Suspensa pelo Supremo Tribunal Federal a decisão proferida no PCA 395 do Conselho Nacional de Justiça que determinava o afastamento dos titulares não concursados dos cartórios do Estado do Mato Grosso do Sul.
DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança impetrado por Gisele Almeida Serra Barbosa, José Carlos de Lima Azambuja e Paulo Antonio Serra da Cruz contra ato do Conselho Nacional de Justiça, consubstanciado no julgamento proferido nos autos do Procedimento de Controle Administrativo – PCA n. 395.
2. O procedimento teve início em 14 de dezembro de 2.006,em seqüência a requerimento apresentado ao Conselho Nacional de Justiça, no qual se alega que a titularidade de diversos serviços notariais e registrais do Estado do Mato Grosso do Sul teriam sido outorgados a pessoas que não obtiveram prévia aprovação em concurso público, do que decorreu violação do disposto no art. 236 da Constituição do Brasil.
3. Afirmou-se nesse requerimento que os atos de que se cuida encontraram fundamento no art. 31 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul, impugnado na ADI n. 3.292. A ação direta, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO, perdeu o objeto em razão da revogação do preceito.
4. O Conselho Nacional de Justiça, por maioria, julgou procedente o pedido, determinando a imediata desconstituição de todos os atos de delegação promovidos pelo TJ/MS com fundamento no revogado art. 31 do ADCT da Constituição daquele Estado-membro.
5. Entendeu que o prazo prescricional do art. 54 da Lei n. 9.784/99 não se aplica aos atos administrativos questionados porque estes afrontam diretamente o texto constitucional e precedem a edição da referida lei.
6. Observou que “o marco inicial para exigência de concurso público para qualquer cargo ou função públicos, incluindo a delegação de titularidade de serviços notariais e de registro, é a data da promulgação da Constituição, ocorrida em 05 de outubro de 1988, a partir da qual as delegações vagas somente por concurso público podem ser objeto de novas efetivações”.
7. Determinou ao TJ/MS as medidas necessárias ao cumprimento da decisão, tais como a elaboração e publicação de edital de concurso público para provimento das serventias vagas, fixando os prazos para homologação do resultado do certame e efetivação das substituições.
8. Os impetrantes, Tabeliães Substitutos, foram efetivados nas respectivas serventias como Tabeliães Oficiais entre 1.992 e 1.994. Sustentam que a desconstituição dos atos que os efetivaram nos serviços registrais e notariais, passados mais de doze anos, consubstancia violação ao princípio da segurança jurídica.
9. Mencionam farta doutrina no sentido de que a ausência de preceito que determine o lapso prescricional para revisão dos atos administrativos não impede, ainda que ilegais, a sua consolidação pelo decurso do tempo, pena de violação do princípio da segurança jurídica.
10. Alegam que a autoridade coatora investiu-se de poderes jurisdicionais ao declarar a inconstitucionalidade do art. 31 do ADCT da Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul, matéria que não foi apreciado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n. 3.292.
11. Acrescentam que a decisão do CNJ deve ser cumprida no prazo de 30 dias, o que implicará a exoneração dos impetrantes, que não possuem outra atividade a não ser as atribuições que cumprem nas serventias que ocupam.
12. Requerem, liminarmente, a suspensão da eficácia da decisão proferida pelo CNJ, garantindo-se a continuidade do exercício de suas atribuições nos cartórios em que foram investidos até decisão final do mandado de segurança.
13. No mérito, pedem a concessão da ordem, declarando-se insubsistente o ato do Conselho.
14. É o relatório. Decido.
15. A concessão de medida liminar em mandado de segurança pressupõe a coexistência da plausibilidade do direito invocado pelo impetrante e do receio de dano irreparável pela demora na concessão da ordem.
16. Esta Corte tem consolidado sua jurisprudência no sentido de estabelecer limites ao poder de revisão da Administração Pública. Nesse sentido o precedente do MS n. 24.268 [DJ de 17.9.04], no qual o Tribunal acompanhou a divergência instaurada pelo Ministro GILMAR MENDES, para impedir a anulação de pensão especial concedida há vinte anos.
17. O Tribunal entendeu que a possibilidade de revogação de atos administrativos não pode estender-se indefinidamente. Esse poder anulatório deve sujeitar-se a um prazo razoável, mercê da estabilidade necessária às situações criadas administrativamente.
18. Preponderou, na ocasião, o princípio da segurança jurídica, desdobrado do princípio do Estado de Direito. Esse entendimento foi reproduzido no MS n. 22.357, DJ de 5.11.04 e RE n. 217.141, DJ de 4.8.06, ambos relatados pelo Ministro GILMAR MENDES, e, antes deles, no MS n. 21.791, Relator o Ministro FRANCISCO REZEK, DJ de 27.5.94.
19. Os atos que efetivaram os impetrantes nas serventias notariais como Tabeliães Oficiais foram praticados antes da edição da Lei n. 8.935/94, que regulamentou o preceito veiculado pelo art. 236 da Constituição Federal.
20. É fato que a Constituição de 1.988 preconizou o ingresso na atividade notarial e de registro por meio do concurso público, nos termos do disposto no § 3º do art. 236.
21. A dúvida que permanece e merece atenção desta Corte, no entanto, é a da auto-aplicabilidade do preceito no lapso temporal que vai da promulgação da Constituição até a edição da Lei n. 8.935/94, que em seu art. 15 regulamenta o modo de realização dos concursos públicos previstos no texto constitucional.
22. O cumprimento imediato do ato coator, enquanto pendente de julgamento a questão suscitada, não é recomendável sob o ponto de vista da prestação dos serviços notariais e de registro.
23. A substituição dos Oficiais, com a realização de concursos públicos para provimento das serventias vagas e a eventual restituição ao status quo ante no caso de concessão da ordem, implicaria ônus desnecessário à Administração. Em se tratando de serviço público de caráter burocrático, essas alterações fatalmente comprometeriam a estabilidade necessária à sua prestação e poderiam suscitar dúvidas quanto à validade dos atos praticados durante a sua vigência.
Ante o exposto, defiro a medida liminar, para suspender a decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça nos autos do Procedimento de Controle Administrativo – PCA n. 395, até final julgamento deste mandado de segurança, sem prejuízo de sua reapreciação após a vinda das informações.
Intime-se a autoridade coatora para prestar informações no prazo do art. 1º, “a”, da Lei n. 4.348/64.
Publique-se. Comunique-se.
Brasília, 27 de agosto de 2007.
Ministro Eros Grau
– Relator –
Fonte: STF