STJ decide se reconhece união estável entre gays

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça vai julgar nesta terça-feira (21/8) recurso em que um casal de homossexuais de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, pede que seja reconhecida sua união estável desde 1988. Tanto a sentença quanto o acórdão do Tribunal de Justiça fluminense negaram o pedido por entender que falta previsão legal.

 

O casal, um agrônomo brasileiro e um canadense que trabalha como professor de inglês no país, entrou com a ação de reconhecimento na 4ª Vara de Família de São Gonçalo. Eles alegam que vivem como casal, de forma duradoura, contínua e pública, em relacionamento pautado pela consideração e respeito mútuo, pela assistência moral e material recíprocas, há quase 20 anos.

 

Apresentaram comprovantes de aquisição em conjunto de um imóvel, passagens aéreas para o mesmo destino, comprovantes de contas bancárias, ações e aplicações financeiras conjuntas, pedindo o reconhecimento judicial de sua condição de casal para todos os efeitos legais, inclusive para que o canadense possa pedir ao Ministério da Justiça visto permanente.

 

A primeira instância considerou que a palavra “casal” tem sua utilização restrita e reservada a um arranjo que vincula, de alguma forma, homem e mulher. Citando a Bíblia, que, segundo o juiz, condena de forma veemente o homossexualismo, o Código Civil e a Constituição Federal, a primeira instância julgou extinto o processo por falta de possibilidade jurídica do pedido, argumentando que eles já seriam legalmente casados no Canadá, país que reconhece esse direito aos homossexuais.

 

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve o entendimento. No STJ, a 3ª e a 4ª Turma já examinaram a questão em ocasiões anteriores, definindo que a união entre pessoas do mesmo sexo configura uma sociedade de fato, não amparada pelo Direito de Família, mas sob a ótica do direito das obrigações, que garante a partilha dos bens, inclusive.

 

O relator do processo na 4ª Turma é o ministro Antônio de Pádua Ribeiro, decano do Tribunal. Além do relator, integram o colegiado os ministros Hélio Quaglia Barbosa, que a preside, Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e Massami Uyeda.

 

O advogado Luiz Kignel, especialista em Direito de Família e Planejamento Sucessório do escritório Pompeu, Longo, Kignel & Cipullo Advogados, afirma que “não há como definir os companheiros homoafetivos como um ‘casal’. Para isto, a lei que regula o Direito de Família precisaria ser alterada. Todavia, a jurisprudência caminhou no sentido de reconhecê-los como uma ‘sociedade de fato’, o que já é um enorme avanço”.

 

Kignel acredita que a questão a ser julgada ficou prejudicada na forma do pedido judicial. “O casal de companheiros pediu uma equiparação efetiva com o matrimônio civil, o que ainda não é possível. A jurisprudência já inovou bastante ao aceitar a relação homoafetiva, mas teve que enquadrá-la no direito das obrigações”.

 

Caminho das pedras

 

O Supremo, contudo, já deu sinais de que a questão deve ser tratada no campo do Direito de Família. Ao julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em fevereiro de 2006, o ministro Celso de Mello afirmou que a união homossexual deve ser reconhecida como uma entidade familiar e não apenas como “sociedade de fato”. A manifestação foi pioneira no âmbito do Supremo Tribunal Federal e indicou que a discussão sobre o tema deve ser deslocada do campo do Direito das Obrigações para o campo do Direito de Família – ao contrário do que aconteceu, até agora, nas decisões de instâncias inferiores.

 

A opinião do ministro foi explicitada no exame de uma ação proposta pela Associação Parada do Orgulho Gay, que contestou a definição legal de união estável: “entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (artigo 1.723 do Código Civil).

 

Celso de Mello extinguiu o processo por razões de ordem técnica, mas teceu considerações sobre o que afirmou ser uma “relevantíssima questão constitucional”. O ministro entendeu que o STF deve discutir e julgar, em novo processo, o reconhecimento da legitimidade constitucional das uniões homossexuais e de sua qualificação como “entidade familiar”. Ele chegou até mesmo a indicar o instrumento correto para que a questão volte ao Supremo: a ADPF, Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

 

Em sua decisão, o ministro cita a desembargadora gaúcha Maria Berenice Dias, que ressalta a importância do Judiciário como agente de transformação social: “Ao menos até que o legislador regulamente as uniões homoafetivas – como já fez a maioria dos países do mundo civilizado – incumbe ao Judiciário emprestar-lhes visibilidade e assegurar-lhes os mesmos direitos que merecem as demais relações afetivas. Essa é a missão fundamental da jurisprudência, que necessita desempenhar seu papel de agente transformador dos estagnados conceitos da sociedade.”

 

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 20.08.07