Tabelionato de Notas – Continuidade das relações de trabalho

Tabelionato de notas – Novo titular – Serviços notariais prestados e não pagos ao antigo tabelião da serventia extrajudicial – Ação de cobrança movida em face do novo delegado – Valor da dívida não contestado e, portanto, reconhecido pelo atual notário – Tentativa do novo tabelião de compensação do seu débito com dívidas decorrentes de obrigações trabalhistas assumidas em período anterior à sua posse no cargo – Impossibilidade – Aplicabilidade do disposto no artigo 1010 do Código Civil de 1916, que dispõe ser a compensação possível entre dívidas líquidas e vencidas, o que inocorre in casu – Não há que se falar em débitos remanescentes trabalhistas por parte do antigo responsável pela serventia extrajudicial, sendo pacífica a orientação de inadmissibilidade da compensação de dívida líquida e ilíquida – Alegação de inexistência de sucessão trabalhista – Improcedência – Não ocorrência de interrupção na prestação dos serviços notariais – O atual tabelião manteve os empregados, por sucessão de empregador, já treinados e adaptados para o serviço notarial, dando ensejo a continuidade regular ao serviço cartorário – Inexistência de demissões no dia em que o novo tabelião assumiu a titularidade da serventia – Continuidade das relações de trabalho – Notória ocorrência de sucessão trabalhista, vez que presentes a mudança da titularidade do estabelecimento e continuidade na prestação do trabalho, requisitos necessários ao reconhecimento da referida sucessão – Transferência ao novo empregador da responsabilidade pelos pagamentos de todos os direitos perante os empregados – Bens que compõem o patrimônio da serventia anterior não transferidos ao seu atual titular – Irrelevância – A norma que garante aos empregados o direito ao emprego em caso de sucessão trabalhista é de ordem pública, não podendo ser alterada por acordo de vontade entre os particulares – Pagamento devido ao antigo tabelião. (Propriedade intelectual da Empresa Boletins Informativos LTDA, responsável pela edição das Publicações INR).

EMENTA


TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA CONTRAPOSTA POR RECONVENÇÃO. TABELIONATO. SUCESSÃO TRABALHISTA. RECONHECIMENTO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. PREQUESTIONAMENTO INSUFICIENTE. ACÓRDÃO FUNDAMENTADO EM FATOS E NA INTERPRETAÇÃO DE CONTRATO. RECURSO ESPECIAL. ÓBICES DAS SÚMULAS N. 282 E 356-STF, 5 E 7-STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO . I. A ausência de prequestionamento impede a admissibilidade recursal em toda a extensão pretendida pela parte. II. Divergência jurisprudencial não demonstrada segundo os ditames constitucionais e legais. III. Firmado pelas instâncias ordinárias, com base no exame dos fatos e na interpretação de cláusula contratual, que houve a sucessão trabalhista em decorrência da posse do novo tabelião, que manteve os antigos empregados, cabendo, destarte, ao réu-reconvinte, responder pelas verbas trabalhistas, que não podem ser compensadas com o saldo devedor impago do ajuste firmado entre as partes, a reapreciação da controvérsia, na via especial, recai nos óbices das Súmulas n. 5 e 7 do STJ. IV. Recurso especial não conhecido. (STJ – REsp nº 654.942 – DF – 4ª Turma – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJ 23.10.2006)

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Hélio Quaglia Barbosa, Massami Uyeda e Cesar Asfor Rocha.

Brasília (DF), 12 de setembro de 2006 (Data do Julgamento)

MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR – Relator.

RELATÓRIO


EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: – Inicio por adotar o relatório de fls. 303/306, verbis:

“O relatório, em parte, é o constante da r. sentença de fls. 238/249, que ora leio:

Trata-se de ação de cobrança ajuizada por (…) em face de (…).

Narra o autor que foi o responsável pelo Cartório do (…) Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos de (…) até 16/03/2001, data em que foi exonerado e assumiu a função de tabelião, em virtude de concurso público, o requerido (…).

Alega, em síntese, que, em virtude de serviços cartorários já prestados e ainda não pagos, requerido e requerente firmaram Termo de Compromisso perante a Corregedoria do (…), no qual o requerido pagaria ao requerente o valor de R$ 157.971,94. Continua dizendo que, após pagar a quantia de R$ 107.755, 45, o novo tabelião deixou de cumprir o acordo, razão pela qual é ajuizada a presente ação de cobrança da diferença não paga, que totaliza R$ 50.216, 49 (v. emenda de fls. 17/19).

Juntou os documentos de fls. 05/12.

Citado, o requerido apresentou a reconvenção de fls. 23/29, dizendo, resumidamente, que deixou de pagar a dívida porque consta no acordo firmado perante a Corregedoria de Justiça (…) que as despesas havidas antes da data acima mencionada, devidamente comprovadas, deverão ser abatidas dos valores faturados e ainda não recebidos e, após verificação contábil, percebeu o autor reconvinte que haviam despesas decorrentes de obrigações trabalhistas de época anterior a sua investidura como tabelião, as quais eram referentes a férias proporcionais, férias vencidas, 1/3, INSS e FGTS sobre férias, bem como 13º salário proporcional e INSS e FGTS sobre o 13º.

Continua dizendo que, apesar de não haver demitido os funcionários contratados pelo antigo tabelião, tais obrigações trabalhistas, referentes ao período anterior a sua posse, devem ser pagas pelo antigo tabelião. Pede não só a compensação dos créditos, como também a condenação do réu-reconvindo ao pagamento de R$ 87.632,60, em razão dos direitos trabalhistas que menciona.

Na contestação, acostada às fls. 31/39, pleiteia o requerido seja julgada improcedente a ação de cobrança, considerando-se compensados os créditos pleiteados na reconvenção até o limite da dívida. Junta os documentos de fls. 40/162.

Contestação à reconvenção às fls. 164/173 e réplica às fls. 174/182, nas quais (…) alega, em síntese, que crédito certo e vencido não pode ser compensado com outro incerto e futuro, decorrente de obrigações trabalhistas ainda por vencer.

Acompanham os documentos de fls. 203.

Instadas a manifestarem-se sobre a produção de provas, (…) pediu a realização de perícia contábil para verificação do valor a ser compensado (fls. 205/208) e juntou os documentos de fls. 209/219.

(…), por sua vez, requereu a tomada de depoimento pessoal do réu e a oitiva das testemunhas que arrolou às fls. 221/222.

Às fls. 223/228, o requerido juntou novo documento, do qual foi dada vista ao autor, que se manifestou às fls. 229/234.

Realizada audiência de conciliação, a proposta de acordo foi recusada (ata às fls. 236).

Acrescento, ainda, que a d. juíza monocrática julgou procedente o pedido exordial, condenando o (…) ao pagamento de R$ 50.216,49 (cinqüenta mil, duzentos e dezesseis reais e quarenta e nove centavos) e por conseqüência julgou improcedente a reconvenção, fixando os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Após julgar procedente os embargos de declaração de fls. 251/252 fixou os honorários de sucumbência, às fls. 253/254, para a ação de reconvenção em R$ 500,00 (quinhentos reais).

Irresignado, o réu/reconvinte interpõem recurso de apelação (fls. 256/199) sustentado não ter ocorrido, na hipótese vertente, sucessão trabalhista e nem sucessão tributária. Transcreve decisões da Justiça Trabalhista e Vara da Justiça Federal referentes ao mesmo Cartório de (…) Ofício nas quais fundamenta sua tese. Afirma que não é lícito, correto e justo que não tendo ocorrido a transferência dos bens que compõem o patrimônio da serventia anterior, o Apelado (tabelião anterior) receba todos os emolumentos pendentes, sem abater os créditos trabalhistas vencidos dos empregados que contratou . Prequestiona expressamente a decisão recorrida alegando violação dos artigos 10 e 448 da CLT. Requer a cassação da sentença vergastada determinado o retorno dos autos ao juízo de primeira instância, considerando que não houve sucessão nos termos dos artigos 10 e 448 da CLT, determinando, assim, que o Magistrado defira a perícia contábil requerida, visando comprovar os débitos trabalhistas dos empregados contratados pelo Apelado, calculados até 15/03/2001, para futura compensação e cobrança de crédito por parte do Apelante .

