Registradores civis paulistas e de outros Estados lotaram o Auditório Teotônio Vilela, na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), nesta segunda-feira (19.10) para acompanhar o Seminário sobre Registro Civil Nacional (PL 1775/15) que tramita no Congresso Nacional e visa a instituição de um documento único para o cidadão.
Mais de 150 pessoas acompanharam de perto os debates entre representantes da Câmara dos Deputados, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), da Receita Federal, das Associações de Registradores e de juristas. Foi possível também acompanhar os debates ao vivo pela internet pelo site da ALESP.
A abertura do evento foi realizada pelo presidente da ALESP, deputado estadual Fernando Capez (PSDB-SP). Em sua fala, o deputado destacou seu compromisso com os cartórios e adiantou que agendou uma reunião no TJ-SP para debater a questão do fundo previdenciário dos servidores dos cartórios. Capez também anunciou a assinatura de um protocolo de intenções com a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP) para cessar o pagamento indevido de medicamentos de alto custo a pessoas já falecidas.
Após a abertura, o deputado federal Rômulo Gouveia (PSD-PB), presidente da Comissão Especial destinada a proferir parecer sobre o Projeto de Lei nº 1775, que institui o Registro Civil Nacional, destacou que em São Paulo estava sendo realizado “o quarto seminário sobre o PL, dada a importância do projeto”. Assim, o presidente passou a palavra ao deputado federal Goulart (PSD-SP), que requereu a realização deste seminário em São Paulo.
Goulart primeiramente explicou seu requerimento. “Trouxe para São Paulo para podermos ouvir as pessoas. Tenho um bom contato com os representantes dos cartórios e sei que há boas ideias a serem dadas”, disse. O deputado também destacou a presença dos registradores civis Odélio Antônio de Lima e Nelson Hidalgo, “grandes figuras dos cartórios e meus grandes amigos”.
O relator da Comissão, deputado Júlio Lopes (PP-RJ), explicou aos presentes que o assunto do qual trata o PL já é estudado há muito tempo em razão da necessidade de se aumentar o às fraudes de benefícios sociais. “O Bolsa Família é importante, porém está sendo fraudado. Em auditoria realizada com 10% das 14 milhões de famílias assistidas, foram encontradas 400 mil irregularidades”, destacou. O deputado ainda explicou que a comissão “quer ajudar na constituição de um controle mínimo, é necessário bater o CPF, o imposto de renda, com os benefícios sociais”.
Inconstitucionalidades
O doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Pedro Estevam Serrano, que estudou o assunto e proferiu parecer sobre o tema falou sobre as inconstitucionalidades do projeto. Segundo o jurista, “a identificação civil é o direito que dá direito a todos os outros, é o mais relevante que existe”. Para Serrano, “quando se trata de Registro Civil não está se falando em burocracia”.
Sobre o PL, Serrano apontou algumas inconstitucionalidades formais. A mudança nas competências do TSE, por exemplo, exigiria uma Lei Complementar; matérias indelegáveis devem ser discutidas em plenário; criar um Registro Civil à parte do previsto na Constituição deve ser feito por emenda constitucional e não PL; entre outras questões.
Após a exposição do jurista, a registradora de imóveis de Diadema (SP), Patrícia André de Camargo Ferraz falou aos presentes. Primeiramente Patrícia disse subscrever “todas as perfeitas palavras do doutor Serrano”. “Gostaria apenas de acrescentar algumas palavras sobre a importância dos notários e registradores”, adicionou.
“Não podemos ser tratados como se exercêssemos uma atividade qualquer, pois nosso trabalho envolve natureza jurídica e o Poder do Estado”, destacou. Patrícia ainda salientou que a atividade é delegada para garantir a eficiência no serviço prestado. “Nós somos as pessoas que o povo escolheu, pela Constituição Federal de 1988 e pelos concursos, para a guarda mais sensível dos dados do cidadão”, disse. A registradora também destacou o bom serviço prestado pelos cartórios. “Nos últimos 15 anos houve um grande avanço tecnológico, só quem atende no balcão do cartório sabe o que mudou”.
Sobre o projeto, Patrícia colocou que “é preciso refletir bastante, pois a proposta pretende encerrar na mão do TSE os dados de nascimento e óbito do cidadão. Para a Justiça Eleitoral o que interessa é um cadastro limpo dos eleitores, receber do Registro Civil apenas a relação de quem morre. Me parece perigoso um agente do Estado ter todas as informações do cidadão.”. Por último, a registradora ressaltou a pesquisa Datafolha realizada há 6 anos e que mostrou o Registro e as Notas como os mais bem avaliados dentre as atividades de Estado.
Direito à personalidade
O TJ-SP também se pronunciou no evento por meio da participação do desembargador Marcelo Martins Berthe, que iniciou sua exposição contando sua experiência com os cartórios. “Vivi na década de 90 na Vara de Registros Públicos, onde também fui titular mais tarde, passei por três biênios da Corregedoria Geral de Justiça e também pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a vida sempre me colocou neste caminho”, disse.
