JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
DIREITO CIVIL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE COMUNICABILIDADE DE AQUESTOS – CASAMENTO SOB REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS – VIABILIDADE DE COMUNICAR OS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO – APLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 259 DO CC/1916 E DA SÚMULA 377/STF
– No regime de separação legal, cada um dos cônjuges conserva a posse e a propriedade dos bens que trouxer para o casamento, bem como dos que forem a ele sub-rogados.
– Nos termos do art. 259 do CC/1916, "prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento", não obstante o matrimônio tenha sido realizado sob o regime de separação total de bens.
– Consoante o disposto na Súmula nº 377 do excelso Supremo Tribunal Federal, os aquestos adquiridos na constância do matrimônio se comunicam, independentemente de prova de serem fruto do esforço comum.
Apelação Cível ndeg. 1.0024.04.463859-1/001 – Comarca de Belo Horizonte – Apelante: Rubenice de Araújo Queiroz – Apelados: Erundina Geralda Queiroz e outros – Relator: Des. Nicolau Masselli
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 21 de novembro de 2007. – Nicolau Masselli – Relator.
DES. NICOLAU MASSELLI – Conheço do recurso, porquanto presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de sua admissibilidade.
Trata-se de ação declaratória de comunicabilidade de aquestos, aforada por Erundina Geralda de Queiroz, Dezuita Queiroz da Silva, Adison Felix de Queiroz, Décio Nunes de Queiroz e Cleide Nunes de Queiroz, ora apelados, contra Rubenice de Araújo Queiroz, apelante, com o fito de que imóveis que dizem ter sido adquiridos pelo de cujus, Urano Nunes de Queiroz, sejam levados a relações de bens junto ao inventário deste, a fim de se submeterem à sobrepartilha.
Antes de analisarmos o feito propriamente dito, verifico que se trata de uma ação declaratória, em que os autores buscam a incomunicabilidade de bens adquiridos pelo cônjuge-varão antes de contrair as segundas núpcias, tendo, contudo, denominado a ação de comunicabilidade, isso em razão de pretender que aqueles bens, adquiridos antes do segundo casamento, como dito, viessem a ser objeto de sobrepartilha, constando na relação de bens do processo de inventário, aberto em razão do falecimento do referido cônjuge-varão.
É o que se extrai tanto da exordial quanto da resposta e da decisão prolatada pelo ilustre Magistrado, tendo sido analisado e julgado, em razão do princípio da economia processual conjugada com a instrumentalidade do processo, hoje amplamente aceita em nossos tribunais.
Dito isso, emerge do presente feito que o falecido pai dos autores, Urano Nunes de Queiroz, contraiu matrimônio, em segundas núpcias, com a ré Rubenice de Araújo Queiroz, ora apelante, sob o regime de separação de bens imposto pelo art. 258 do antigo Código Civil.
Emerge também que, tendo o falecido adquirido dois imóveis, um antes de contrair o segundo casamento e outro na constância deste, seus filhos requerem a comunicabilidade dos aquestos para estabelecer que sejam objeto de sobrepartilha nos autos do inventário.
A requerida, ora apelante, apresentou contestação às f. 44/45, em que alegou, quanto ao segundo imóvel, que adquiriu este, localizado na Rua Tuiuti, com recursos próprios, sendo estes frutos da venda de um outro imóvel adquirido antes da união com o falecido. Quanto ao primeiro imóvel, sito na Praia de Jacaraípe, reconhece que este foi adquirido pelo falecido, porém vendido ao Sr. Francisco Grazinoli Molina e, alguns dias depois, teria sido recomprado pela apelante, onde edificou uma pequena moradia.
Agravo retido interposto pela requerida, à f. 102, devido ao deferimento de contradita de testemunha.
A ilustrada decisão foi proferida às f. 115/120, em que o Magistrado a quo julgou procedente o pedido inicial para declarar a comunicabilidade dos aquestos, determinando que os referidos imóveis fossem objeto de sobrepartilha nos autos do inventário do espólio de Urano Nunes de Queiroz.
Inconformada, apresentou a ré-apelante, Rubenice de Araújo Queiroz, recurso de f. 124/127, em que alega inicialmente ser inaplicável à espécie a regra da Súmula 377 do Superior Tribunal de Justiça, assim como a regra do art. 259 do Código Civil brasileiro, promulgado em 1916.
Aduz que teria provado que adquiriu os bens com a venda de um imóvel que já era de sua propriedade, antes de contrair matrimônio e que não teve ajuda do falecido para comprar os outros imóveis.
Contra-razões às f. 133/136.
Inicialmente, destaca-se informar que a apelante não reiterou o pedido de apreciação do agravo retido interposto no curso do processo. Assim, conforme dispõe o art. 523, SS 1º, do Digesto Processual Civil, deixo de apreciá-lo.
Insurge-se a apelante contra a sentença de primeiro grau, alegando inicialmente ser inaplicável à espécie a regra da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, assim como o art. 259 do Código Civil brasileiro, promulgado em 1916.
