Aumenta o número de ações no Judiciário de marido ou mulher que exige indenização por ter ficado em situação vexatória de infidelidade. São dois casos recentes em Minas.
O adultério já não é considerado um crime, não põe em risco a guarda dos filhos ou a pensão alimentícia, mas, mesmo assim, pode levar a uma condenação financeira. Dois casos recentes mostram que a infidelidade, quando exposta em público, pode acarretar ao cônjuge infiel o pagamento de indenização por dados morais. A Emenda Constitucional 66/2010, que completa dois anos neste mês, acabou com a discussão sobre culpa pelo fim do relacionamento conjugal, mas a partir de então aumentou a demanda no Judiciário pedindo a responsabilização do parceiro que expõe a situação vexatória o marido ou a mulher.
“Desde a Emenda 66, tem crescido esse tipo de ação. O discurso da culpa está sendo substituído pelo da responsabilidade de arcar com o ônus da provocação e exposição pública da traição”, afirma o presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família, Rodrigo da Cunha. O advogado dá como exemplo um caso que defende atualmente: a mulher traiu o marido com todos os amigos do casal. “A questão aí não é a traição em si, porque o desejo encaminha e desencaminha. O problema é que ele virou chacota da turma toda. Todo mundo sabia, menos ele. A tendência é que ela seja condenada por danos morais, e o dano é a exposição ao ridículo no meio social”, explica Cunha, lembrando que se o amor acabou não cabe indenização.
Advogado de Família, João Batista de Oliveira Cândido também acredita que a judicialização dos casos de traição é crescente e, até certo ponto, esperada. “Embora não exista repercussão no plano da responsabilidade civil, toda vez que a pessoa se sentir exposta e humilhada, com sentimentos que extrapolam o da perda afetiva, poderá pedir reparação, principalmente quando ocorre em uma cidade pequena, onde há grande repercussão social”, diz. Para ele, esse fato extrapola os limites da traição e gera pedido de indenização. “Os advogados estão atentos para isso”, opina João Batista, contudo, ele afirma que nunca defendeu uma causa desse tipo e não incentiva a demanda porque “não conduz a uma boa finalização do relacionamento”.
UM CASO INUSITADO
O advogado Luiz Fernando Valadão nunca teve entre seus clientes o parceiro traído ou vítima de traição, mas sim, o amante. “Foi um caso interessante porque o marido, mesmo traído, poupou a mulher e processou o amante. Ele ganhou em primeira instância o direito a uma indenização de R$ 50 mil, mas o tribunal reformou a decisão entendendo que aquele era um risco da própria relação. Ele acabou sendo absolvido”, relata.
Segundo ele, antes da Emenda 66/2010 não eram raros as acusações de traição e os pedidos de indenização por danos morais no âmbito dos processos de família. “Mas sempre dava acordo e não era comum chegar a indenização. Na maioria das vezes, o juiz considerava que havia fatos da intimidade do casal que não tinham sido revelados”, conta.
Valadão discorda da “monetarização” dos desencontros amorosos e avisa: nenhum juiz concederá indenização por um simples caso extraconjugal. “É preciso ter elementos de provocação, de maldade, ser uma traição propositalmente divulgada. Nesses casos há, indubitavelmente, uma consequência psicológica ruim para a pessoa e a exposição negativa na comunidade local. Isso é muito diferente de traição que ocorre quando um casamento já está acabando”, compara.
Liberdade para separar
Junho tem duas datas importantes para o direito de família. A primeira é a promulgação da Emenda Constitucional 66/2010, considerada uma evolução por dar ao cidadão a liberdade para constituir, manter e dissolver a relação conjugal sem exigir separação judicial por mais de um ano ou a comprovada separação por mais de dois. Outra novidade foi o fim da discussão da culpa pela separação com a indicação do responsável pela dissolução da união.
A intenção da emenda, proposta pelo Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), era diminuir a intervenção do Estado na vida privada, se limitando a dar proteção e definir direitos e obrigações dos cônjuges. “A discussão da culpa acabava por eternizar o conflito, envolvia muitas pessoas e criava desentendimentos desnecessários”, comenta o advogado de família João Batista de Oliveira Cândido.
Junho também marca os 35 anos da promulgação da Emenda Constitucional 09/1977, que possibilitou a dissolução do casamento após a separação judicial. Até 1977, o casamento era tido como indissolúvel, embora pudesse ser anulado, mas sem reconhecimento legal do divórcio. Na época, era necessária a demonstração de culpa pelo fim do casamento e a sentença que decretava a separação deveria ser confirmada por instância superior, caso não houvesse acordo entre as partes. A culpa deveria ser comprovada através de todos os meios permitidos e, caso não fosse comprovada, o pedido de separação era julgado improcedente.
Em 2007, a Lei 11.441/07 abriu outra possibilidade para o divórcio: realização em cartórios, por via administrativa, não sendo necessário ingressar com ação judicial. Na própria escritura do divórcio consensual, as partes podem acordar sobre a divisão dos bens e pensão. Mas, havendo litígio ou filhos menores ou incapazes, somente em juízo é que poderá ser dissolvido o vínculo matrimonial.
Fonte: Jornal Estado de Minas