Supremo julga constitucional lei carioca que permite desconto em emolumentos

Lei carioca que destina 5% dos emolumentos dos serviços extrajudiciais de notários e registradores ao Fundo Especial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (Fundperj) é constitucional. Essa foi a decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3643 proposta pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR). A entidade questionava o inciso III do artigo 4º da Lei nº 4.664 do Estado do Rio de Janeiro.

A entidade afirma que o dispositivo contestado viola os artigos 145, II, 154, I, 155, 167, IV e 236, parágrafo 2º. Sustenta incompetência dos estados para instituir impostos sobre os negócios notariais; impossibilidade de vinculação de receita de impostos a órgãos, fundo ou despesa; competência da União para estabelecer normas gerais sobre a fixação de emolumentos alusivos aos atos praticados nos serviços notariais de registro.

Segundo a ação, o estado não tem competência para instituir imposto, conforme previsto no inciso I do artigo 154 da Carta Magna. “O que se pede para ser notado é que a disposição impugnada e o artigo citado são antinômicos e o que tem de prevalecer é este último, já que a União, e somente a ela, é dada a competência para legislar sobre a matéria”, ressaltou a entidade.

Alegava que a União já cobra imposto de renda com o mesmo fato gerador do instituído pela norma impugnada, ou seja, sobre a receita dos emolumentos dos serviços extrajudiciais. “Sendo o fato gerador o mesmo para dois impostos, ocorre, então, a bitributação”, disse.

Voto da maioria

Inicialmente, o relator da ADI, ministro Carlos Ayres Britto, destacou que, para ele, as atividades notariais e de registro tem natureza própria, inconfundível com a de serviços públicos. O ministro revelou que o seu entendimento é diferente da jurisprudência do Supremo que tem os serviços notariais e de registro como espécie de serviço público. Para o STF a atividade estatal é uma modalidade de serviço público, explicou Ayres Britto.

O ministro lembrou que o STF admite a incidência de taxa sobre os emolumentos. “Estes são cobrados de terceiros a título de pagamento do trabalho que lhes é prestado pelos titulares de serventias, taxa gerada em razão do exercício do poder de polícia que assiste aos estados-membros mediante atuação pelos órgãos diretivos do poder Judiciário, notadamente no plano da vigilância, orientação, e correição da atividade em causa, tudo conforme o parágrafo 1º, artigo 236, da Constituição Federal”, disse o relator.

De acordo com Carlos Ayres Britto, “o dispositivo questionado na ADI não instituiu uma exação que se amolde a definição de imposto. Criou, isto sim, uma taxa em razão do poder de polícia”. Para ele, a argumentação da autora é descabida no sentido de que o dispositivo invade a competência da União para ditar normas gerais sobre a fixação de emolumentos.

O ministro esclareceu que “o fundamento lógico e ético da exação mediante taxa é financiar as despesas estatais com o desempenho de uma necessária atividade de vigilância, orientação e correição sobre o modo pelo qual o agente delegado operacional a serventia sob os seus imediatos cuidados gerenciais”.

“Deixando de se ressarcir de dispêndios que são ínsitos ao exercício do poder de polícia, o estado terminaria por fazer justiça fiscal às avessas, ele é que desembolsaria continuamente recursos financeiros e empregaria as suas técnicas de trabalho e energia psicofísica dos seus agentes para que delegatários privados bem cumprissem o seu remunerado ofício”, afirmou o ministro. Ele lembrou que as Defensorias Públicas não fazem parte da estrutura do poder Judiciário.

Para ele, as Defensorias, uma vez que dão assistência às pessoas carentes de possibilidades materiais para a contratação de advogados, são unidades de serviço necessárias e com funções essenciais à jurisdição, conforme o artigo 134, da Constituição Federal. “Logo, são as Defensorias Públicas que verdadeiramente democratizam o acesso às instâncias judiciárias efetivando valor constitucional da universalização da justiça (…) tornando a prestação jurisdicional um efetivo dever de tratar desigualmente pessoas desiguais”, ressaltou.

Segundo o ministro, “bem aparelhar as Defensorias Públicas é servir, sim, ao desígnio constitucional de universalizar e aperfeiçoar a própria jurisdição como atividade básica do estado e função específica do poder Judiciário”. Por fim, ele concluiu que “destinar parcela da arrecadação da taxa de polícia em comento, mediante lei formal de cada qual dos estados da federação em nada se contrapõe aos dispositivos constitucionais apontados na peça”.

Divergência

“Não vejo elo, considerado o serviço prestado pelos cartórios, os emolumentos recolhidos para fazerem frente a esse serviço e atuação da Defensoria Pública”. disse o ministro Marco Aurélio, que votou de forma contrária, concluindo pela inconstitucionalidade do dispositivo. Entretanto, o ministro afirmou não ter dúvida quanto “ao bom objetivo da norma”.

“Há precedentes que revelam a glosa de destinações diversas, estranhas ao elo que deve haver entre o poder de polícia, o serviço prestado e o órgão que arrecada a própria taxa”, destacou. Conforme o julgamento pelo Plenário do Supremo da ADI 1889, Marco Aurélio lembrou que “é assente a jurisprudência deste Tribunal quanto a inconstitucionalidade da vinculação de emolumentos a entidade com personalidade jurídica de direito privado ou a determinado órgão ou fundo”.

Segundo o ministro, “se o estado não pode proporcionar serviços essenciais, se o estado não conta com receita para viabilizar uma atividade precípua nós estamos muito mal e não será via criação de fundo que se chegará em verdadeira substituição nefasta, para mim, caminhando-se até mesmo para uma privatização”, considerou Marco Aurélio.

Para ele, deve haver uma atenção maior para com o funcionamento das Defensorias Públicas. “Essa atenção não pode ser feita da forma que o foi, olvidando-se parâmetros constitucionais, criando-se algo que se mostra a meu ver sui generis, não consigo enquadrar como taxa nem como imposto para fazer frente a uma deficiência quanto ao orçamento da Defensoria Pública no estado do Rio de Janeiro”, concluiu.

 

FONTE: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ( STF)