TJRS autoriza habilitação de casamento civil homoafetivo

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) autorizou dois homens à habilitação de casamento civil em cartório. O Ministério Público havia impugnado a ação argumentando a ausência de previsão legal. Entendendo que este argumento encontra-se superado, o juiz Guilherme Freitas Amorin, da Comarca de Marau/RS, decidiu favorável à habilitação para casamento.

Para o magistrado, conforme texto da sentença, “qualquer dispositivo de lei que venha a constituir embaraço à plena fruição dos direitos fundamentais dos cidadãos há de ser afastado do sistema jurídico vigente, por intermédio de apurado procedimento hermenêutico, ou seja, através de interpretação pluralista e aberta dos dispositivos constitucionais que guardem correspondência com os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito”.

PROTEÇÃO À FAMÍLIA – De acordo com a sentença, o conceito de família foi ampliado pelo texto constitucional, visando reconhecer como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento, bem como a ampliação destes preceitos a casais homoafetivos, sendo “imperioso que se inclua na esteira das entidades familiares essa nova modalidade de configuração familiar, mantida por pessoas do mesmo sexo, haja vista que estas se fundam, igualmente, nos pilares da afetividade”.

Guilherme Freitas Amorin disse que os impedimentos relativos às expressões “homem” e “mulher”, utilizados pelo Código Civil de 2002, artigo 1.723, e pela Constituição Federal, art. 226, § 3º, foram afastados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para permitir a caracterização de união estável entre pessoas do mesmo sexo, denominada "união homoafetiva”. Ressaltou, ainda, que o referido artigo deve receber uma interpretação abrangente.

Segundo a advogada Patrícia Gorisch, vice-presidente da Comissão de Direito Homoafetivo do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), interpretando o disposto na Constituição de l988, para constituir família basta haver afeto e viver como família e que, “desta forma, foi reconhecida a família monoparental e a socioafetiva, esta última meramente ligados pela afetividade”. Ela admite que a resistência em aceitar o casamento homoafetivo está relacionada, muitas vezes, à falta de informação dos profissionais de Direito e também aos dogmas que ainda perduram na sociedade brasileira, pois “muitos operadores do Direito não se atualizam e são mal informados. Não percebem que a sociedade brasileira mudou, que a sociedade mundial caminha para um Tratado onde irá haver a proteção dos Direitos Humanos LGBT e que garantir esses direitos, é garantir os próprios direitos humanos. Muitos juízes e promotores, infelizmente, carregam ainda a carga religiosa do casamento. Em um Estado laico como o Brasil, a religião não pode se confundir com o Executivo, nem mesmo com o Legislativo. Impensável, ainda, a religião influenciar o Judiciário”.

PLURALIDADE DAS FORMAS DE FAMÍLIA – Na sentença, o juiz discorreu sobre a pluralidade nas configurações familiares, reafirmando o entendimento do STF que “impede afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos”, e destacou a importância do casamento para efeitos de proteção das famílias junto à Justiça. “O mais importante, não há dúvida quanto a isso, é como esse arranjo familiar pode ser especialmente protegido pelo Estado e, evidentemente, o vínculo que maior segurança jurídica confere às famílias é o casamento civil”, destacou.

Para Patrícia Gorisch o reconhecimento da pluralidade das famílias, especialmente das famílias homoafetivas, deve-se, principalmente, à mudança da forma de pensar do Judiciário. Ela diz que questões como casamento homoafetivo ou união estável entre pessoas do mesmo sexo eram impensáveis há pouco tempo e que essa quebra de paradigmas deve-se muito à fundadora do IBDFAM, Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto, criadora do neologismo “homoafetivo”.

“Com esse novo termo, Maria Berenice Dias retirou a conotação meramente sexual do relacionamento entre pessoas do mesmo sexo e  o colocou em um patamar familiar, através da palavra homoafetivo. Sendo o afeto a base da família, questões antes discutidas nas varas cíveis foram transferidas para as varas de família. Tal uso do termo homoafetivo mudou sobremaneira a ótica que o Judiciário começou a encarar esses relacionamentos”, ressalta.

Patrícia Gorisch considera que, por estar em eterna mudança, a sociedade contemporânea exige um Judiciário mais atual e que acompanhe essas transformações “A sociedade tem que se sentir amparada e o Judiciário, hoje, tem que estar preparado para tais questões. A onda mundial de reconhecimento de direitos LGBT, com o reconhecimento da ONU, por sua Comissão de Direitos Humanos, de que os direitos LGBT são Direitos Humanos, dá maior força a tais famílias”, afirma.

A advogada argumenta que, mesmo com os avanços do Direito Homoafetivo  nos últimos anos, ainda existem entraves para que a população intitulada LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) seja amparada plenamente pela Justiça brasileira, sendo o primeiro a homofobia. Na opinião dela, “um juiz homofóbico não enxergará direitos onde há, cometendo, assim, injustiça. Uma sociedade democrata como a nossa não pode esbarrar em desigualdades nem em preconceitos (…) e a homofobia é a barreira mais árdua a ser ultrapassada”.

“Ninguém é obrigado a aceitar essa ou aquela forma de vida, essa ou aquela forma de amar, mas, em uma sociedade que se diz democrática, imperioso afirmar que o respeito é elementar. E no Brasil, infelizmente, isto não está sendo aplicado”, afirma Patrícia. 

Projetos de lei importantes para a legitimação dos direitos da população LGBT não são aprovados pelo Legislativo, segundo a advogada. “Quando projetos de lei importantíssimos estão sendo barrados no Congresso Nacional pelo simples fato de serem utilizados como verdadeira Guerra Santa pela bancada religiosa, temos violação grave a direitos humanos fundamentais, como o da não discriminação, direito à vida, direito à intimidade, dentre outros. O Brasil, sendo signatário de Tratados Internacionais de Direitos Humanos e tendo uma Constituição Federal que coloca esses mesmos direitos como direitos fundamentais, não pode se negar a dar direitos e garantias aos seus cidadãos, utilizando argumentos como o da proibição de tais direitos, por ser LGBT”.

LIBERDADE SEXUAL – A advogada defende que o direito à disposição da sexualidade é também um dos elementos básicos do ser humano o direito à vida “ceifar ou ainda, impedir o direito de dispor livremente da sexualidade, é como ceifar e impedir a própria vida. Quando me formei em Direito no final da década de 90, o Código Civil tratava a mulher como pessoa relativamente capaz, ou seja, para ter a capacidade plena, ela tinha que estar assistida por um homem. Isso era aplicado? Em pouquíssimas comarcas, já que a sociedade mudou, mostrando que as cidadãs também têm a mesma capacidade dos homens. Da mesma forma, essa questão do direito ou não ao casamento homoafetivo será em breve ultrapassada. As uniões existem, sempre existiram, desde a Grécia Antiga. Acompanhar a sociedade em plena transformação como a nossa, é a grande meta do Judiciário”, assegura.



Fonte: Ibdfam