dos bens de partilha, mas como o Judiciário é sócio dos cartórios na arrecadação desse tributos e na Taxa de Fiscalização, não se consegue sustentar esse argumento facilmente. Afinal, se o cartório é privatizado (art. 236 da CF) como é que é tributo e não tarifa ou preço público? É o Judiciário fazendo justiça tributária para os seus cofres e ninguém questiona nada. Muito democrático.
Em tese, seu advogado não precisa ir pessoalmente ao cartório, mas pode. Aliás, a lei não exigiu a presença nem mesmo dos cônjuges pessoalmente. Ou seja, é possível que uma procuração com firma reconhecida resolva o problema, não precisa ser as caras procurações por instrumento público. Aliás se é possível casar com procuração, é possível divorciar ou separar também.
É possível que se estipule no divórcio ou separação obrigações futuras, as quais se não cumpridas podem ser executadas ou apenas protestadas no cartório de protestos, pois o nome vai para o SPC e SERASA, uma medida mais eficiente que a execução quando não há bens penhoráveis.
Particularmente, entendo que deveria ter uma lei para obrigar os Municípios a manterem Centros de Mediação Familiar, mas isso não interessa ao meio jurídico e o Congresso Nacional não manifesta sobre o tema. Assim, antes de iniciar o processo de separação, divórcio ou dissolução de união estável, haveria necessidade de se passar pelo Centro. Afinal, a obrigação constitucional do Estado é proteger a família e não desintegrar a mesma. Mas há países onde o divórcio pode ser feito até pela internet.
E se descobrir que uma das partes foi lesada? Não se preocupe, ficou muito mais simples que antes. Pois o ato do cartório não é judicial, e sim administrativo. É muito mais fácil questionar um ato administrativo do que um judicial. Basta ajuizar uma ação judicial de nulidade cumulada com danos e inclusive processar o advogado se teve culpa comprovada.
Quantos advogados são necessários? Basta um advogado para ambos, mas se for um divórcio consensual, com desconfianças, podem contratar dois ou mais advogados. Essa situação é muito comum.
E se me arrepender e quiser voltar? Nesse caso vai depender da vontade de ambos, não basta um só querer. Mas se ambos quiserem e for separação judicial basta pedir a desconstituição da mesma e restabelecer o casamento. Se for divórcio, nesse caso terão que casar novamente.
E no caso do inventário? Pode-se colocar em testamento que eventual conflito será resolvido pelo juiz arbitral e até mesmo indicar o(s) mesmo(s). Mas no Brasil não é muito comum fazer testamento. Contudo, ainda existe a possibilidade de o litígio ser em relação a apenas um bem. Em tese, é viável analisar a possibilidade de deixar esse bem de fora da partilha consensual e levar o bem restante para julgamento arbitral ou judicial. Entendo ser possível a arbitragem por ser questão meramente patrimonial. A Sentença arbitral é registrável da mesma forma que a sentença judicial.
Quanto ao inventário administrativo basta que se faça em escritura pública no Cartório de Notas e leva a registro no Cartório de Registro de Imóveis.
E se resolver casar novamente. A rigor, quem deveria homologar a habilitação de casamento é o Juiz de Paz, cuja atribuição está prevista no art. 98 da Constituição Federal. Quando o Código Civil fala em Juiz, não é o de carreira nesse caso. Mas interesses corporativos têm impedido que seja cumprida a ordem constitucional de eleição para juiz de paz.
Por fim, mais importante do que contratar advogado para fazer divórcio administrativo, é fazer a consulta para o casamento, onde se pode fazer o pacto ante-nupcial e regulamentar várias questões, incluindo até mesmo a eventual partilha de bens por juiz arbitral (juiz privado e de confiança dos cônjuges).
E a união estável. A união estável tem previsão legal e constitucional. Mas nesse caso nem há necessidade de documento algum, mas recomenda-se que seja feito um “documento de união estável” e reconhecida a firma. O reconhecimento da firma não é exigido, mas se houver um falecimento ficará mais seguro. Contudo, se desejar o documento pode ser feito até por escritura pública, caso você deseje contribuir para o enriquecimento do cartório. Entretanto, de forma discriminatória a lei não prevê a sua possibilidade de ser registrada no cartório de registro de pessoas.
O melhor momento para se assinar o documento é na hora do amor, pois quando há conflitos a tendência é negar a relação com o intuito familiar. Depois de falecida uma das partes ou de conflitos o caminho mais viável será o judicial.
Não há prazos para se definir uma união estável, o mais importante será o fator “constituir uma família”, algo bem subjetivo, mas que pode ficar bem claro no papel, e não basta cartões de amor, esses são apenas indícios. Há vários formulários de união estável, da mesma forma que existem de locação (aluguel). Não perca tempo.
E a conversão da união estável em casamento. Isso é possível, mas não há uma lei regulamentando a previsão constitucional. Em Minas Gerais a criatividade judicial para burocratizar foi tão grande, que é melhor casar em vez de fazer a conversão. Então se documenta a união estável, colocando-se até as datas inicial e final (data do casamento). E celebra o casamento comum com habilitação. Ou seja, o cidadão terá um documento comprovando que teve união estável de tanto a tanto e outro comprovando que casou em tanto. Em Minas Gerais exigem um processo judicial formal com advogado e instrução para se provar o fato, algo que só pode ter sido imaginado por burocratas de gabinete de Corregedoria.