Contra-razões fls. 293/299, pugnando pela manutenção da sentença guerreada.

Preparo à folha 278.”

O Tribunal de Justiça (…) negou provimento à apelação, confirmando a sentença de procedência do pedido e improcedência da reconvenção, em julgado cuja ementa é a seguinte (fl. 309):

“CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SERVIÇOS NOTARIAIS PRESTADOS PELO ANTIGO TABELIÃO DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. NOVO TABELIONATO. COMPENSAÇÃO DE DÉBITO COM DÍVIDAS TRABALHISTAS VENCIDAS E VINCENDAS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 1010 DO CÓDIGO CIVIL. HIPÓTESE DE SUCESSÃO TRABALHISTA. CONCEITO UNITÁRIO DO CARTÓRIO. – Caracteriza-se a sucessão de empregadores, passando a unidade econômico-jurídica de um titular para outro não ocorrendo, na hipótese, interrupção na prestação dos serviços notariais. Em virtude da existência de continuidade nas relações de trabalho dos funcionários, já que nenhum deles foi demitido no dia em que o novo tabelião assumiu a titularidade do Cartório – prevalente o conceito unitário – não há que se falar em débitos remanescentes trabalhistas por parte do antigo responsável pela serventia extrajudicial, sendo pacífica a orientação de inadmissibilidade da compensação de dívida líquida e ilíquida (Precedentes jurisprudenciais).”

Opostos embargos declaratórios, o réu-reconvinte aponta a existência de omissões acerca da inocorrência de ato negocial e de transferência de patrimônio e a possibilidade de a compensação das dívidas ser tratada em reconvenção, porém foram rejeitados às fls. 343/356, com o acréscimo de que o débito reclamado na inicial não é o mesmo perseguido na ação reconvencional.

Inconformado, (…) interpõe, pelas letras “a” e “c” do autorizador constitucional, recurso especial alegando, em síntese, que a decisão contrariou os arts. 1.010 do Código Civil de 1916, 315, 165, 458, II, e 535 do CPC, e 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho, insistindo na tese de que não tendo ocorrido a transferência de bens não se consubstancia a sucessão trabalhista, havendo a Corte recorrida qualificado erroneamente os fatos da causa, contrariamente ao julgado trabalhista colacionado para fins de divergência jurisprudencial, em que foram réus os ora litigantes, quando foi afastada tal hipótese.

Reafirma que a posse no cargo foi assegurada por meio de concurso público, ato de estado, não por simples convenção negocial entre as partes.

Assere que a dicção dos arts. 10 e 448 da CLT impõe que a responsabilidade entre o novo e o antigo empregador é solidária, porque visam os dispositivos à proteção do trabalhador, com exclusividade, portanto não têm o objetivo de isentar quem se utilizou da força de trabalho.

Acrescenta que ainda que assim não fosse, entre o precedente e o atual empregador persistiria a responsabilidade regressiva ante a vedação do enriquecimento sem causa.

Ressalta que não se reconheceu a viabilidade da compensação de dívidas diante da iliquidez dos valores objeto da reconvenção, o que não é empecilho à declaração do direito, segundo o recorrente, porque o montante devido pode ser apurado oportunamente nos autos.

Assinala, ademais, a existência de conexão entre os feitos seja pela identidade do título (“Termo de Compromisso”), seja pelo fundamento da defesa.

Por fim, arremata apontando a nulidade do julgado porquanto não foram sanados os vícios alegados nos aclaratórios, cujo decisum padece de desfundamentação.

