A Lei da Mediação (Lei 13.140/2015), sancionada no final de junho pela presidente Dilma Rousseff, diz que pode ser objeto de mediação o conflito que envolve direitos disponíveis ou indisponíveis que admitam transação. No entanto, exige homologação em juízo do consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis — aquele do qual o titular não podem privar-se por simples vontade própria, como os direitos familiares.
Essa restrição, na opinião da advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), é injustificada e atrapalha a prática conciliatória em muitas ações no âmbito do Direito da Família.
“Não vejo como não haver a possibilidade de fazer mediação extrajudicial quando há interesse de crianças ou incapazes em geral”, disse, em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico. Ela explica que a Justiça vem admitindo que o reconhecimento da paternidade seja feito diretamente no cartório de registro civil, sem processo judicial, por exemplo, e que o filho, por acordo, pode dizer que o genitor não é mais o pai dele.
Na opinião dela, a Lei da Mediação e o novo Código de Processo Civil, quando falam de conciliação, falham ao não ter copiado o modelo argentino. No país vizinho, no âmbito das relações de família, é necessário comprovar documentalmente que foi tentada uma conciliação extrajudicial antes de entrar com um processo na Justiça. A tônica deve ser uma mediação antes do processo e não uma mediação dentro do processo, disse. Só assim o instrumento será eficaz para diminuir o número de casos na Justiça.
Maria Berenice faz mediações extrajudiciais há oito anos, desde que se aposentou como desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Leia a entrevista:
ConJur — Qual é a opinião da senhora sobre a Lei de Mediação?
Maria Berenice Dias — A regulamentação dessa atividade que busca aproximar as pessoas para encontrar uma solução consensual vem em boa hora, mas, de uma maneira injustificada, não admite que seja feita a mediação quando se trata de direitos indisponíveis. No âmbito do Direito de Família, não vejo como não haver a possibilidade de fazer mediação extrajudicial quando há interesse de crianças ou de incapazes em geral.
ConJur — Por quê?
Maria Berenice Dias — Claro que não se pode abrir mão de alguns direitos, mas isso não quer dizer que seja indisponível. Por acordo, o filho pode dizer que o genitor não é mais o pai dele. A Justiça vem admitindo que o reconhecimento da paternidade seja feito diretamente no cartório de registro civil, sem processo judicial. É uma forma extrajudicial, um acordo de vontade entre os envolvidos. A limitação acaba eventualmente impossibilitando a mediação em muitas ações no âmbito do Direito da Família. Talvez fosse o caso de fazer a ressalva de que a mediação tem de ser levada para homologação judicial quando há interesse de menores e incapazes.
ConJur — A restrição vale também para o direito de visita?
Maria Berenice Dias — Deve haver a possibilidade de ser resolvido de forma consensual o estabelecimento da forma de convivência, o chamado direito de visita, em relação a uma criança. O que melhor atende o interesse dela são os pais decidirem como vai ser essa convivência, e não o juiz dizer quais são os horários. Nesse aspecto, o juiz é incompetente e vai errar. É importante deixar os familiares resolverem porque eles sabem os costumes e a dinâmica da família.
ConJur — A senhora acredita que a lei conseguirá reduzir a judicialização dos conflitos?
Maria Berenice Dias — O que peca tanto na Lei da Mediação, mas basicamente no novo Código de Processo Civil, nesse ponto da mediação, é não ter copiado o modelo argentino. Para se entrar com uma ação na Justiça na Argentina, no âmbito das relações de família, é necessário comprovar documentalmente que foi tentada uma conciliação extrajudicial. Primeiro as pessoas têm que fazer uma tentativa de mediação e documentá-la. Este documento é expedido pelos serviços de mediação. É a forma mais eficaz de diminuir o número de processos na Justiça — que é a finalidade primeira de incentivar formas conciliatórias.
ConJur — Qual é o procedimento sugerido pelo CPC para a mediação?
Maria Berenice Dias — É judicialmente. Conforme o novo CPC, é preciso procurar um advogado e entrar com uma ação fundamentada. E isso gera animosidade porque há citação, é um procedimento judicial. Depois é que o juiz manda fazer a conciliação. A partir disso, quem vai pautar quando será feita a mediação é o mediador. É uma volta desnecessária no processo. O que amenizou um pouco é que nas ações de família, quando o réu é citado, ele não vai receber a cópia da petição inicial. Alguns processualistas estão se insurgindo contra, porque dizem que o réu vai para a audiência sem saber do que vai ter que se defender. Este dispositivo foi inspirado no Código das Famílias, que foi elaborado pelo IBDFAM. Acho salutar. Ao receber a cópia com uma acusação de abandono de lar, por exemplo, o réu pode se irritar e dificultar a mediação. No caso de mediação extrajudicial, a pessoa simplesmente é chamada para tentar resolver o conflito.
ConJur — E se a validade da mediação for questionada?
Maria Berenice Dias — Se os direitos são disponíveis ou não, em caso de Direito da Família, quando há interesse de criança, é só colocar no papel o que foi acordado e levar para homologação judicial. Mas, mesmo assim, o juiz vai ser um carimbador, ele não vai fazer uma audiência. A tônica deve ser uma mediação antes do processo e não uma mediação dentro do processo.
ConJur — Qual foi a maior dificuldade encontrada pela senhora nesses oito anos fazendo mediação no âmbito do Direito da Família?
Maria Berenice Dias — É a mágoa, o ressentimento. Todos sonham com amor eterno e tendem a culpar o parceiro pelo fim do relacionamento. É uma forma de compensar a dor da perda com um sentimento de vingança. É a mãe dizendo para o pai que não vai mais deixá-lo ver o filho porque houve a separação. Ou o marido traído dizendo que não vai pagar pensão para o filho.
ConJur — Qual é o assunto mais controverso atualmente no Direito da Família?
Maria Berenice Dias — Antes era o valor da pensão alimentícia, hoje é com relação ao chamado direito de convivência. Cada vez mais os pais estão reivindicando conviver mais com os filhos depois da separação e há a resistência das mães que, muitas vezes, se acham proprietárias das crianças, porque saíram da barriga dela. É um ranço cultural difícil de ser superado. É por isso que surgiu a lei da guarda compartilhada, a lei da alienação parental, que foram criadas por causa do movimento dos pais excluídos da convivência com os filhos. O pai só vê o filho quando a mãe “deixa”, parece que não é um direito do pai. É um direito do filho de conviver com o pai. Esse ranço contaminou o Poder Judiciário porque dificilmente a justiça entrega a guarda para o pai.
ConJur – É uma forma de preconceito em relação aos homens?
Maria Berenice Dias — Sim. Noto ainda o Poder Judiciário muito arraigado esse sentimento chamado instinto maternal. Isso não existe, mãe não é bicho e eu nunca ouvi falar em instinto paternal.
Fonte: Conjur