A aliança na mão esquerda é de ouro branco, dourado e rosa. Mas a união estável de dez anos do cartorário Gerson Martins, 47 anos, com o analista de recursos humanos José Roberto Arns, 35, só foi reconhecida como casamento após muita luta e inúmeros documentos. "Recorremos a todas as medidas para garantir direitos de casais homossexuais que foram sendo aprovadas ao longo do tempo em que estamos juntos. É nossa forma de nos proteger e sermos reconhecidos perante a lei", explica Martins.
O casal, que vive no Jardim Santo André com a filha de Arns com a ex-esposa, será o primeiro formado por dois homens a conquistar o direito da conversão de união estável para casamento no Grande ABC. Em julho de 2011, o casamento entre duas mulheres foi aprovado em São Bernardo após o STF (Supremo Tribunal Federal) ter reconhecido a união homoafetiva como entidade familiar. Apesar disso, o pedido de Martins e Arns, feito em julho de 2011 no 1º Cartório de Registro Civil de Santo André, foi negado. Eles recorreram ao STF, que neste mês ordenou o prosseguimento dos trâmites legais.
Como a aliança está na mão certa há quatro anos, para oficializar o casamento, só falta mesmo a certidão, que deve ficar pronta nos próximos dias. "Isso representa mudança importante no estado civil. Não preciso mais dizer que sou divorciado quando abro crediário, por exemplo, o que não é a realidade. Somos casados. É esse direito que queremos ter reconhecido", afirma Arns.
O COMEÇO
Antes de se encontrarem, Martins e Arns foram casados com mulheres, e tiveram dois filhos e uma filha, respectivamente. Os relacionamentos, porém, eram sustentados apenas porque queriam esconder sua condição da sociedade. "Rejeitava minha sexualidade, principalmente por fazer parte da comunidade evangélica. Achava que estava doente. Por isso, mantive o casamento por 11 anos, até o Beto aparecer na minha vida", relembra Martins.
Ambos moravam no Jardim Santo André quando se conheceram, no terminal de ônibus da Vila Luzita. Arns lembra que esse era o caminho diário para ir ao trabalho. "Entre os encontros casuais no ônibus até trocarmos telefones, como amigos, foram mais de seis meses."
Para decidirem sair pela primeira vez, então, foi quase um ano, conforme Martins. Combinaram de ir a um desfile cívico com os filhos, mas o teto da lavanderia de Martins veio abaixo naquele dia por causa da chuva, e acabou adiando o plano dos então amigos. "Tinha medo de dizer o que sentia e ser rejeitado. Mas quando disse para o Gerson que meu casamento estava acabado, então tivemos coragem de colocar para fora os nossos sentimentos e assumir de vez quem éramos."
A FAMÍLIA
Martins e Arns achavam que suas famílias não aceitariam o relacionamento. No caso de Martins, isso não aconteceu. "Meu pai, que é do interior e poderia ter encarado de forma ruim pela criação, adotou o Beto como filho." A família de Arns não foi tão tranquila. "Meu pai finge que não vê. Prefere não falar sobre isso."
Os filhos de ambos não fizeram oposição. "Quando há sinceridade e sentimento, há compreensão", opina Martins. O casal teve de se afastar das igrejas evangélicas que frequentava, mas mantêm a fé. "Só assim foi possível ter esperança de que o processo fosse aprovado", acrescenta.
Agora, fazem planos para o futuro: querem mudar para um apartamento perto do Centro e, assim que sair a certidão, comemorar o novo sobrenome num almoço com os padrinhos. A rotina segue. Mas com o documento na mão, eles finalmente poderão ser reconhecidos como a família Martins Arns perante a lei.
Fonte: Diário do Grande ABC