Alega ainda que teria comprovado que adquiriu os bens com a venda de um imóvel de sua exclusiva propriedade antes de contrair matrimônio e que não teve ajuda do falecido para comprar os outros imóveis.
Analisando as provas constantes dos autos, extrai-se que a requerida, ora apelante, contraiu matrimônio com o Sr. Urano Nunes de Queiroz, pai dos ora apelados, em 14 de abril de 1983, matrimônio este sob o regime de separação de bens, por força de lei, pois que à data do evento o mesmo contava com 68 anos de idade.
No que diz respeito ao imóvel consubstanciado pelo apartamento ndeg. 301 do edifício localizado na Rua Tuiuti, 1.328, vê-se que é objeto de uma ação de outorga de escritura, motivo pelo qual não foi trazido aos autos qualquer documento sobre sua propriedade. Entretanto, indene de quaisquer dúvidas que foi adquirido na constância do casamento, fato que nem sequer foi negado pela apelante.
Já o imóvel situado na Praia de Jacaraípe, Espírito Santo, conforme documento de f. 14v., foi efetivamente adquirido pelo Sr. Urano Nunes de Queiroz em 19.01.1982, portanto, antes da celebração do matrimônio.
Verifica-se ainda que, em 30.01.1986, fora vendido para o Sr. Francisco Molina, o qual, por sua vez, em curtíssimo espaço de tempo, revendeu-o à Sr.ª Rubenice de Araújo Queiroz, ora apelante, fato que nos causa estranheza.
Destarte referido fato, por imperativo legal, e nos termos do disposto no art. 258, parágrafo único, I, do Código Civil de 1916, vigente à época, o regime adotado foi o de separação total de bens, em que cada um dos cônjuges conserva a posse e a propriedade dos bens que trouxer para o casamento, bem como a dos que forem a ele sub-rogados e dos que cada um adquirir a qualquer título na constância do matrimônio.
Entretanto, dispunha o art. 259 do Código Civil brasileiro, promulgado em 1916, que, "embora o regime não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento".
Dessa forma, para que os aquestos não se comunicassem, necessário seria que no contrato, in casu a escritura pública, constasse tal ressalva, ou seja, embora o regime fosse o da separação de bens, os bens adquiridos na constância do matrimônio também não se comunicariam, o que não se configura nos autos.
Diante disso, desnecessária a demonstração de efetiva participação financeira na compra dos imóveis.
Não bastasse tal circunstância, dispõe a Súmula 377 do STF: "No regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento".
Da mesma forma, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
"Direito civil. Regime legal de separação legal de bens. Aquestos. Súmula nº 377. Esforço comum.
1. A viúva foi casada com o de cujus por aproximadamente 40 (quarenta) anos, pelo regime da separação de bens, por imposição do art. 258, parágrafo único, I, do Código Civil de 1916.
2. Nestas circunstâncias, incide a Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal que, por sinal, não cogita de esforço comum, presumido neste caso, segundo entendimento pretoriano majoritário.
3. Recurso especial não conhecido" (REsp nº 154896/RJ – Rel. Min. Fernando Gonçalves – DJ de 20.11.03).
"Casamento. Regime de bens. Separação legal. Súmula nº 377 do STF.
– Quando a separação de bens resulta apenas de imposição legal, comunicam-se os aquestos, não importando que hajam sido ou não adquiridos com o esforço comum" (REsp nº 1615/GO – Rel. Ministro Eduardo Ribeiro – DJ de 13.02.90).
"Casamento. Separação obrigatória. Súmula ndeg. 377 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes da Corte.
1. Não violenta regra jurídica federal o julgado que admite a comunhão dos aquestos, mesmo em regime de separação obrigatória, na linha de precedentes desta Turma.
2. Recurso especial não conhecido" (REsp nº 208640/RS – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJ de 15.02.01).
Sendo assim, falecido um dos cônjuges do casamento contraído em regime de separação obrigatória, o outro será meeiro dos bens adquiridos após o matrimônio (aquestos), caso de que trata os autos.
Apenas a título de comentário, em nenhum momento a apelante fez qualquer prova da existência ou de ter sido proprietária de um outro imóvel, o qual, vendido, viria a constituir recursos para adquirir o apartamento ndeg. 301, localizado na Rua Tuiuti, 1.328, objeto do litígio.
A propósito, observa-se que junto da peça contestatória, de f. 44/45, não se juntou nenhum documento apto a corroborar suas alegações.
Da mesma forma, não se comprovou ter renda ou até mesmo emprego à época, seja em uma firma particular na cidade de Contagem, ou como professora em escola de período noturno, que lhe possibilitasse as compras mencionadas.
Diante dessas assertivas, tenho que o ilustre e culto Magistrado sentenciante agiu com absoluto acerto e louvável conduta no curso processual, na medida em que buscou todas as provas necessárias à lavratura da decisão recorrida.
Diante do exposto, nego provimento à apelação para manter a r. sentença primeva em todos os seus termos.
Custas recursais, pela apelante, na forma mencionada pelo ilustre Magistrado primevo.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Batista de Abreu e José Amancio.
Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais