Tribunal de Justiça reconhece titularidade do feto como pólo ativo de ação

Para o presidente da OAB SP, Luiz Flávio Borges D´Urso a decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, de conceder agravo parcial, reconhecendo relativamente a capacidade jurídica do feto, por entender que a mãe está representada, é um avanço, lembrando que se refere à titularidade da ação e não ao mérito.

“Criou-se um mecanismo que estende ao titular de direito, o nascituro, devidamente representado pela mãe, seus direitos garantidos judicialmente e previstos na Constituição Federal”, avalia D´Urso. A decisão decorre de um agravo de instrumento, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública de São Paulo em favor de presa grávida da Cadeia Pública de São Bernardo do Campo, que não estava recebendo tratamento pré-natal adequado.

O relator do acórdão, desembargador José Cardinale, argumentou em sua decisão que “Destarte, admitida, em tese, a possibilidade da presença do nascituro no pólo ativo da ação, de rigor a anulação do despacho de fl. 44, que determina a emenda da inicial, ressalvando-se que a legitimidade do nascituro para postular o direito de sua mãe ao recebimento de tratamento pré-natal deve ser aferido pelo juízo a que no momento processual adequado, assim como a competência da Vara da Infância e da Juventude para conhecer e julgar a causa”.

Segundo a Defensoria Pública, o feto integrou o pólo ativo da ação, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, que traz definições claras sobre a proteção legal à criança, que estaria sendo a principal beneficiada com os exames médicos que seriam realizados pela mãe. Na primeira instância, o juiz determinou a emenda da inicial para regularização do pólo ativo da ação, por não reconhecer a legitimidade do nascituro para demanda em juízo.

Veja a íntegra da decisão.

Agravo de Instrumento nº 137.023-0/0-00 – São Bernardo do Campo – Voto nº 13.059

Agravante: Nascituro de
Agravado:



MENOR – Ação proposta por nascituro buscando o atendimento pré-natal à sua genitora, que se encontra presa – Decisão do juiz a quo que determinou a emenda da inicial por entender que o nascituro, por não possuir personalidade jurídica, não tem legitimidade ativa ad causam – Não conhecimento do agravo no tocante ao pleito que visa a concessão da antecipação da tutela ainda não apreciada em primeira instância – Nascituro que pode ser parte, desde que representado pelos genitores ou por quem determina a lei civil – Provimento do agravo apenas para reconhecer a possibilidade do nascituro vir a juízo, sem adentrar no mérito de sua legitimidade para a causa presente e, tampouco, a competência da Justiça da Infância e da Juventude – Necessidade de anulação do despacho que determinou a emenda da inicial – Agravo conhecido em parte e, na parte conhecida, provido, nos termos do acórdão .


1. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo nascituro de … em face de decisão proferida pelo MM. Juízo da Vara da Infância e da Juventude de São Bernardo do Campo (fl. 44), que determinou a emenda da inicial, para regularização do pólo ativo da ação de obrigação de fazer com pedido de antecipação da tutela. A demanda principal busca a proteção dos direitos do nascituro, eis que sua genitora encontra-se detida em estabelecimento prisional que não oferece condições mínimas para uma gestação saudável, colocando em risco o nascimento do autor com vida.
Determinada a emenda da inicial, não restou apreciado o pedido de antecipação da tutela.
Dessa forma, interpõe o autor o presente agravo com pedido de liminar, tendente ao reconhecimento da legitimidade ad causam do nascituro para demandar em juízo e a concessão da tutela antecipada ex vi dos artigos 527, inciso II, 558 e 273 do Código de Processo Civil.
A liminar foi indeferida (fls. 47/48).
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento parcial do agravo (cf. fls. 51/54).

2. Não se conhece do recurso na parte que pleiteia o deferimento por esta Corte do pedido de antecipação de tutela formulado perante o Juízo a quo e a citação da ré, ora agravada, para contestar a ação.
Com efeito, determinada a emenda da inicial, o pleito de urgência não restou apreciado em primeira instância, não sendo lícito à instância revisora manifestar-se sobre postulação ainda não contemplada pelo julgador monocrático.
Nesse sentido, vale deixar consignado o seguinte excerto do parecer ministerial:
“Quanto ao pedido de citação e cumprimento de obrigação de fazer, não pode ser atendido. Como não houve decisão indeferindo nada disso, o recurso não pode impugnar o nada. Não pode ser conhecido nessa parte” (fl. 54).

3. Na parte conhecida, o agravo comporta provimento.
É a decisão impugnada do seguinte teor, verbis:
“Antes do mais, a inicial deverá ser emendada, no prazo de dez dias, pena de indeferimento, regularizando o pólo ativo e a representação processual, pois em se tratando de proteção jurídica ao nascituro, desprovido de personalidade civil, ex vi do art. 2º do novel Código Civil, incumbe aos seus pais o dever de defender os seus direitos”. (fl. 44).
A questão, cinge-se, portanto, à possibilidade do nascituro vir a juízo.
Eleito o nascituro para integrar o pólo ativo da ação, não poderia o juiz determinar a emenda da inicial por entender impossível a figuração do feto como autor em qualquer espécie de demanda. Isso porque, segundo a jurisprudência, pode o feto, devidamente representado, desde o momento da concepção, ainda que desprovido de personalidade jurídica, pleitear judicialmente seus direitos:
“Investigação de paternidade – Ação proposta em nome de nascituro pela mãe gestante – Legitimidade ‘ad causam’ – Extinção do processo afastada. Representando o nascituro pode a mãe propor a ação investigatória, e o nascimento com vida investe o infante na titularidade da pretensão de direito material, até então apenas uma expectativa de direito” (TJSP – Ap. Cível nº 193.648. Rel. Des. Renan Lotufo).
Destarte, admitida, em tese, a possibilidade da presença do nascituro no pólo ativo da ação, de rigor a anulação do despacho de fl. 44, que determina a emenda da inicial, ressalvando-se que a legitimidade do nascituro para postular o direito de sua mãe ao recebimento de tratamento pré-natal deve ser aferido pelo juízo a quo no momento processual adequado, assim como a competência da Vara da Infância e da Juventude para conhecer e julgar a causa.

4. Por esses fundamentos, aos quais se acrescem os da bem lançada manifestação da douta Procuradoria Geral de Justiça, não se conhece em parte do agravo e, na parte conhecida, a ele se dá provimento, nos termos do acórdão.