Contra-razões às fls. 395/400, no sentido da não-demonstração da divergência e da aplicação da Súmula n. 7-STJ à pretensão de revisar matéria de fato.

O recuso especial foi admitido pela decisão presidencial de fls. 402/404.

É o relatório.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator): – Cuida-se de ação de cobrança de saldo remanescente de pagamento acertado em “Termo de Compromisso” firmado entre as partes, relativo à remuneração dos serviços prestados pelo antigo titular de cartório, antes que cedesse lugar para o atual, em virtude de aprovação em concurso público.

O recurso especial vem calcado nas letras “a” e “c” do permissivo constitucional e aponta contrariedade aos arts. 1.010 do Código Civil anterior, 315, 165, 458, II, e 535 do CPC, e 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho, a par de dissídio jurisprudencial.

Quanto à divergência, ela não foi demonstrada pelo modo próprio, eis que a tanto não se presta sentença, posto que não se cuida de decisão colegiada de tribunal, como exigido processual e regimentalmente.

Ao mesmo desiderato também não tem serventia acórdão oriundo da Justiça do Trabalho, porquanto a competência constitucional desta Corte inclui exclusivamente a pacificação do direito federal no âmbito da Justiça comum. Portanto, ainda que os julgados e súmulas dos outros ramos do Judiciário possam servir de fonte argumentativa para as decisões exaradas pelo STJ, não estão sujeitos a sua autoridade.

Por outro lado, nem nulidade por omissão, nem ausência de fundamentação, são detectáveis no acórdão que decidiu os embargos de declaração, pelo só fato de haver adotado tese diversa da pretendida pelo recorrente quando tiver abordado suficientemente todos os temas levantados pelas partes, como ocorre na espécie.

Quanto à alegada possibilidade de compensação das dívidas proporcionada pela reconvencional não pode ser reformado o acórdão distrital, porque a matéria está acobertada pelos vetos das Súmulas n. 7-STJ e 283-STF.

Isso porque a assertiva de que o crédito que o recorrente afirma possuir em desfavor do autor é ilíquido, conclusão que não pode ser desconstituída em sede de recurso especial por demandar revisão dos fatos da causa, bem como em razão de permanecer inatacado o fundamento de que o saldo devedor do Termo de Compromisso, no valor de R$ 50.216,49, não guarda nenhum vínculo com as verbas trabalhistas saldadas pelo recorrente, cujo exato valor não se conhece, daí a inexistência de conexão, diante da diferença dos objetos e das causas de pedir, ainda que decorram ambos os pleitos do mesmo contrato, a inviabilizar a reconvenção.

Do imprescindível prequestionamento carecem as assertivas de existência de solidariedade e da responsabilidade regressiva em virtude da vedação ao enriquecimento ilícito, que não foram objeto de pronunciamento no Sodalício a quo, por isso não podem ser discutidas nesta Instância (Súmulas n. 282 e 356-STF).

Por fim, a questão supérstite, de se verificar a sucessão trabalhista na espécie, foi assim abordada pelo Desembargador (…), relator do aresto vergastado no (…) (fls. 314/320):

“Como visto no relatório, sustenta o apelante não ter ocorrido, na hipótese dos autos, sucessão trabalhista ao argumento de que não ocorreu transferência dos bens que compõem o patrimônio da serventia anterior, não havendo sucessão de empregadores e, portanto ressalta não ser justo que o Apelado (tabelião anterior) receba todos os emolumentos pendentes, sem abater os créditos trabalhistas vencidos dos empregados que contratou .

Entretanto, a CLT em seus arts. 2º (empregador é a empresa), 10 (alteração da estrutura da empresa) e 448 (mudança na propriedade) traça uma constante que caracteriza a continuidade do vínculo empregatício e da responsabilidade (solidária ou sucessiva) nos débitos. Não se exclui a exploração de qualquer atividade negocial, nem sequer a concessão de serviço público desde que se dêem os requisitos. Além do mais, a sucessão é instituto que protege o credor, o empregado, dando-lhe o direito de voltar-se contra o sucessor, não obstante ser o antecessor o inadimplente.

