Sete mil recém-nascidos mineiros não possuem o nome do pai em certidão

Mesmo sendo um direito garantido em Constituição, 7.261 bebês nascidos em Minas Gerais neste ano não possuem nome do pai na certidão de nascimento

Em Minas Gerais, mais de 7 mil bebês nascidos em 2021 não possuem o nome do pai na certidão de nascimento(foto: Pxfuel/Reprodução )
Ana Laura Queiroz*
 
A palavra ausência, no dicionário da língua portuguesa, é definida como um afastamento temporário de alguém. Um distanciamento que, normalmente, gera saudade e recordação de uma pessoa específica. 

No Brasil, para quase 100 mil crianças, nascidas em 2021, a ausência não tem nome, não gera recordação e não possui identidade. Até a última quinta-feira (5/8), 99.447 bebês foram registrados sem o nome do pai na certidão de nascimento. Somente no estado de Minas Gerais, 7.261 recém-nascidos não possuem o registro paterno nos documentos.

O que comemorar?

“Não se trata somente de uma importância burocrática, o registro paterno na documentação da criança. Trata-se de um direito, a dignidade de ter uma pessoa para chamar de pai”
Soraia Carvalho, diretora do Recivil

De um lado, as comemorações do Dia dos Pais no último domingo (8). De outro, o estado de Minas Gerais registra um aumento, pelo segundo ano consecutivo, no número de certidões de nascimento que possuem somente o nome da mãe.

Em 2021 o percentual de crianças mineiras com apenas o nome da mãe na certidão de nascimento aumentou, crescendo para 2,96% em relação ao mesmo período de 2020. Os procedimentos de Reconhecimento de Paternidade no primeiro semestre de 2021 também apresentaram queda. Entre janeiro e julho deste ano, 107 procedimentos foram feitos nos Cartórios de Registro Civil, 22,46% a menos que no último ano. 

No Brasil, quase 100 mil bebês nascidos em 2021 não possuem registro de paternidade(foto: Pxfuel/Reprodução )
Para Soraia Carvalho, diretora do Sindicato dos Oficiais de Registro Civil de Minas Gerais (Recivil), o peso da ausência recai também sobre as mulheres, mães-solo. “Ninguém nasceu para criar um filho sozinho. Não é só a ausência física do pai que joga um peso sobre os ombros das mães. A certidão sem o nome do pai embute o preconceito da sociedade pela mãe, que além de criar o filho sozinha, ainda tem que lidar com situações difíceis para ela, seja na escola, no trabalho e no próprio dia a dia”, compartilha. 
 
Segundo a diretora, toda criança sem o pai questiona a mãe sobre o porquê de o nome não constar na sua certidão. “É uma pergunta que aflige a mãe e a criança, diuturnamente”. 
 
“Não é só a ausência física do pai que joga um peso sobre os ombros das mães. A certidão sem o nome do pai embute o preconceito da sociedade pela mãe”
Soraia Carvalho, diretora do Recivil
 
Possuir o nome do pai no registro de nascimento é um direito fundamental da criança e do adolescente garantido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. O registro assegura direitos como recebimento de pensão alimentícia, regulamentação de convivência e direitos sucessórios.
 
“É importante que pais e mães tenham em mente que ter o nome do pai na certidão de nascimento é um direito da criança, que possibilita uma série de benefícios ao recém-nascido, como pensão alimentícia, herança, inclusão em plano de saúde, previdência”, explica Gustavo Renato Fiscarelli, presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). 
 
 
O que é o Reconhecimento Paterno?  

De acordo com último Censo Escolar, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e divulgado em 2013, há 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento.
 
O Reconhecimento Paterno foi criado para auxiliar na redução desses números. Trata-se de um registro tardio, onde há a alteração na documentação do filho e é acrescentado ao registro inicial o nome do pai.  
 
Para dar início ao processo de reconhecimento de paternidade, basta que a mãe, o pai ou o filho, caso tenha mais de 18 anos, compareçam a um Cartório de Registro Civil. Em casos específicos de discordância, o procedimento é encaminhado para um juiz competente. 
 
Se a decisão de pedir o reconhecimento for do filho, maior de idade, ele mesmo pode procurar o Cartório de Registro Civil e preencher o formulário padronizado. É necessário  indicar o nome do suposto pai e ter em mãos sua certidão de nascimento. O cartório encaminhará o formulário preenchido para o juiz da cidade onde o nascimento foi registrado, que consultará o suposto pai sobre a paternidade que lhe é atribuída. Esse procedimento geralmente dura cerca de 45 dias.
 
É importante que pais e mães tenham em mente que ter o nome do pai na certidão de nascimento é um direito da criança”
Gustavo Renato Fiscarelli, presidente da Arpen-Brasil
 
No caso de pais socioafetivos, aqueles pais que criam a criança mediante uma relação de afeto, sem vínculo biológico, caberá ao registrado civil atestar a existência do vínculo afetivo de paternidade. O procedimento só pode ser realizado a partir dos 12 anos e, em caso de menores de idade, com concordância da mãe e do pai biológico. 
 
Uma série de ações voltadas à facilitação do reconhecimento de paternidade são realizadas nacionalmente. Para Soraia, não é possível impor a afetividade, mas garantir direitos é essencial. 
 
“Ressalte-se que não é possível obrigar um ser humano a amar outro ser humano, ainda que seja seu próprio filho. No entanto, a obrigação de prover o sustento necessário ao filho está prevista na legislação”, conclui.

*Estagiária sob supervisão do subeditor Eduardo Oliveira