Presidente do CNJ, Lewandoski diz que órgão não pode mudar decisão da Justiça

Mudar uma decisão da Justiça transitada em julgado se baseando em uma determinação do Conselho Nacional de Justiça é uma medida ilegal. O entendimento é do próprio presidente do CNJ, Ricardo Lewandoski, que, como ministro de plantão do Supremo Tribunal Federal, reconduziu um ex-titular de cartório ao antigo posto. A decisão é contrária à posição do ministro Teori Zavascki, relator do caso que já havia negado dois mandados de segurança — em parecer, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, também havia se manifestado contra os mandados de segurança.

 

O caso começou em 2008, quando o CNJ fez um levantamento dos cartórios no Brasil. Desse estudo, veio a decisão de declarar vacância em vários estabelecimentos, uma vez que não seguiam a legislação, que passou a proibir a transmissão do negócio por herança e estabeleceu o concurso público como etapa obrigatória. Entre os afetados estava o 1º Tabelionato de Protesto e de Registros de Títulos e Documentos Civil de Pessoa Jurídica de Goiânia, cujo titular era Maurício Borges Sampaio, que o herdou do pai.

 

Em 2013, Sampaio foi retirado do comando do cartório, que foi repassado a um homem que havia prestado concurso público. Um dia depois, o antigo dono conseguiu uma decisão da Justiça de Goiás para retornar ao cargo. Nesse momento, o então corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, determinou que ele perdesse o posto novamente, no que foi atendido.

 

Sampaio recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e depois ao Supremo, tendo sempre seus pedidos negados pelos ministros. A história mudou quando nova análise foi feita agora pelo ministro Ricardo Lewandoski.

 

O argumento principal da defesa de Sampaio é que o CNJ não teria competência para mudar decisão tomada pela Justiça estadual. Lewandoski concordou e determinou o imediato retorno do antigo titular ao posto.

 

“Em que pese o entendimento do Corregedor Nacional de Justiça, parece-me que sua posição diverge da pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que afasta o Conselho Nacional de Justiça a competência para intervir em processos de natureza jurisdicional, vedando a fiscalização, o reexame e a suspensão dos efeitos de ato de conteúdo jurisdicional”, escreveu Lewandoski.

 

Natureza meramente administrativa

Na decisão que determinou que Sampaio fosse afastado do cargo, o corregedor do CNJ falou de forma clara que o entendimento da Justiça local no caso não deveria ter poder algum. “A declaração de eficácia ou ineficácia do decreto do TJ-GO por sentença da Justiça estadual de Goiás não afeta o reconhecimento da vacância da serventia pela Corregedoria Nacional de Justiça”, disse.

 

Mas o presidente do STF e do CNJ ressalta que o órgão é de “natureza meramente administrativa” e que o corregedor “deveria ter observado os efeitos da decisão judicial transitada em julgado”. Para ele, o “posicionamento do CNJ parece ser ilegal, pois a jurisdição tem como uma de suas características a definitividade, isto é, a capacidade de tornar uma situação imutável”.

 

Por fim, Lewandoski explica que mesmo que a decisão pudesse ser tomada, deveria ser pelo Plenário do CNJ e não por apenas um membro ou órgão.

 

Justiça incompetente

Em uma de suas decisões sobre o caso, o ministro Teori Zavascki afirma que a Justiça estadual é “incompetente para anular ato do Conselho Nacional de Justiça”. Ele ressalta também que o TJ-GO cumpriu determinação do CNJ ao retirar Sampaio da posição de titular do cartório.

 

Relator do caso, Zavascki diz que o pedido de Sampaio é irrelevante juridicamente e o autor da ação tentava apenas mudar decisão já tomada e estabelecida pela Justiça e que o prazo para isso já teria expirado.

 

Rodrigo Janot, procurador-geral da República, foi ainda mais enfático em seu parecer sobre o caso. Segundo ele, é de “de todo improcedente a alegação de que o CNJ não possui competência para declarar a vacância da serventia”. Ele lembra que o órgão tem atuado para garantir a lisura dos procedimentos do Poder Judiciário.

 

“No exercício de suas atribuições, previstas na Constituição Federal, o órgão tem o poder de expedir atos regulamentares e até mesmo de desconstituir, de ofício, atos administrativos, o que tem sido efetivamente realizado em uma série de procedimentos de controle administrativo, nos quais é discutida a regularidade da assunção da titularidade de unidades de serviços notariais e de registro na vigência da Constituição de 1988”, argumentou Janot.

 

Relação promíscua

Antes de o caso chegar à mais alta corte do Brasil, ele percorreu um caminho tortuoso. Um dia após o CNJ determinar a vacância no cartório de Goiânia e o Tribunal de Justiça de Goiás ter colocado a medida em prática, o juiz Ali Queiroz ignorou ambos os órgãos e decidiu que Sampaio deveria ser reconduzido. Era mais um episódio de uma longa relação entre magistrado e cartorário.

 

Queiroz foi aposentado compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça em março do ano passado, acusado de ter tomado diversas decisões para beneficiar Sampaio e seu cartório. No processo, foram apontadas decisões que beneficiaram o cartório em valores expressivos, como no caso da ação que pleiteava a obrigatoriedade de registro em cartório dos contratos de alienação fiduciária de leasing de veículos. Esse registro era condição para posterior emissão do documento do veículo pelo Detran e obrigava a todos os residentes naquele estado que adquiriram veículos dessa forma a se dirigirem a Goiânia.

 

Já em outra decisão, o magistrado beneficiou o mesmo cartório ao instituir, para o registro de contrato de financiamento de veículos, os valores da tabela aplicável ao registro de imóveis, o que aumentou em muito o seu faturamento. Além disso, colocou esses processos em segredo de Justiça, o que inviabilizou o conhecimento das decisões judiciais pelo público prejudicado.

 

O 1º Tabelionato de Protesto e de Registros de Títulos e Documentos Civil de Pessoa Jurídica de Goiânia orgulhosamente se apresentava como o cartório mais rentável do Brasil no segundo semestre de 2012, com arrecadação de R$ 35,4 milhões naquele período.

 

Fora do páreo

Mesmo com a decisão, o cartório não poderá ser conduzido por Maurício Borges Sampaio, pois ele está afastado em razão de ação de improbidade. O caso agora será julgado ou pela ministra Cármen Lúcia, que está substituindo Lewandowski no plantão do STF, ou então pelo próprio ministro relator da ação, Teori Zavascki, a partir da retomada dos trabalhos em fevereiro.

 

 

Fonte: Conjur