Não é qualquer coisa como uma norma pública abstrata que libera o real devedor de livrar-se dos aborrecimentos do processo e da obrigação de responder perante seus empregados (TRT/SP, RO 22.043/85, Valentin Carrion, Ac. 8ª T.). (Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 1997, 22ª edição, editora Saraiva, pág. 283).(g-n).

Daí firmou-se o entendimento pretoriano no sentido de que Caracterizada está a sucessão de empregadores, pois a unidade econômico-jurídica passou de um para outro titular e não houve solução de continuidade na prestação de serviços (TRT, 10ª Reg. AP 334/85, Marco Giacomini, Ac. 2ª T. 1.945/86). (Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 1997, 22ª edição, editora Saraiva, pág. 283).

Cumpre trazer à colação excerto da r. sentença guerreada, a integrar os fundamentos deste voto:

Trata-se de ação de cobrança de dívidas provenientes de serviços prestados e não recebidos pelo antigo tabelião do Cartório do (…) Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos de (…), na qual o requerido, que é o novo tabelião, pretende, em reconvenção, reconhecimento de créditos decorrentes de obrigações trabalhistas assumidas em período anterior à sua posse no cargo, com a respectiva compensação de dívidas.

Preliminarmente, importante frisar-se que a dívida cobrada, assim como seu valor, não foi contestada pelo requerido, que não só a reconhece, como pleiteia sua compensação com outros valores que, acredita, é credor.

Assim, não havendo dúvidas quanto à procedência da dívida cobrada na petição inicial, no valor de R$ 50.216,49, passa-se à análise da possibilidade de compensação de créditos, questão trazida na reconvenção, relativa à responsabilidade por dívidas trabalhistas.

Trata-se na realidade de se verificar se houve, com a mudança dos tabeliães do Cartório do (…) Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos de (…), sucessão de empregadores, matéria disciplinada pela Consolidação das Leis Trabalhistas em dois artigos: no art. 10, que estabelece que qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados e no art. 448: a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.

O renomado jurista Délio Maranhão, em sua obra, Instituições do Direito do Trabalho, ensina-nos que desde que haja uma atividade econômica (produção de bens ou serviços ) na qual se utiliza a força do trabalho alheia como fator de produção, existe a figura do empregador.

Assim, empregador, juridicamente, como um dos sujeitos do contrato de trabalho, é a pessoa física ou jurídica, que, assumindo os riscos da atividade econômica, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.

Por outro lado, importante também ressaltar que não é requisito para ser empregador ter personalidade jurídica. Tanto é empregador o condomínio de um edifício, como a sociedade de fato ou irregular. Na verdade, empregador é todo aquele que tem empregado, sem uma de suas características assumir os riscos de suas atividade, ou seja, tanto os resultados positivos como os negativos.

Dentro deste conceito de empregador incluem-se certamente os tabeliães ou o Cartório do (…) Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos de (…), como assinado nas Carteiras de Trabalho e Previdência Social, fichas de Registro de Empregado e contracheques dos funcionários, cujas cópias foram juntadas às fls. 52/162 dos autos.

Quanto à sucessão de empregadores, continua o respeitado professor Délio Maranhão, na já mencionada obra, referindo-se ao contrato de trabalho:

O intuito personae, em tal contrato, existe, de regra, unicamente, quanto à pessoa do empregado, e nisto estão todos de acordo: civilistas e trabalhistas. Não há, portanto, em princípio, nenhum obstáculo em direito para que a sucessão se dê pela substituição de um dos sujeitos do contrato, ou seja, o empregador. (…)

O novo empregador responde pelos contratos de trabalho concluídos pelo antigo, a quem sucede, porque lhe adquiriu o estabelecimento, cujo conceito, como verificamos, é unitário. É uma conseqüência da transferência do estabelecimento como organização produdiva. Na frase expressiva de Ferrara, é como se o posto de mando de um veículo fosse ocupado por outro. A transferência do estabelecimento, como um bem que resulta do conjunto de vínculos existentes entre diferentes fatores de produção, supõe a de todos os elementos organizadores. Um desses elementos é o trabalho. (…)

