Nos dias 7, 8 e 9 de maio, as aldeias Xacriabá Riacho dos Buritis, Barreiro Preto, Brejo Mata Fome e Rancharia, no município de São João das Missões, na comarca de Manga, receberam o pré-atendimento do Registre-se! 2024 como parte dos preparativos para a 2ª Semana Nacional do Registro Civil, que acontece entre os dias 13 e 17 de maio. A edição deste ano é destinada a pessoas em situação de rua, populações indígenas, adolescentes do Sistema Socioeducativo e pré-egressos do Sistema Prisional. A ação será realizada em todos os Estados e no Distrito Federal.
O trabalho nas aldeias Xacriabá foi uma parceria do Sindicato dos Oficiais de Registro Civil de Minas Gerais (Recivil), do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por meio da Corregedoria-Geral de Justiça, e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e envolveu diversos órgãos parceiros. Nos três dias, foram realizados 436 atendimentos, uma média diária de 145, com coleta de dados para a emissão de segunda via de certidões de nascimento e de casamento e de carteiras de identidade nacionais – documento que entrou em vigor em novembro de 2023 e será o novo padrão para os brasileiros.
Além dos atendimentos, a equipe prestou esclarecimentos à população e ofereceu orientações sobre questões relacionadas, como divórcios, retificação de registros e os procedimentos para regularizar o casamento indígena, que era atestado administrativamente pela Funai, mas não tem valor civil. Inicialmente, estavam previstas três aldeias, mas o grupo de oficiais, com o apoio de três servidores da Funai, estendeu o atendimento à aldeia Rancharia.
O caso de Modesto, da aldeia Pindaíba, de 43 anos, foi de registro tardio. Ele sempre utilizou apenas o registro indígena (Rani) e teve no Registre-se a oportunidade de fazer o registro civil pela primeira vez. “Meu pai não foi lá no cartório me registrar e hoje eu mesmo estou indo fazer isso. É uma sensação de muita alegria mesmo. Trabalhei esse tempo todo com os documentos indígenas. Só agora veio esse, mas graças a Deus deu tudo certo”, disse.
Laurisaura, da aldeia Barreiro Preto, recebeu a equipe em casa, com cafezinho, biscoito e queijo. A professora sabia do procedimento de coleta de dados, mas, na correria dos afazeres, não conseguiu ir até a escola. “Que bênção, eu estava sem saber como ir ao Brejo amanhã. Vocês vieram até aqui!”, afirmou. Foi um presente de aniversário, já que a data do registro coincidiu com a do nascimento dela. Toda a família, segundo a professora, gosta muito de estudar. Além dela, o irmão e a cunhada são professores, há duas sobrinhas estudando Enfermagem e um cunhado cursa Medicina em Belo Horizonte.
O cacique da aldeia Brejo Mata Fome, Domingos Nunes de Oliveira, destaca que a ida do Poder Público à comunidade é um diferencial da ação. “Muitas vezes a gente fica sem esse acesso. Ter que se deslocar daqui para outro lugar ou sair para uma cidade distante dificulta muito para a população. Então, essa parceria com o Tribunal de Justiça e as demais instituições tem sido de grande valia para o nosso povo Xacriabá”, ressaltou.
O cacique Domingos afirma que a identidade é uma das principais demandas de documentos nas aldeias. “A identidade é uma das principais demandas no território, uma das prioridades. Todo documento é necessário para a população, mas a identidade facilita para resolver problemas de saúde e benefícios sociais. O nosso povo, a juventude, os adolescentes precisam do documento”, disse.
Segundo a presidente da Associação Indígena Xacriabá Riacho dos Buritis e Adjacências, Marinete Pereira de Oliveira, de 37 anos, ao promover a cidadania e a autonomia, a proposta está em consonância com os propósitos da entidade para o desenvolvimento de diversos projetos na comunidade, que se fundamentam sobretudo na área ambiental e na preservação da cultura Xacriabá. A Aixarba reúne em torno de 30 aldeias e mais de 400 associados.
Maria Aparecida Barros Andrade, diretora da Escola Estadual Xukurank, na aldeia Barreiro Preto, foi uma das primeiras educadoras indígenas do País. “Graças a isso, foi-se desadormecendo toda a vivência tida com os professores não indígenas. Os caciques, estudiosos da área de educação e agentes públicos começaram a pensar na ideia de se criar este modelo de levar o pessoal para estudar fora, criar a turma de professores e começar a trabalhar. A gente começou dando aula debaixo das árvores, nos barraquinhos. Depois, com a luta da comunidade junto aos caciques e lideranças, fomos encontrando alternativas, estratégias, buscando também a construção das escolas. Ainda falta muito, mas estamos avançando”, ressaltou.
O corregedor-geral de Justiça e presidente eleito do TJMG para o biênio 2024/2026, desembargador Luiz Carlos de Azevedo Corrêa Junior, destacou a sinergia entre as instituições envolvidas na realização do Registre-se e o alto impacto da obtenção do documento no exercício da cidadania. “Sem a documentação básica, o cidadão e a cidadã estão alijados de seus direitos mínimos. Possuir a certidão de nascimento ou casamento e a carteira de identidade é o primeiro passo para inclusão ou reinclusão dessas pessoas na nossa sociedade. Como na primeira edição, em 2023, a Semana Nacional do Registro Civil – Registre-se! nos mostra que o trabalho em parceria é uma ação importante para garantir o mínimo de cidadania àqueles que mais precisam”, afirmou.
