STJ assegura direito a moradia vitalícia sem o reconhecimento de união estável

Na última semana, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que uma mulher tem direito real de habitação em ação de manutenção de posse, ajuizada antes mesmo do pedido expresso de reconhecimento de união estável. Atualmente, o Código Civil apenas confere tal direito ao cônjuge.

 

Para o jurista e advogado Paulo Luiz Netto Lôbo (PE), diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a decisão é mais uma contribuição jurisprudencial ao reconhecimento do direito real de habitação na união estável. “A doutrina tem sustentado que o artigo 7º da lei nº 9.278, de 1996, que o contempla para o companheiro, não foi revogado pelo Código Civil (CC), além de que há de observar o princípio da igualdade jurídica entre as entidades familiares”, afirma.

 

Após a morte do companheiro, a mulher moveu ação com fundamento no direito real de habitação, pois havia recebido notificação para desocupar o imóvel onde morava com o falecido. O juiz acolheu o pedido de manutenção de posse. De acordo com o magistrado, a mulher comprovou que ela e o companheiro mantiveram relação duradoura, contínua e com objetivos voltados para a constituição de família, satisfazendo os requisitos previstos no artigo 1.723 do CC. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) manteve a sentença, pois, em seu entendimento, a posse da companheira é legítima.

 

O espólio recorreu ao STJ e sustentou que não houve comprovação da união estável em ação própria e que nem mesmo foi feito pedido de reconhecimento dessa união. Com isso, não haveria direito real de habitação ou posse legítima sobre o imóvel. Ainda afirmou que sempre houve impedimento para que o falecido se casasse com a autora, por causa de casamento anterior que não foi dissolvido formalmente.

 

Além disso, o inventariante do espólio mencionou que o reconhecimento do direito real de habitação à companheira compromete a legitimidade dos herdeiros e cria vantagem para a mesma em relação à esposa, caso exista mais de um imóvel residencial a inventariar.

 

O ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, relator do recurso especial, explicou que nos termos do artigo 1.784 do CC, com a abertura da sucessão hereditária, há transmissão automática e imediata de todas as relações patrimoniais aos herdeiros, inclusive a posse e a propriedade do patrimônio pertencente ao falecido. Com base no entendimento do STJ, ele disse que a companheira sobrevivente tem o direito real de habitação sobre o imóvel de propriedade do falecido, em que residia o casal, mesmo na vigência do atual Código Civil.

 

Direito à moradia – Segundo Luis Felipe Salomão, o entendimento do STJ assegura a máxima efetividade do direito à moradia do cônjuge ou companheiro sobrevivente, e, de alguma forma, acaba por abrandar os poderes dos sucessores sob a propriedade do patrimônio herdado.

 

O relator mencionou precedente da Quarta Turma, segundo o qual a constituição do direito real de habitação do cônjuge sobrevivente emana exclusivamente da lei, ou seja, o reconhecimento deste direito, de forma alguma, repercute na definição de propriedade dos bens partilhados. O reconhecimento não precisa necessariamente ocorrer por ocasião da partilha dos bens deixados pelo falecido.

 

O ministro ressaltou que a sentença apenas declarou a união estável com o objetivo de conceder o direito de habitação à ex-companheira do falecido, que ainda não declarou o reconhecimento da união estável. No entanto, o relator afirmou que ficam abertas as discussões relacionadas ao reconhecimento da união estável e seus efeitos decorrentes.

 

Luis Felipe Salomão considerou que a posse da ex-companheira deve ser mantida, pois o direito real de habitação é conferido exatamente para aquela pessoa que residia no imóvel e realmente exercia poder de fato sobre a coisa, isto é, a proteção possessória da companheira foi concedida com base no fato jurídico de posse.

 

De acordo com o diretor nacional do IBDFAM, Paulo Lôbo, se sustenta que a união estável é um ato-fato jurídico, que independe, para sua constituição, de ato jurídico, como no casamento. “A sentença judicial não é constitutiva, mas apenas declarativa da união estável, com isso a decisão do juiz reconhece que havia elementos suficientes da existência da união estável e que era possível deferir o pedido de manutenção de posse, sem necessidade de prévia decisão judicial sobre a existência daquela”, diz o advogado.

 

Ele ainda declara que o STJ fundamentou corretamente sua orientação no direito à moradia e na posse como poder de fato. “O direito real de habitação da companheira sobrevivente restringe, mas, não suprime o direito dos herdeiros”, analisa.

 

Saiba mais – A ação de manutenção de posse pode ser caracterizada como a ação judicial que compete ao individuo possuidor de qualquer coisa, seja móvel ou imóvel, corpórea ou incorpórea, contra quem venha perturbar e contestar a sua posse. A ação também é conhecida pelos nomes de força turbativa, ação de força nova, de preceito cominativo ou interdito de manutenção. Para fundamentar a ação, o autor que possui a posse de alguma coisa deve provar a perturbação praticada contra a dita posse, assinalando a data em que ela se evidenciou, para que seja criada a expedição liminar do mandado de manutenção. Como essa perturbação não impede totalmente o exercício da posse, o individuo entrará com essa ação com o exclusivo objetivo de se manter na posse.

 

Lei de habitação – O direito real de habitação se encontra estabelecido no artigo 1.831 do Código Civil de 2002, e, como primeira distinção que se deve fazer em relação à fixação que havia no Código Civil de 1.916, é o direito de todo e qualquer cônjuge, casado sob qualquer regime de bens. Antigamente, só o cônjuge casado pelo regime da comunhão universal de bens é que detinha o direito. Com isto, mesmo aqueles que casarem e optarem pelo regime da separação de bens ou separação obrigatória de bens, assim como aqueles que casarem pelo regime da participação final nos bens adquiridos na vigência do casamento tem direito real de habitação.

 

No entanto, é preciso salientar que o artigo 1.829, inciso I, da Lei 10.406/02, exclui o cônjuge sobrevivente, casado pelo regime da comunhão universal de bens e também aquele casado pelo regime da separação obrigatória de bens, da concorrência com os descendentes, com relação à titularidade dos bens deixados pelo falecimento do autor da herança. Porém, não os exclui do direito real de habitação. Com isso, o novo ordenamento jurídico civil do Brasil determina que o cônjuge sobrevivente sempre estará envolvido na sucessão, no mínimo, com o direito real estabelecido no artigo 1.831 do Código Civil.

 

Fonte: IBDFAM