Como é sabido, uma das fontes das obrigações é a lei. Por que o novo empregador responde pelos contratos de trabalho concluídos pelo antigo, no caso de transferência de estabelecimento? Porque a lei assim determina. E o faz, ainda por meio de um desvio de princípios, atendendo à natureza mesma do estabelecimento, que ela visa a conservar como um todo unitário, e atendendo a que, não sendo o contrato de trabalho, normalmente, intuitu personae, em relação ao empregador, diz respeito, quanto ao empregado, mais ao próprio serviço do que à pessoa do empregador. Como escreve Oscar Saraiva, a lei protege o trabalhador em seu emprego, enquanto esse emprego existir, independente de quem seja o empregador.

Assim, prossegue o respeitado mestre do Direito do Trabalho, concluindo com a clareza que lhe é peculiar que:

Para que exista a sucessão de empregadores, dois são os requisitos indispensáveis:

a) que um estabelecimento, como unidade econômico-jurídica passe de um para outro titular;

b) que a prestação de serviço pelos empregados não sofra solução de continuidade.

Como já tivemos ocasião de frisar, com apoio na lição de Ferrara, o titular do estabelecimento – que é a organização dos fatores de produção – não precisa ser, necessariamente, proprietário dos bens reunidos nessa organização, bastando que lhe tenha sido outorgado o governo desses bens. É irrelevante o título em virtude do qual o titular do estabelecimento utiliza as coisas empregadas no exercício da atividade econômica. O direito do trabalho, por seu turno, leva em conta o fato objetivo da continuidade da prestação de serviço. Daí porque a sucessão se verifica, também, no caso de arrendamento. Pelo mesmo motivo, o concessionário de um serviço público sucede ao anterior.

Isto posto, dúvidas não restam sobre a atribuição da responsabilidade por dívidas trabalhistas ao novo tabelião, que sucedeu como empregador o antigo responsável pelo Cartório do (…) Ofício, eis que todos os requisitos acima assinalados foram atendidos (mudança da titularidade do estabelecimento e continuidade na prestação do trabalho).

Ademais, como ensina Orlando Gomes, o dispositivo que assegura ao empregado o direito ao emprego, em caso de sucessão, é de ordem pública. Assim, o acordo de vontade dos particulares não poderá modifica-lo (Direito do Trabalho. Estudos, 1941, pág. 82.).


Portanto, em virtude da existência de continuidade nas relações de trabalho dos funcionários, já que nenhum deles foi demitido no dia em que o autor-reconvinte assumiu a titularidade do Cartório do (…) Ofício, não há que se falar em dívidas trabalhistas do antigo responsável pelo cartório.

Impossível a procedência da pretensão colocada na reconvenção de pagamento proporcional de obrigações trabalhistas pretéritas, eis que, uma vez ocorrido o fenômeno da sucessão de empregadores, se um desses empregados fosse reclamar seus direitos na Justiça Laboral, certamente seria o novo tabelião que por eles responderia.

Conseqüentemente, não havendo dever do autor relativamente às dividas trabalhistas pretéritas, em razão da ocorrência do fenômeno da sucessão de empregadores, que transmite ao novo empregador a responsabilidade pelos pagamentos de todos os direitos perante os empregados, deixo de apreciar as demais matérias trazidas à debate, especialmente a relativa à possibilidade de compensação de dividas vencidas com vincendas.

Sob este prisma, vale ressaltar que não se admite a compensação entre valores líquidos e ilíquidos (Apc 51021/98, Reg. ac. 136678, 2ª Turma Cível, DJU de 25/04/2001) , pois nos termos do art. 1010 do Código Civil, não há compensação entre dívida líquida e dívida ilíquida. (Apc 33934/94, Reg. ac. 74432, 3ª Turma Cível, DJU de 01/02/1995) .

