Não há qualquer obrigação. Pelo contrário. Os pais, muitas vezes, são contra a união. O casamento, tido como instituição falida para muitos solteirões, é mais comum do que se imagina na adolescência. Prova disso são as estatísticas de Registro Civil do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados revelam que entre 2010 e 2013, mais de 1,5 mil adolescentes com 19 anos ou menos se casaram. Em três anos, o número aumentou 13%. Para especialistas, a realidade é preocupante, pois a vida a dois exige maturidade e organização financeira, o que nem sempre é possível entre jovens. Além disso, apontam, muitos acabam abandonando os estudos para assumir as novas responsabilidades.
“Hoje, você percebe um número muito grande de adolescentes que não tem mais o pai e a mãe. Isso cria uma falta de estruturação social, econômica e também religiosa. Quando esse adolescente tem responsabilidade, acaba tomando uma posição social, o status de estar casado. Em contrapartida, ele precisa dar conta disso, inclusive financeiramente. Então, é comum que eles não concluam os estudos e comecem a trabalhar”, afirma o presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB, Herbert Alencar.
E a avaliação do especialista não é difícil de ser comprovada nas ruas do DF, especialmente em bairros de baixa renda. Nestes locais, a maioria dos casais de adolescentes divide o mesmo teto, com ou sem o consentimento dos pais. Este é o caso de Paula Rayane Pereira, de 18 anos, e Edirlei da Silva, de 19 anos, moradores do Varjão. Quando decidiram se unir, a jovem tinha 15 anos e o rapaz, 16. “A gente se amava e decidiu morar junto. Não foi fácil no início, mas era uma coisa que queríamos muito”, contam.
De acordo com o que diz o Código Civil Brasileiro, o homem e a mulher com idade a partir de 16 anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não for atingida a maioridade civil. No caso do casal Paula Rayane e Edirlei da Silva, eles só oficializaram a união depois de completarem 16 anos.
Quando pessoas com menos de 16 anos podem casar?
É permitida a união civil de quem ainda não alcançou os 16 anos para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em casos de gravidez. Isso significa, por exemplo, que um homem acusado de estupro pode, se a vítima concordar, casar com ela para não ser obrigado a cumprir pena prevista na legislação.
Quem pode alegar impedimento e suspender o casamento?
Os impedimentos devem ser opostos hoje, por declaração escrita e assinada até o momento da celebração. Qualquer pessoa capaz pode apresentar motivo para o seu impedimento.
Estudo em segundo plano
Apesar da felicidade em viverem juntos, o casal Paula Rayane Pereira, de 18 anos, e Edirlei da Silva abandonou os estudos e o jovem trabalha como entregador. Enquanto Paula, agora, cuida do filho, de apenas três meses. Porém, ela afirma que assim que o neném completar um ano, volta à sala de aula. “Eu estava concluindo o Ensino Médio e aí veio essa surpresa. Agora, vou esperar ele ficar maior, para eu poder deixar com alguém. Aí sim, vou terminar os estudos e pretendo também fazer uma faculdade ou curso profissionalizante”, salienta.
Hoje, eles vivem com a renda de Edirlei, que ganha um salário mínimo no emprego de entregador. Eles não pagam aluguel, mas moram na casa dos fundos da mãe do jovem. “Nossa plano é sair de lá e erguer uma casa. Mas estamos juntando dinheiro ainda. Talvez demore”, afirma o rapaz.
“Foi uma escolha nossa, então não tem muito problema. A gente se dá bem, vive de forma honesta. Tem meses que são mais apertados, outros não. O importante mesmo é que a gente quer crescer juntos. E vamos conseguir”, assegura.
Crescimento
A declaração do jovem confirma o que o presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB, Herbert Alencar, acredita. “Ainda que sejam novos, o que a gente percebe na prática é que casais com idades próximas querem as mesmas coisas. Eles têm o mesmo pensamento de crescer. Isso contribui bastante para o desenvolvimento do casal”, analisa.
Faixa etária parecida é positiva
De acordo com o presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB, Herbert Alencar, em alguns casos, a estrutura psicológica dos jovens ainda é fragilizada. Contudo, ele ressalta que quando as idades são desproporcionais, a estabilidade do casal pode ser abalada.
“Quando uma jovem se casa com uma pessoa muito mais velha que ela, é mais complicado estabilizar o casamento. O que vemos, normalmente, é que os maridos tomam um posicionamento de chefes de família com várias restrições ao comportamento dessas meninas. O ciúme, por exemplo, é maior”, aponta.
Porém, continua o especialista, “se esse casal tem uma vida social religiosa, galgada em princípios, acredito que tenham um avanço, uma evolução maior juntos”.
Religião
A avaliação do especialista, sobre casais jovens que fazem parte de alguma religião, parece fazer sentido na vida de Delma Ribeiro, 17 anos, e Eranildo Ferreira, 27. Ambos são evangélicos e afirmam que um dos motivos de terem se unido foi a crença religiosa.
“Quando a gente encostava um no outro, saía faísca. Aí, achei melhor fazer a coisa como manda a bíblia. Não tinha mais sentido para nós continuarmos namorando com aquele pensamento de querer algo mais”, conta o comerciante.
Os dois jovens, moradores do Itapoã, namoraram durante seis meses antes de decidirem oficializar a união. A moça revela que a mãe, também evangélica, apoiou a decisão dos dois e ficou bastante feliz. “Ela é uma pessoa muito correta. Jamais admitiria que eu ficasse namorando por aí. Então, quando o Eranildo pediu a minha mão em casamento, ela nos deu total consentimento. Eu não fui obrigada a casar, mas tive, sim, todo o apoio dela. E isso foi muito importante para eu me sentir segura”, relata Delma.
Planos para o futuro seguem a todo vapor
A adolescente Delma Ribeiro, 17 anos, que, agora, cursa o 3º ano do Ensino Médio, revela que pretende ingressar em uma faculdade de Direito. Seu plano é se tornar policial civil.
“O casamento não vai atrapalhar em nada, tenho certeza. Pelo contrário, Eranildo torce muito por mim. O difícil será conciliar as coisas”, admite. Porém, ela afirma que com muito esforço tudo dará certo.
“Acredito que com força de vontade tudo é possível. Então, tenho as melhores expectativas possíveis”, destaca. Por enquanto, ela ajuda o marido nos negócios, atendendo os clientes que chegam à loja de gás.
Parceria
Segundo Iranildo, o companherismo entre ele e a esposa é um diferencial. “Nós somos parceiros, acima de tudo. A diferença de idade pouco importa quando há amor. E é nisso que acreditamos”, define.
O jovem ressalta que a decisão de se casar foi tomada com cautela e com consciência. “Quando quis me casar com ela, sabia muito bem da minha responsabilidade. Mas também confiei na maturidade dela, que tem se mostrado, a cada dia, uma pessoa maravilhosa. Por isso, tenho certeza de que nada vai nos separar”, declara Iranildo.
Questionado sobre a possibilidade de aumentar a família, ele revela a vontade de ser pai apenas daqui alguns anos. “Mais tarde. Ainda está muito cedo”, completa.
Fonte: Jornal de Brasília