Plenário do STF retoma julgamento de ADI sobre alteração de registro civil sem mudança de sexo

Na tarde desta quarta-feira (28), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, na qual se discute a possibilidade de alteração de gênero no assento de registro civil de transexual, mesmo sem a realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo. Conforme informou a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, a análise da ação terá continuidade na sessão plenária de amanhã (1º).

 

Até o momento, os ministros Marco Aurélio (relator), Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux já proferiram votos. Em comum, eles consideraram possível a mudança.

 

Relator

 

O relator da ADI, ministro Marco Aurélio, julgou parcialmente procedente o pedido feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR), autora da ação, para dar interpretação conforme a Constituição Federal ao artigo 58 da Lei 6.015/1973, no sentido de ser possível a alteração de prenome e gênero no registro civil, mediante averbação no registro original, mesmo sem cirurgia. Para ele, é inconstitucional interpretação do dispositivo que faça tal exigência.

 

O voto do relator estabeleceu os seguintes requisitos para a mudança: idade mínima de 21 anos e diagnóstico médico observados os critérios do artigo 3º da Resolução 1.955/2010, do Conselho Federal de Medicina, por equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto. Esses pressupostos devem ser aferidos perante o Judiciário, mediante procedimento de jurisdição voluntária (em que não há litigio), com a participação do Ministério Público, observados os artigos 98 e 99 da Lei 6.015/1973.

 

O ministro observou ainda que, após a alteração no registro civil, a pessoa continua responsável por atos praticados anteriormente. “A adequação do nome à identidade psicossocial de gênero não elimina o caminho trilhado até aquele momento pelo transexual”, ressaltou. A alteração do registro, segundo o relator, decorre da dignidade da pessoa humana, tendo em vista a incompatibilidade da morfologia sexual com a identidade de gênero, para permitir que a pessoa possa viver plenamente em sociedade tal como se percebe. Para ele, é dever do Poder Público, no Estado Democrático de Direito, promover a convivência pacífica com o outro, na seara do pluralismo.

 

Votos

 

O ministro Alexandre de Moraes ampliou sua decisão aos transgêneros, e não apenas aos transexuais. Ele também considerou que deve haver decisão judicial para a mudança no assentamento, com expedição de ofício pelo juiz a todos os órgãos estatais para a alteração dos registros complementares (título de eleitor, CPF, etc.). O ministro entende, porém, que não há necessidade de fixação da idade para a alteração, e considera que a longa espera por laudos médicos pode gerar danos psiquiátricos e psicológicos. “Acompanho os requisitos que a lei já estabelece”, salientou, acrescentando que a análise deve ocorrer em cada caso concreto.

 

Em seu voto, o ministro Edson Fachin estabeleceu três premissas. Ele considerou que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero, e entendeu que a identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana “e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la”. O ministro também salientou que a pessoa não deve provar o que é, e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo, “ainda que meramente procedimental”.

 

Ele julgou a ADI procedente para dar interpretação conforme ao artigo 58 da Lei 6.015/73, a fim de reconhecer aos transgêneros o direito à substituição de nome no registro, sem autorização judicial e sem cirurgia. “A alteração dos assentos no registro público depende apenas da livre manifestação de vontade da pessoa que visa expressar sua identidade de gênero", afirmou.

 

O ministro Luís Roberto Barroso avaliou que o procedimento de alteração no registro civil depende apenas da autodeclaração, sem necessidade de decisão judicial. Ele propôs a fixação da seguinte tese: “A pessoa transgênero que comprove a sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer, por autoidentificação firmada em declaração escrita dessa sua vontade, dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade”.

 

A ministra Rosa Weber também considerou que a decisão na ADI deve ser ampliada aos transgêneros, mas entendeu ser desnecessário um comando judicial para a alteração do registro nos demais órgãos estatais. “A via judicial pode resultar como uma via alternativa”, completou.

 

Último a votar na sessão desta quarta-feira, o ministro Luiz Fux frisou a possibilidade de adequação do registro público à realidade e a desnecessidade de cirurgia. “O direito à retificação do registro civil de modo a adequá-lo à identidade de gênero concretiza a dignidade da pessoa humana na tríplice concepção da busca da felicidade, do princípio da igualdade e do direito ao reconhecimento”, afirmou. Para o ministro, a inserção social, a autoconfiança, o autorrespeito e a autoestima decorrem dessa titularidade. Por fim, avaliou que não deve haver nenhum tipo de obstáculo, e tudo deve se passar no campo notarial.

 

Leia a íntegra dos votos dos ministros Marco Aurélio (relator) e Edson Fachin.

 

 

Fonte: STF