Tabelião ganha causa contra cobrança de ISS em Coxim-MS

LUIZ HERVE CASTILHO FONTOURA, brasileiro, casado, Oficial de Registros Públicos e Tabelião do 1º Ofício da Comarca de Coxim, inscrito no CPF sob o número 518.911.231-49, impetrou MANDADO DE SEGURANÇA contra ato praticado pelo CHEFE DA FISCALIZAÇÃO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE COXIM, MS, visando seja a anulada a ordem para que o impetrante compareça à central do ISSQN para atualizar seu cadastro imobiliário e solicitar a impressão dos documentos fiscais para posterior emissão de guia de recolhimento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza e ainda seja suspensa a exigência de recolher o referido tributo.

Aduz, para tanto, que exerce uma função pública delegada pelo Estado e goza de imunidade tributária prevista na Constituição Federal.

A liminar pleiteada foi concedida (f. 110).

Nas informações prestadas a Autoridade Coatora suscita preliminar de ilegitimidade passiva e alega que o Mandado de Segurança não é via adequada para insurgir-se contra lei em tese, bem como a causa demanda produção de provas, e, no mérito, pugna pela denegação da ordem porquanto o serviço prestado pelo impetrante não possui natureza pública e, por conseqüência, deve ser tributado.

O Ministério Público Estadual opinou rejeição das preliminares e pela concessão da segurança a fim de impedir que a autoridade coatora exija a cobrança do ISSQN do impetrante.

É o breve relatório, decido.

As preliminares devem ser rejeitadas.

Consoante ressaltou a representante do Ministério Público Estadual é pacífico o entendimento no sentido da desnecessidade da citação da pessoa jurídica de direito público porquanto compete ao executor do ato administrativo apontado como ilegal de prestar as informações necessárias e cumprir a eventual determinação judicial para rever o ato ou abster-se em executá-lo.

Por ser integrante da administração pública a autoridade coatora tem o dever de informar o representante legal da pessoa jurídica de direito público da qual faz parte da impugnação judicial do ato administrativo, sendo desnecessária, assim, a citação do município para integrar a lide.

Com efeito, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva.

O Mandado de Segurança não é medida inadequada para o pedido do autor, conforme alegou a autoridade coatora, considerando que a ação visa à anulação do ato administrativo de exigir o tributo e incidentalmente seja declarado inconstitucional o instrumento normativo que estipulou a cobrança.

A declaração de inconstitucionalidade da lei, portanto, trata-se da causa de pedir, e a anulação do ato, o pedido propriamente dito. Assim, o mandado de segurança não foi impetrado contra a lei em tese, mas contra o ato administrativo decorrente da lei que possibilitou à autoridade coatora a sua execução.

O Mandado de Segurança, como visto, é medida perfeitamente cabível para a hipótese contida na inicial, razão pela qual rejeito a preliminar.

Não há que falar em necessidade de dilação probatória porquanto os documentos que acompanharam a inicial são suficientes para a apreciação do pedido e, pelas mesmas razões expostas acima, a ação mandamental é via correta para a demonstração do inconformismo do impetrante.

No mérito a ação mandamental deve ser acolhida com a concessão do writ.

A discussão prende-se necessariamente à análise de que a atividade notarial possui natureza jurídica de serviço público e, conseqüentemente, se constatado, se houve ofensa ao Princípio da Imunidade Recíproca previsto no artigo 150, VI, “a” da Constituição Federal.

O artigo 236 da Constituição Federal dispõe que “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.”

Depreende-se da análise do dispositivo constitucional supramencionado que a atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, ou seja, em caráter privado, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função pública, sujeitando-se a um regime estrito de direito público.

A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada “em caráter privado, por delegação do poder público” com mencionado no dispositivo constitucional, não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa.

As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas “a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos” (Lei n. 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos ocupados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos.

Assim a natureza jurídica do exercício da atividade notarial, embora exercido por particular, é eminentemente pública e por sujeitar-se ao regime de direito público deve ser-lhe aplicada a norma constitucional da imunidade recíproca prevista no artigo 150, VI, “a” da Constituição Federal.

Diante da premissa de que a que a atividade executada pelo impetrante representa uma forma de prestação de serviço público, imperioso concluir que há ilegalidade no ato administrativo que reconhece o serviço notarial como fato gerador para o Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza. Em conseqüência, é flagrantemente inconstitucional a Lei Municipal que instituiu a cobrança do tributo dos titulares das serventias extrajudiciais não oficializadas.

