Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-Corregedor Nacional da Justiça, ministro César Asfor Rocha concede entrevista exclusiva ao Jornal da Arpen-SP
Momentos antes de proferir a palestra magna do XVI Congresso Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, realizado entre os dias 15 e 18 de setembro na cidade de João Pessoa, na Paraíba, o ex-Corregedor Nacional da Justiça e hoje presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Francisco César Asfor Rocha, concedeu entrevista exclusiva ao Jornal da Arpen-SP onde falou sobre o trabalho desenvolvido à frente da Corregedoria Nacional da Justiça, que ganhou vulto com um intenso trabalho de radiografia da atividade judicial e extrajudicial brasileira.
“Costumo dizer que o cargo de Corregedor Nacional da Justiça é muito pesado, já que você ganha alguns amigos passageiros e inúmeros inimigos eternos”, enfatiza o ministro. Nascido em Fortaleza, no Ceará, Francisco César Asfor Rocha é bacharel em “Ciências Jurídicas e Sociais”, pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, em 1971, tendo sido o Orador da Turma, por concurso e posterior aprovação pelos Colegas.
Ministro do Superior Tribunal de Justiça, nomeado em 5 de maio de 1992, julgou, até quando foi ocupar o cargo de Corregedor Nacional de Justiça, em 15/6/2007, 66.252. Desde setembro de 2008 preside o Superior Tribunal de Justiça e o Conselho da Justiça Federal.
Jornal da Arpen-SP – Em sua gestão à frente do Conselho Nacional da Justiça foi feita uma radiografia dos cartórios extrajudiciais no Brasil. Qual foi o objetivo desta iniciativa?
César Asfor Rocha – O principal motivo deste trabalho que desenvolvemos a frente do CNJ foi traçar uma radiografia do Poder Judiciário. O CNJ passou a ser constantemente provocado no que tange à atividade extrajudicial, principalmente em relação aos concursos públicos. Nem mesmo o Judiciário conhecia sua própria realidade. Não sabíamos quantas serventias existiam no País, onde estavam localizadas, como sobreviviam, quem respondia por elas. O mesmo foi feito com relação às atividades dos magistrados, o que gerou enorme polêmica. Hoje temos uma radiografia completa do judicial e do extrajudicial, conhecendo sua demanda, sua realidade e suas dificuldades para a partir daí traçar soluções para o problema do Judiciário como um todo, incluindo a atividade extrajudicial. Costumo dizer que o cargo de Corregedor Nacional da Justiça é muito pesado, já que você ganha alguns amigos passageiros e inúmeros inimigos eternos.
Jornal da Arpen-SP – Qual o resultado deste levantamento em relação à atividade extrajudicial?
César Asfor Rocha – O resultado foi um completo diagnóstico da atividade extrajudicial brasileira que nos permitirá propor soluções para corrigir sérias desigualdades dentro deste sistema. A primeira delas é a erradicação do número de crianças sem registro de nascimento no Brasil. Um número assustador de cerca de 500 mil crianças sem registro de nascimento no País. Isso se corrige primeiro com a valorização da atividade do registro civil que hoje, segundo o levantamento do CNJ, corresponde apenas a 5% do faturamento de todas as serventias extrajudiciais no Brasil. E por incrível que pareça é o segmento que mais cartórios tem espalhados pelo País, com 2.076 serventias só de registro civil e outras 4.036 com registro civil e alguma outra atribuição. É preciso colocar em funcionamento os fundos de compensação nos Estados onde eles ainda não existem, para que o cartório de registro civil possa ter sustentabilidade para trabalhar e acabar com esta vergonha que são estas crianças sem certidão de nascimento, vivendo à margem da cidadania.
Jornal da Arpen-SP – Como o CNJ pretende solucionar esta questão?
César Asfor Rocha – O primeiro passo foi fazer esta radiografia, descobrir onde estavam as falhas, onde existia o gargalo da atividade extrajudicial. O próximo passo é a normatização nacional da atividade extrajudicial no Brasil, que hoje sofre com diferentes interpretações em cada Estado da Federação. Tome-se por base a Lei 11.441/07, onde o CNJ interferiu e regulamentou nacionalmente a questão e hoje todos trabalham de forma padronizada o que se refere às separações, divórcios e inventários extrajudiciais. É preciso ainda regulamentar a questão dos fundos de compensação nos Estados onde ele ainda não exista, garantir também o reaparelhamento do Poder Judiciário. Isto tudo agora está nas mãos da nova Corregedoria Nacional da Justiça, que desenvolverá o trabalho necessário para a melhora do desempenho da atividade extrajudicial. O CNJ trabalhará proposições neste sentido de realizar alguma distribuição neste setor, de forma a tornar a prestação deste serviço especialmente essencial, a justa remuneração por seu valioso trabalho
Jornal da Arpen-SP – Como o senhor avalia a importância da atividade do registro civil no Brasil?
César Asfor Rocha – É uma atividade de grande importância, porque a personalidade civil começa com a vida, mas é preciso fazer prova desse registro. E curiosamente é a atividade mais pobre, a irmã pobre da atividade extrajudicial, onde vemos em muitas lugares pessoas trabalhando por puro heroísmo, sem a menor sustentabilidade. Sem registro civil, há a sonegação do primeiro direito da cidadania, por isso precisamos ressaltar cada vez mais a impotância desta atividade e garantir sustentabilidade a ela, para que ela chegue a todos os locais onde existam populações à margem da cidadania. Só por meio do registro de nascimento é possível à população adentrar o sistema da rede pública do Governo Federal, ter seus direitor básicos garantidos.
Jornal da Arpen-SP – Há ainda especulações em torno desta atividade voltar a ser exercida em caráter público. Como o senhor avalia estas colocações?
César Asfor Rocha – É preciso afastar de uma vez por todas qualquer tipo de especulação neste sentido. Não tem o menor cabimento a atividade extrajudicial deixar de ser privatizada no Brasil. É preciso enfrentar logo este problema e se definir de vez pela privatização das serventias extrajudiciais. Acabamos com a vergonha que eram as sucursais que existiam em muitos Estados e isso, se já não foi completamente erradicado, pois existem alguns direitos já adquiridos, será feito muito em breve. A situação da atividade extrajudicial na Bahia, onde o serviço é público, é um espelho completo de como a privatização da atividade extrajudicial é o caminho a ser seguido, longe do anacronismo, dificuldades e empecilhos que o poder estatal traz para a atividade. Hoje temos serventias modernas, prestando um serviço público, embora em caráter privado digno da população, com tecnologia moderna, aparelhadas, pessoal qualificado e notários e registradores do mais alto gabarito selecionados em concursos públicos difícilimos em todo o Brasil, outra luta que travamos no CNJ, a realização de concursos públicos para cartórios em todo o Brasil.
Jornal da Arpen-SP – Na opinião do senhor, o que a atividade extrajudicial deve fazer para que seja vista com a importância que realmente tem para a sociedade?
César Asfor Rocha – É preciso que este segmento passe a se mostrar mais, como ele realmente é, como uma atividade que vise o lucro e a boa prestação de serviços. Você auferir lucro pela prestação de um serviço qualificado para a população é mais do que certo, é um direito que os notários e registradores possuem, por sua importância como guardiães da segurança jurídica das relações e dos negócios no Brasil. Trata-se de uma atividade de imensa responsabilidade e por estas mesmas razões deve, cada vez mais, se mostrar ao público, aos poderes constituídos, ao Judiciário em seus Estados, como verdadeiros guardiães da fidelidade dos negócios e como atividade privada que visa o lucro, mais do que justo pela responsabilidade que se imputa às pessoas que a exercem.