Registrando os milhões de “invisíveis do mundo”

 


 


Reportagem da Rede de Televisão inglesa BBC chama a atenção para o problema do subregistro de nascimento nos países mais pobres do mudo.

Da BBC – O certificado (registro) de nascimento é um fato na vida de muitas pessoas. Ainda assim existem milhões de bebês que nascem a cada ano e nunca são registrados, sendo privados de educação e cuidados médicos, deixando-os vulneráveis a abusos. A associação Plan International tenta reverter essa situação como explica Penny Spiller da BBC.

A adolescente de Togo, Awawou, superou o mais difícil da infância para construir uma educação para si. Após anos trabalhando duro, e contra todas as chances, ela estava prestes a fazer seus exames escolares quando descobriu que não era qualificada porque não tinha um registro de nascimento.

Os pais dela morreram quando ainda era pequena e a menina não tinha sido registrada ao nascer. Foi preciso um ano prestando favores e fazendo tarefas para juntas os 10 dólares necessários para comprar um registro de nascimento e poder prestar os exames. Hoje, com 18 anos, ela espera se tornar uma estilista.

Awowou é uma entre 500 mil crianças que se estima não terem registro de nascimento. Acredita-se que pelo menos 51 milhões dos bebês que nascem a cada ano não são registrados.

Sem registro é difícil, senão impossível, ter acesso a serviços essenciais como cuidados médicos, educação e assistência social, diz a Plan Internacional ¿ Organização de Direitos Infantis. A falta de registro também os priva da possibilidade de votar ou obter ajuda legal.

Crianças sem registro ou identificação são mais vulneráveis à exploração e abusos como tráfico humano e prostituição, sendo forçadas a casamentos (quando ainda menores de idade) e a tornarem-se “crianças soldados”, acrescenta a organização.

Entretanto, a situação mudou para 40 milhões de pessoas em 32 países nos últimos 5 anos, graças à campanha da Plan Internacional chamada “Registro de Nascimento Universal” (Birth Regsitration, UBR).

Especialistas de todo o mundo – incluindo Governos, Organizações Não Governamentais e Universidades – se juntaram em Londres para uma conferência de dois dias a fim de discutir a campanha da Plan Internacional e encontrar outras formas de expandir o trabalhar.

“O objetivo da conferência é espalhar”, disse Nadya Kassam, chefa de advocacia global da Plan. “Nós queremos é que as pessoas aprendam sobre as verdadeiras práticas envolvidas no registro de nascimento. Nós queremos que elas entendam o que fazemos e que passem por isso adiante”, afirmou. “Ainda há milhões de crianças que deixam de ser registradas todo ano. Nós queremos que todos se juntem para incentivar o registro de nascimento. A Plan não pode fazer isso sozinha. Aqueles que quiserem ajudar terão recursos, tecnologia e práticas para fazer acontecer”, concluiu.

Casamentos com menores de idade

Nathalia Ngende ajudou a registrar mais de 7 mil pessoas em Camarões – incluindo, pela primeira vez, 300 dos semi-nômades pertencentes ao chamado Baku. “Há várias razões pelas quais as pessoas deixam de ser registradas”, diz o marido de Ngende, “além de ignorância, há falta de compreensão do processo sem falar na distância que muitas vezes tem que ser percorrida para se chegar a um local onde se possa registrar”, afirmou.

Muitas crianças da parte rural de Camarões conseguem uma educação, ainda que essa devesse exigir oficialmente um registro de nascimento. Mas, assim como Awawou, o problema só aparece quando chega a hora de prestar os exames. “O exame só pode ser feito mediante apresentação do certificado. É neste ponto que muitas crianças abandonam a escola, sem obter nenhuma qualificação”, contou Ngend à BBC.

As crianças também precisam do certificado para serem aceitas no programa de vacinação disponível para menores de 5 anos. Aquelas que não são aceitas tornam-se vulneráveis a doenças que podem ser prevenidas, um problema muito comum em Camarões.

O relatório da Plan mostra algumas mudanças rápidas e drásticas resultantes da campanha. No Camboja, cerca de 7 milhões de pessoas – 56% da população – conseguiram o certificado num período de 10 meses, aponta o relatório. Em uma área da Indonésia, o índice de registros subiu de 3% para 72% em apenas 2 anos.

O relatório também mostra como uma mulher da república Dominicana andou 120 km para registar seu bebe.A campanha avança pretendendo acabar com o elevado número de casamentos de menores de idade que ocorre em Bangladesh.

Os pais de Jhasoda, 13 anos, sem o seu consentimento, arranjaram um casamento pelo dote do equivalente a 435 dólares alegando que ela tinha mais idade do que realmente tinha. O compromisso de Jhasosa chamou atenção dos oficiais do vilarejo na região de Khampara. Eles eram, no entanto, incapazes de agir porque a menina não possuía registro de nascimento, e começaram então a perceber a gravidade do problema.

Desde então, os chefes oficiais tem tentado registrar tanto Jhasoda como todo o resto do vilarejo. Jhasoda afinal não teve de se casar.

Telhados e Vigas

Sra Kassam diz que conseguir que os governos melhores suas leis – para facilitar o registro e para assegurar que as informações sejam devidamente armazenadas – é o ponto principal na campanha UBR.

“Mudar a lei em um país tem um efeito significativo na população. É o único jeito de trazer mudanças substanciais a longo prazo.” diz Kassam à BBC. “A razão pela qual muitos cambojanos estavam aptos a adquirir registros de nascimento em tão pouco tempo deveu-se ao Governo, que divulgou uma campanha de conscientização e tornou o registro mais fácil”, explica Sra. “O Registro não tem que ser um processo complicado”.

A Plan Internacional cercou as dificuldades logísticas apresentadas por áreas inacessíveis, como a fronteira Nordeste do Paquistão, levando o processo de registro até as pessoas. Mais de um milhão de pessoas nessa remota região agora tem registro de nascimento. “As pessoas entendem a importância do registro, e o fazem, especialmente quando o processo se torna mais fácil para eles”, continua Sra Kassam.

Mas enquanto uma coisa é se registrar, outra bem diferente é manter o papel do registro guardado em uma área propensa a desastres naturais e conflitos. Kassam concorda que ainda há muito para ser feito em muitos países a fim de assegurar que os registros sejam mantidos, ainda que as “evidências físicas” desapareçam.

Mas há exemplos de pensamentos inovadores, por exemplo um projeto na Tanzânia, já encaminhado, para escanear registros de nascimentos, casamentos e morte, assim as cidades sempre terão os registros mantidos. “Nós descobrimos que as pessoas são bem criativas quando se trata de manter documentos seguros diz Kassam. Até mesmo telhados e vigas tem sido usados para mantê-los a salvo.”

 

 

Fonte: BBC News