“É uma responsabilidade enorme trazer minha preocupação quanto a este difícil tema, pois conheço os dois lados: tanto a preocupação do Estado em ter um número único quanto o direito do cidadão a ter sua personalidade”, relatou. “Não podemos ser tão pragmáticos a ponto de fechar os olhos para os direitos mais nobres do cidadão: seu nome, seu casamento, etc”, disse.
Berthe também destacou a gratuidade dos serviços registrais tanto à população quanto ao Estado. “O Registro Civil em São Paulo está equilibrado financeiramente, embora seja chamado de primo pobre dos cartórios, graças a uma lei estadual desta casa que criou o Fundo do Registro Civil, que com os próprios recursos dos cartórios custeia os serviços gratuitos”, finalizou.
CPF
Daniel Belmiro Fontes, coordenador-geral de Gestão de Cadastros da Receita Federal, admitiu que, “como em qualquer outro cadastro, há problemas na base do CPF por falta de um documento originário seguro, mas há muitos grupos trabalhando nisso”. “Em 2007, o CPF foi decretado documento civil básico, além da certidão de nascimento e da identidade, e por isso deve ser obtido gratuitamente”, relembrou Belmiro.
O coordenador da Receita também destacou o convênio com a Arpen-SP para emissão do CPF no ato do registro de nascimento. “São Paulo está construindo um modelo ideal para ser levado ao Brasil, num triângulo de ação entre cartórios, Secretaria de Segurança Pública e Receita Federal”, disse. “A sociedade exige um avanço tecnológico e maior facilidade, e nosso movimento é: temos estrutura tecnológica, mas não queremos atender pessoalmente o cidadão. Os cartórios podem pegar os dados e conceder pelo sistema um número de CPF”, destacou.
Justiça Eleitoral
Sérgio Braune Sólon de Pontes, chefe de gabinete da presidência do TSE, participou do evento representando a Justiça Eleitoral. Em primeiro lugar, Sérgio mostrou um vídeo de jornal da TV Globo falando sobre fraudes com documentos falsos. “Propomos um documento seguro, não único”, explicou.
“No TSE começamos em 2008 a usar biometria, hoje temos 20 mil equipamentos e 24 milhões de eleitores biometrizados”, conta. Sérgio é contra a ideia de usar o CPF como documento seguro, pois segundo ele “o número deve ser formado por algoritmos fortes e que não sejam de formulação conhecida pelo público”.
Registradores Civis
Os registradores civis também falaram representando as associações de classe e expuseram suas preocupações e ideias para o projeto. Pela Associação dos Notários e Registradores de São Paulo (Anoreg-SP), falou seu presidente, Leonardo Munari de Lima, que destacou que os pontos mais polêmicos do projeto na visão dos registradores são a alteração do nome e a preservação da privacidade do cidadão. “Os cartórios mantém 150 anos de história com mínimas possibilidades de problema”, disse.“Somos favoráveis a um documento único, mas não da forma que está proposto. Por que não sentamos e desenhamos um modelo bom e barato para isso?”, destacou.
Pela Arpen-SP, falou Luis Carlos Vendramin Junior, presidente da Associação. Para Vendramin, “os registradores vem lutando muito, porém existem muitos atravessadores em seu serviço, não só particulares mas também públicos, como por exemplo o Sistema de Informações do Registro Civil (SIRC), do Governo Federal”.
“As informações terão que ser passadas para o SIRC para que ele repasse a outros órgãos, mas temos aqui em São Paulo, por exemplo, um convênio com o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP) em que passamos diretamente os óbitos para cancelamento de título, o mesmo que será feito com a ALESP para cessação dos medicamentos caros também será feito diretamente”, explicou. “O ato originário em São Paulo é o registro de nascimento, o resto é atributo”, acrescentou.
Vendramin também questionou a inviolabilidade deste projeto. “Número único não resolve, afinal passaporte dos Estados Unidos ainda é falsificado”, finalizou.
Por último, José Emygdio de Carvalho Filho falou em nome da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen-Brasil), da qual é o 1º vice-presidente. Emygdio destacou a importância de uma união entre os envolvidos. “Queremos sair daqui com uma conciliação”, disse.
O vice-presidente da Arpen-Brasil aproveitou para prestar uma homenagem ao secretário da Comissão, José Maria Aguiar de Castro, em nome dos registradores, entregando-lhe um kit de utilidades do site www.registrocivil.org.br, o Portal do Registro Civil.
Tramitação
Após intenso debate, perguntas da plateia e discussões sobre o projeto, o presidente da Comissão destacou que “o PL 1775/2015 é do Executivo e está nas mãos do Legislativo”. Segundo Rômulo, as audiências servem para que os deputados ouçam as exposições e formem suas ideias sobre o projeto.
A próxima audiência está marcada para Brasília, em 22.10. Mais dois seminários também estão marcados, para São João do Meriti – RJ (23.10) e Florianópolis – SC (26.10).
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Fonte: Arpen-SP