Não se pode descurar, in casu, que o atual tabelião manteve os empregados, por sucessão de empregador, já treinados e adaptados para o serviço notarial – ou seja, pois no seu inequívoco interesse – dando ensejo a continuidade regular ao serviço cartorário, não sendo pois demitidos quando assumiu a titulariedade do Cartório.”

Como se verifica, apreciar se houve ou não violação dos arts. 10 e 448 da CLT somente seria possível se promovida profunda ingerência no conteúdo probatório e contratual dos autos, para afirmar, contrariamente às instâncias ordinárias e em desconsideração à inexistência de controvérsia a respeito da continuidade dos trabalhos do cartório, sob a direção de outro tabelião, que não sobreveio sucessão trabalhista na hipótese.

Em casos anteriores julgados pelo STJ, à semelhança do presente, entendeu-se que a matéria é indissociável da análise fático-contratual, sobre ela também incidindo os óbices das Súmulas n. 5 e 7. Nesse sentido:

“TRABALHISTA. SUCESSÃO. MATÉRIA FÁTICA. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. RECURSO DESPROVIDO . Não demonstrado satisfatoriamente o dissídio e cuidando-se de espécie a exigir o reexame de fatos, não há como prosperar o agravo para fins de apreciação do especial.” (4ª Turma, AgR-AG n. 54.627/BA, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, unânime, DJU de 19.12.1994)

“DIREITO DO TRABALHO. SUCESSÃO TRABALHISTA. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. INCRA. NÃO-CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS. FALTA DE REQUISITO PARA A SUCESSÃO. ARTS. 10 E 448 DA CLT. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. – A sucessão trabalhista tem como premissa a continuidade da prestação dos serviços, não se configurando em caso de aquisição de imóvel, e não de empresa, para fins de reforma agrária.” (4ª Turma, REsp n. 94.009/PE, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, unânime, DJU de 28.09.1998)

“TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RECLAMATÓRIA. COMPRA E VENDA DE ENGENHO E TERRAS PARA ULTERIOR PARCELAMENTO PELO INCRA. SUCESSÃO RECONHECIDA PELO TRIBUNAL REGIONAL. RESPONSABILIDADE TRABALHISTA ASSUMIDA PELA AUTARQUIA FEDERAL. PREQUESTIONAMENTO INSUFICIENTE. ACÓRDÃO FUNDAMENTADO EM FATOS E NA INTERPRETAÇÃO DE CONTRATO. RECURSO ESPECIAL. ÓBICES DAS SÚMULAS N. 282 E 356-STF, 5 E 7-STJ. I. A ausência de prequestionamento impede a admissibilidade recursal em toda a extensão pretendida pela parte. II. Firmado pelo Tribunal Regional Federal, com base no exame dos fatos e na interpretação de cláusula contratual, que houve a sucessão trabalhista em decorrência da compra e venda de engenho e terras respectivas pelo INCRA à empresa recorrida, cabendo, destarte, à autarquia, responder no pólo passivo de reclamatória movida por ex-empregados rurais, a reapreciação da controvérsia, na via especial, recai nos óbices das Súmulas n. 5 e 7 do STJ. III. Recurso especial não conhecido.” (4ª Turma, REsp n. 152.829/PE, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 06.03.2006)

“Direito do trabalho. Sucessão trabalhista. Art. 448 da Consolidação das Leis do Trabalho. Área adquirida pelo INCRA para efeito de assentamento. Precedente da Corte. 1. Como já decidiu a Corte a sucessão trabalhista tem como premissa a continuidade na prestação dos serviços, não se configurando em caso de aquisição de imóvel, e não de empresa, para fins de reforma agrária (REsp nº 94.009/PE, Relator o Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira , DJ de 28/9/98). 2. Recurso especial conhecido e provido.” (3ª Turma, REsp n. 398.078/PE, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, unânime, DJU de 18.11.2002)

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.



Fonte: STJ