Belo Horizonte (MG) – O primeiro dia de palestras do VI Congresso Estadual dos Registradores Civis de Minas Gerais, realizado em Belo Horizonte, nos dias 23, 24 e 25 de novembro de 2012, se iniciou com o debate de temas polêmicos e atuais.
O advogado e professor da PUC-Minas, Walsir Edson Rodrigues Júnior, falou aos congressistas sobre o tema “Multiparentalidade e suas implicações no Registro Civil das Pessoas Naturais”.
A professora do Recivil, Joana Paula Araújo, recebeu o palestrante na mesa solene e o cumprimentou em nome do Sindicato
Walsir iniciou sua palestra fazendo um histórico sobre a definição do termo família. O professor explicou as diferenças entre a família pré-constituição de 1988 e a família pós-constituição de 1988.
De acordo com Walsir, antes da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, a família era hierarquizada e patrimonialista. “Naquela época se valorizava o ter em detrimento do ser. Ou seja, mais valia o patrimônio da família do que as pessoas que as compunham. Mesmo que um pai quisesse reconhecer um filho gerado de forma extraconjugal o estado não aceitava. Por quê? Para não possibilitar a divisão do patrimônio da família com um membro ilegítimo”, explicou o professor.
Com a publicação da Constituição de 1988, o conceito de família se modificou completamente, e foram derrubadas as características da família patrimonialista. A nova constituição deu igualdade de direitos e deveres para pais e mães, além da liberdade para a constituição e desconstituição da família. O sustento, a guarda e a educação dos filhos não eram mais deveres dos cônjuges somente, mas sim, dos pais, sendo eles casados ou não. Nascia assim a família democrática, onde mais se valia a autoridade parental e não mais o autoritarismo.
Com a Constituição de 1988 houve ainda a ampliação do conceito de família. “Para se ter a definição de família passou a ser preciso a existência de três características. São elas: a afetividade, a publicidade e a estabilidade. Desta maneira, outras formas de família foram criadas, como a formada pelas uniões estáveis, que também tem afetividade, publicidade e estabilidade”, explicou Walsir.
Walsir Edson Rodrigues Júnior falou sobre as novas formas de família e a multiparentalidade
De acordo com o palestrante, nesta linha de pensamento são também consideradas famílias a monoparental, formada apenas pelo pai ou pela mãe e seus descendentes; a anaparental, sem a presença dos pais, formada apenas pelos irmãos; e a família homoafetiva. Todas essas novas formas de família apresentam as três características indicadas pela constituição.
“De acordo com o Caput do Artigo 226 da Constituição Federal, todas as formas de família devem ser protegidas pelo Estado. Neste artigo, a Constituição diz o seguinte: ‘A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado’. Se assim avaliarmos, as famílias constituídas pelas uniões estáveis heterossexuais ou homossexuais; as monoparentais e as anaparentais, também devem ser protegidas pelo Estado”, defendeu o advogado.
Depois desta introdução, Walsir entrou no debate polêmico. As novas e diversas formas de família, que vem aparecendo recentemente nos noticiários, merecem ou não a proteção do Estado?
“Recentemente, a notícia de que um tabelião lavrou uma escritura pública declaratória de um homem que vivia em três uniões estáveis paralelas, com o consentimento de todos os envolvidos, polemizou o debate sobre as chamadas famílias paralelas. Neste caso, vemos três uniões onde existem a afetividade, a publicidade e a estabilidade. Isto é ou não família? Como o Estado deve agir diante disso e, principalmente, como os senhores, registradores civis, devem se portar frente a esta realidade? Esta já é a escolha de alguns cidadãos, que, por vontade própria abrem mão da monogamia. O Estado deve ou não protegê-los? Baseado em quê essa decisão deve ser tomada?”, indagou o professor.
Ao final da palestra Walsir recebeu uma lembrança do Recivil em agradecimento pela presença
Outro ponto levantado pelo professor foi o tratamento dado pelo Estado às famílias recompostas ou reconstituídas. Aquelas formadas por casais em segunda união, tendo ou não filhos de uma primeira união. Muitos desses casais se unem, trazem juntamente os filhos da primeira união e a eles somam filhos comuns. Essas famílias reconstituídas são uma nova realidade que bate a porta do registrador civil e do judiciário.
“Vamos tomar como exemplo uma família: pai, mãe e filho. Esta família vive junto por cinco, seis anos, e por um determinado motivo se dissolve. O pai biológico toma outro rumo na vida, deixando a esposa e o filho. Com o tempo uma nova pessoa aparece. A esposa se casa novamente e este segundo marido assume a criança, o chamado pai sócio-afetivo. Este novo pai é o que educa, cuida, fica ao lado da criança durante toda a vida. Neste caso, como fica a paternidade dessa criança? Quem tem os direitos sobre ela? Por quê uma paternidade tem que necessariamente prevalecer sobre a outra? Por quê não se pode aceitar, nestes casos, as duas paternidades?”, questionou Walsir à plateia.
O professor explicou aos congressistas que, hoje, existem três tipos de paternidades reconhecidas juridicamente. A paternidade presumida, encontrada no Código Civil em seu artigo 1597, onde se presumem dos cônjuges os filhos concebidos na constância do casamento. “Ou seja, o filho é presumidamente do marido da mãe”, explicou ele.
Existe ainda uma segunda paternidade, a biológica, aquela que é verificada e confirmada através de exames laboratoriais de DNA. E, por fim, a paternidade sócio-afetiva, que é definida exclusivamente pela afetividade.
“Um único homem pode exercer as três paternidades ao mesmo tempo. Ele pode ser o marido da mãe, ou seja, o pai presumido. Ele pode ser também o pai biológico. E, ainda, o pai afetivo, que cuida com afeto daquela criança. Ou, em outros casos, a criança pode ter mais de um pai. O presumido e/ou biológico, e depois, um sócio-afetivo. Como definir qual dessas paternidades é a mais importante?”, perguntou Walsir.
O presidente do Recivil, Paulo Risso, fez questão de agradecer pessoalmente a presença do professor
“A este fenômeno de dupla paternidade, que também pode ocorrer com a dupla maternidade, nós chamamos de multiparentalidade”, explicou ele e continuou. “Mas atenção, a multiparentalidade só acontece quando ela é devidamente registrada, com autorização judicial. Aqui entra o papel dos senhores. Não existe, pelo menos em Minas Gerais, uma decisão judicial favorável neste sentido, por enquanto. Mas temos conhecimento da existência desses casos em outros Estados. Não demorará muito e este tipo de decisão começará a aparecer, e digo mais, devemos estar abertos e prontos para esta nova realidade”, completou Walsir, que foi bravamente aplaudido ao final.