A juíza auxiliar da Corregedoria-Geral para os Serviços Notariais e de Registro, Simone Saraiva Abreu Abras, salientou que medidas preparatórias foram tomadas para tentar garantir que a iniciativa atinja o maior número de pessoas com maior eficiência possível. “A organização da segunda edição da Semana Nacional do Registro Civil – Registre-se! exigiu a realização de várias reuniões com nossos parceiros e visitas técnicas aos locais das ações, tudo para garantir o sucesso do evento. Neste ano, o enfoque será a população indígena, os pré-egressos do sistema prisional e a população em situação de rua”, disse.
De acordo com a magistrada, a ida do Recivil às aldeias com apoio do TJMG permite que, na semana que vem, as atividades do Instituto de Identificação da Polícia Civil sejam otimizadas e todos os interessados sejam atendidos a contento.
Para o também juiz auxiliar da Corregedoria-Geral para os Serviços Notariais e de Registro, Luís Fernando de Oliveira Benfatti, a cidadania só é plena quando pode ser exercida, o que é propiciado a muitas pessoas por meio de ações como a do Registre-se. “Com esse enfoque, o programa Registre-se vem viabilizar a entrega de certidão de nascimento e carteira de identidade para que a população atendida possa, de fato, exercer seus direitos e, por consequência, exercer sua cidadania”, frisou.
A diretora do Recivil, Soraia Boan, reiterou a importância de contemplar a População Indígena na 2ª edição da Semana Registre-se!. “Dessa forma, estamos contribuindo para que cada indígena assistido possa exercer sua cidadania e ter seus direitos reconhecidos. Apenas a posse da documentação civil básica por cada indivíduo nativo permite que todos tenham acesso aos serviços proporcionados pelo Estado”, disse.
Para supervisora do Departamento de Projetos Sociais do Recivil e assistente social Leila Xavier, que participou da ação nas aldeias, o trabalho foi “inspirador”. “Durante nossa vivência nas aldeias, pudemos adquirir um pouquinho de conhecimento da riqueza cultural dessas comunidades, compreendendo a importância da documentação civil para essas pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social e quilômetros de distância da cidade mais próxima. A certidão de nascimento ou casamento representa não apenas o acesso a direitos básicos, mas também a possibilidade de inclusão social e reconhecimento de suas identidades”, afirmou.
De acordo com Maria Claudia Gomes Soares Mendes, oficiala do Cartório de Registro Civil e Tabelionato de Notas de São João das Missões, o município possui uma população indígena representa quase 80% do total de habitantes, e atender 436 cidadãos da etnia Xacriabá foi uma ação de grande êxito. “O projeto traz reflexos concretos nos serviços do cartório, pois, muitas vezes, chegam-nos pais para registrarem seus filhos e faltam àqueles os próprios documentos para realizar o registro do bebê. Ainda há casos de pessoas que buscam um benefício governamental, por exemplo, e não conseguem por não terem documentação básica. Proporcionar a visibilidade dos indígenas, ofertando a regularização dos documentos civis, possibilita o acesso a direitos básicos como saúde, educação, cultura e preservação de seus territórios. No entanto, para acessá-los é preciso ter uma identificação, a certidão de nascimento, ao menos. A história indígena tem direito a nome e sobrenome”, explica.
E Soraia Boan complementa, dizendo que “os Cartórios de Registro Civil de Minas Gerais, por intermédio do RECIVIL – Sindicato dos Oficiais de Registro Civil de Minas Gerais e, em especial, nossa colega Maria Cláudia Gomes Soares Mendes, oficial do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais e Notas de São João das Missões, orgulham-se de seu envolvimento com a Semana Registre-se na Terra Indígena Xacriabá expedindo, prioritariamente, as certidões de nascimento e casamento dos seus povos nativos”.
Arte e cultura
O ceramista Vanginei Leite Silva é um dos expoentes da arte e cultura do povo Xacriabá. Nei Xacriabá, como é conhecido, foi professor por 20 anos, até que o reconhecimento artístico começou a impossibilitar a conciliação das duas atividades. Ele se graduou pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, onde também defendeu dissertação de mestrado sobre a cerâmica Xacriabá, sob orientação da professora Lúcia Pimentel.
O artista relata que a cerâmica, no passado, fazia parte de tradições mais enraizadas. “Mas a gente passou por um processo longo de enfraquecimento de cultura, de exposição à violência, de invasão do território, e houve uma época em que quase ninguém mais fazia, as pessoas que sabiam fazer tinham parado”, afirmou.
Ele se lembra de que desde criança via a mãe modelar bichinhos em barro, mas ela não queimava as peças. Ao entrar para a escola, ele foi escolhido para ser professor e atuar na disciplina de artes e cultura, e o barro foi uma opção natural, na qual ele demonstrou aptidão e habilidade. Nos anos seguintes, a experiência adquirida com os mais velhos, o estudo acadêmico, o interesse pela arte, tudo foi contribuindo para que ele avançasse na pesquisa da cerâmica.
Atualmente, a atividade de ensino continua por meio de oficinas, que ele realiza a pedido das comunidades ou mesmo fora das aldeias. Nessas ocasiões, ele transmite todo o saber por detrás da técnica. Esse conhecimento vai desde a coleta do barro, que tem de observar a fase da lua e outros aspectos, aos acabamentos das peças, que utilizam uma rocha, denominada toá, para fazer pigmentos. A produção do artista pode ser conhecida pelo Instagram @ceramicaindigenaxakriaba.
Fonte: Diretoria Executiva de Comunicação – Dircom, do TJMG, com a colaboração da equipe de Comunicação do Recivil
Fotos: Cecília Pederzoli/TJMG