Com base na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, em 2011, bem como na Resolução 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça, o Poder Judiciário de Santa Catarina negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público contra sentença que julgou improcedente o pedido de impugnação para a habilitação ao casamento homoafetivo.
Em sua decisão, o desembargador Sebastião César Evangelista, relator, disse que o tema é sensível, “por questões ligadas a tradições, convicções religiosas e noções diferentes sobre normas morais”.
Para Evangelista, “a eficácia vinculante da decisão proferida em âmbito de controle concentrado não pode ser desautorizada por meio de controle difuso, havendo, nesse sentido, expressa vedação no parágrafo único do art. 949 do CPC. Uma vez que evidenciada a impossibilidade de provimento do recurso, por força de decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal, compete ao relator extinguir em decisão monocrática o procedimento recursal. Aplica-se, na hipótese, a interpretação extensiva da norma inserta no art. 932, IV, do Código de Processo Civil, combinada com o art. 949, parágrafo único, do mesmo Codex e o parágrafo único do art. 28 da Lei 9.868/99”.
Para a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do IBDFAM, “a decisão do Supremo é um marco da nossa sociedade, mostra que a Justiça, de fato, não é cega. Essa decisão aplicou a Constituição, ela foi chamada a julgar em face de uma omissão do nosso legislador. E fez o que tinha que ser feito: dizer que vivemos numa sociedade livre, igual, que respeita a dignidade da pessoa e o amor dela. Na oportunidade, o Supremo havia reconhecido a união estável homoafetiva como entidade familiar. Se assim o fez, deve-se estender para casamento homoafetivo, uma vez que a própria Constituição estimula a conversão da união estável em casamento. Diante disso e para manter a coerência com o texto constitucional, o Conselho Nacional de Justiça apenas referendou o que o STF havia decidido, admitindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo e expedindo a Resolução 175/2013 que condiz com os princípios e valores constitucionais”, disse.
Segundo ela, a Constituição da República é cuidadosa em vetar qualquer forma de discriminação, referência que se encontra inclusive no seu preâmbulo, ao garantir uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Além disso, ao identificar os objetivos fundamentais da República, a chamada Lei Maior assume o compromisso de promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade ou qualquer outra forma de discriminação.
De acordo com Luciana Faísca Nahas, presidente do IBDFAM seção Santa Catarina, a escolha do modelo familiar – casamento, união estável, homoafetiva, heteroafetiva, poliafetiva – está dentro da esfera privada de cada indivíduo.
“Em um estado democrático, prevalece o respeito às escolhas de cada um, o respeito às diferenças. Desta forma, inconcebível que a opção familiar pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo, legitimada pelo Estado brasileiro, seja atacada por motivos relacionados à tradição, convicção e noções morais. As escolhas matrimoniais dizem respeito à esfera privada dos cônjuges – quem é o parceiro, qual o regime de bens, e até mesmo o divórcio. A não concordância com uma determinada escolha não significa que é possível impugná-la, ou proibi-la juridicamente. Pelo que se tem notícia, no estado de Santa Catarina, especificamente na comarca da Capital, já foram dezenas de impugnações a casamento rejeitadas e pedidos de anulação realizados. Isto fere diretamente a liberdade constitucional, e a dignidade dos indivíduos envolvidos. E não pode ser admitido. A palavra de ordem é respeito. O IBDFAM-SC estará presente para coibir qualquer limitação à liberdade de escolha do modelo familiar”, garante.
Palavra do representante do Ministério Público
De acordo com os autos, o representante do Ministério Público, em apelação, requereu a reforma da sentença. Afirmou que "com clareza de fustigar a visão, o Direito Brasileiro repele, com todas as letras, a entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo – o popularmente chamado 'casamento gay', ou 'união homoafetiva'. Aduziu que o art. 1º da Lei n. 9.278/96, os artigos 1.514 e 1.723 do Código Civil e o art. 226, § 3º, da Constituição da República, evidenciam a impossibilidade da habilitação para o pretendido casamento. Afirmou-se que a sentença amparou-se em equivocada interpretação de precedentes da Suprema Corte "que em maio de 2011 – ADI 4277 e ADPF 132 -, reconheceu como hígida a União Estável entre pessoas do mesmo sexo. Naquele então, a Corte Maior sequer aludiu a casamento – tema sobre o qual o Supremo não se debruçou" (p. 46). Por fim, ponderou que, respeitada a hierarquia de normas, a Resolução n. 175 do CNJ não pode suplantar a lei, quanto menos a Carta Magna".
O Promotor de Justiça Henrique Limongi, titular da 13ª Promotoria de Justiça da Capital, concedeu entrevista ao Portal do IBDFAM. Sobre a Resolução 175/2013 do CNJ, ele afirmou: “Não precisaria dizer o óbvio, mas reitero: a orientação sexual do cidadão/cidadã pertence à intimidade de cada um. Este promotor de Justiça não tem nada com isso, não é da sua conta. Tampouco se trata de ‘ser contra’ ou ‘a favor’. Ocorre que a matéria em pauta vem contemplada na Constituição da República com a dicção – art. 226, § 3º – "Homem E Mulher". Clareza maior, impossível. Se tal se dá, somente ao Congresso Nacional, em sua soberania, será facultado alterá-la. É prerrogativa EXCLUSIVA – indelegável – do Parlamento. Ou a Tripartição de Poderes será letra morta, um delírio, uma ficção. Data vênia, o Poder Judiciário – ao qual deve, a Nacionalidade, reverência e respeito – não legisla. Muito menos – Resolução nº 175/2013, no caso – um ‘órgão administrativo’, como o CNJ. Assim o é no Estado de Direito. Em tributo – é curial, é primário, é elementar -, quando mais não seja, à Hierarquia das Normas. Resolução não derroga LEI, máxime em se tratando da Lei das Leis, a ‘Lex Fundamentalis’”.
Sobre a decisão do STF na ADI 4277 e ADPF 132, Limongi afirmou: “Nenhuma das ações mencionadas – ADI e ADPF – fez alusão a ‘Casamento’. Cingiu-se à ‘União Estável’. Mais nada. Nada mais”.
* Procurado, o desembargador Sebastião César Evangelista afirmou que sua manifestação está contida nos autos.
Fonte: IBDFAM