O Supremo Tribunal Federal, instado a se manifestar, declarou inconstitucional a cobrança de ISSQN sobre os serviços notariais, conforme se observa da ementa a seguir:

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ISS. SERVIÇOS CARTORÁRIOS, NOTARIAIS E DE REGISTRO PÚBLICO. NATUREZA PÚBLICA. ART. 236 DA CF/88. IMUNIDADE RECÍPROCA. EMOLUMENTOS. CARÁTER DE TAXA. NÃO-INCIDÊNCIA. ART. 105, INCISO III, ALÍNEA “C”, DA CARTA MAGNA. FALTA DE MENÇÃO AO REPOSITÓRIO OFICIAL E DE JUNTADA DE CÓPIAS AUTENTICADAS DOS ACÓRDÃOS PARADIGMAS.

I – No que tange à alínea “c” do art. 105 da CF/88, a recorrente não observou o disposto no art. 255 do RISTJ, para fins de comprovação do dissídio suscitado. É que deixou de juntar certidões ou cópias autenticadas ou sob a declaração de autenticidade do próprio advogado, dos acórdãos paradigmas e tampouco citou o repositório oficial, autorizado ou credenciado em que este se encontram publicados. Aliás, nem mesmo a data de publicação do Diário da Justiça foi indicada.

II – Os serviços cartorários, notariais e de registro público não sofrem a incidência do ISS, porquanto são essencialmente serviços públicos, prestados sob delegação de poder, a teor do art. 236 da CF/88, sendo que a referida tributação fere o princípio da imunidade recíproca, estampada no art. 150, inciso VI, da Carta Magna.

III – Ademais, incabível a cobrança do aludido tributo, sob pena de ocorrência de bitributação, eis que os emolumentos exigidos pelos cartórios servem como contraprestação dos serviços públicos prestados, caracterizando-se como taxa. Precedentes do STF: ADC nº 5 MC/DF, Rel. Min. NELSON JOBIM, DJ de 19/09/03 e ADI nº 1.444/PR, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ de 11/04/03.

IV – Recurso especial conhecido parcialmente e, nesta parte, provido. (Resp 612780/RO. Rel Min. Francisco Galvão. DJ 17.10.2005, p. 180).

Reconheceu a Suprema Corte brasileira, a natureza de serviço público a atividade exercida pelos titulares dos Cartórios Extrajudiciais e, como tal, não lhes podem ser exigida a cobrança de tributos em razão da imunidade recíproca prevista na Constituição Federal.

No esteio desse entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul proferiu o seguinte acórdão:

E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO OBRIGATÓRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO – CARTÓRIOS – IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN – CONDENAÇÃO NA VERBA HONORÁRIA – SÚMULAS 512 DO STF E 105 DO STJ – ORDEM CONCEDIDA – RECURSOS PROVIDOS EM PARTE.

Diante do regime público a que estão os serviços praticados pelos impetrantes submetidos, inegável a incidência da limitação tributária, imunidade recíproca prevista no artigo 150, VI “a” da Constituição Federal.

De acordo com as Súmulas 512 do Supremo Tribunal Federal e 105 do Superior Tribunal de Justiça, em mandado de segurança não cabe condenação em honorários advocatícios. (Apelação Cível – Lei Especial – N. 2005.005445-5/0000-00 – Naviraí, Relator: Exmo. Sr. Des. Hamilton Carli.)

Com efeito, diante da demonstração da impossibilidade da exigência de tributação dos emolumentos do cartório do impetrante, por contrariar a Constituição Federal, a lei a autorizou deve ser declara inconstitucional.

Em razão do exposto e de tudo o mais que dos autos consta, concedo a segurança para declarar nula a exigência para que o impetrante Luiz Hervê Castilho Fontoura seja inscrito como contribuinte do ISSQN junto ao Município de Coxim, e para determinar que a autoridade coatora se abstenha de determinar a cobrança do referido tributo sobre os serviços que realiza, em razão de sua natureza pública, nos termos do parecer do Ministério Público.

Declaro, incidentalmente, a inconstitucionalidade do artigo 2º, item 21, sub-item 21.01, da Lei municipal nº 52, de 18 de novembro de 2003, por contrariar expressamente o artigo 150, VI, “a” e 236 da Constituição Federal.

Em se tratando de mandado de segurança, descabe a condenação, por não serem devidos honorários (Súmulas 512/STF e 105/STJ).

P.R.I.C.

Decorrido o prazo recursal, subam os autos ao E. Tribunal de Justiça para reexame necessário, nos termos do inciso I do artigo 475 do Código de Processo Civil.

Coxim, 01 de novembro de 2005.
Luiz Felipe Medeiros Vieira
Juiz de Direito