Regnoberto Marques de Melo Júnior * I 1. Em suma sumaríssima, o fundamento axiológico do (nosso) sistema romano-germânico está na tradição e a racionalidade. Já o sistema de direito anglo-saxão, mais sensível ao pathos(1) das contingências sociais, firma a baliza fundante nos valores, sobretudo os individuais(2). Na implicação desta delimitação vislumbra-se a razão da tardia assunção do direito da personalidade no direito brasileiro.
2. Sim, os direitos da personalidade foram tutelados pela primeira vez de modo formal na Declaração dos Direitos do Homem, de 1789. Seu âmbito era patrimonial. Reeditada em 1948 pela ONU, os direitos da personalidade saiu da órbita patrimonial, denominando-se então direitos humanos. No final da década de 1980, o direito jurisprudencial brasileiro acolheu a denominação de direitos da personalidade como categoria específica dos direitos humanos. De todo modo, direito da personalidade fora reconhecido como direito subjetivo tão somente na primeira metade do século XX, após polêmica, iniciada (na Europa) no final do século XIX, alimentada pela resistência à idéia de o ser humano poder ser, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de direito. Pregava-se a indissociabilidade da personalidade, que somente poderia ser encarada em sua inteireza, confundido-a (a personalidade) com o sujeito de direito, e não como um atributo desse ser.
3. Conceituado como o direito subjetivo de defender atributos ou expressões da personalidade, é, alfim, a tutela jurídica da personalidade. Direito da personalidade não é direito de defender direitos, mas direito de defender qualidades pessoais. Caracterizam-se por serem absolutos, ilimitados, impenhoráveis, imprescritíveis, inatos, intransmissíveis, irrenunciáveis, e relativamente indisponíveis (inalienáveis).
4. Enquanto direito subjetivo, o direito da personalidade é classificado, quanto à economicidade do bem jurídico que tutela(3), como direito extrapatrimonial, expressão sinônima para alguns. Quanto ao amparo jurídico do bem da vida objeto da relação jurídica da personalidade, o direito da personalidade amostra-se como o direito à integridade física (como o direito ao corpo (vivo), à vida, e ao cadáver), e à integridade moral (como a dignidade, honra, imagem, liberdade, pudor e recato).
5. Alguns direitos da personalidade podem ser objeto de alienação por ato voluntário, desde que o ato alienatório não seja permanente nem geral. Como parcialmente alienáveis despontam o direito autoral, o direito à imagem, e o direito à integridade física (Lei nº 9.434/1997).
6. Forte no art. 5º, X, da CF/1988, e arts. 159 e 1.553 do CC/1916(4), o STJ adotou a súmula nº 227, publicada a 8.Out.1999, do seguinte teor: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. O art. 52 do CC/2002, que entrou em vigor com a redação original de 1969, textualiza: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.” Entrementes, a tutela dos direitos da personalidade das pessoas morais depende da correlata constituição legal, a teor do art. 45 do CC/2002.
II 1. Nome empresarial é espécie de direito da personalidade, inalienável, inédito, e mutável, pertencente à pessoa (física ou jurídica) empresária, ou sociedade simples, que visa sua identificação nominal, baseado nos princípios da veracidade e da novidade.
2. São espécies de nome empresarial a firma ou denominação adotada para o exercício de empresa (CC/2002, art. 1.155), equiparando-se ao nome empresarial, para os efeitos protetivos legais, a denominação para as sociedades simples, associações e fundações (Idem, art. 1.155 par. ún.). Firma ou razão social define-se, ex vi do art. 2º do Decreto nº 916, de 24.Out.1890, como: “o nome sob o qual o comerciante ou sociedade exerce o comércio e assina-se nos atos a ele referentes.”Na moderna dicção do art. 3º da IN DNRC nº 53/1996: “Firma ou razão social é o nome utilizado pelas sociedades em nome coletivo, de capital e indústria e em comandita simples e, em caráter opcional, pelas sociedades por quotas de responsabilidade limitada e em comandita por ações”. Nome de Fantasia é o constituído por “denominação” diferente da sua “firma” ou “razão social”, e que serve para distinguir os seus bens ou serviços.
3. O empresário opera sob firma constituída por seu nome, completo ou abreviado, aditando-lhe, se quiser, designação mais precisa da sua pessoa ou do gênero de atividade (CC/2002, art. 1.156). A sociedade com sócios de responsabilidade ilimitada operará sob firma, na qual somente estes nomes figurarão; para formá-la, adita-se ao nome de um deles a expressão “e companhia” ou sua abreviatura (Idem, art. 1.157 caput). Os sócios que figurarem na firma social da sociedade dotada de sócios de responsabilidade ilimitada tornam-se, automaticamente, solidária e ilimitadamente responsáveis pelas obrigações contraídas sob a firma social (Idem, art. 1.157, par. ún.).
4. O nome de empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro (CC/2002, art. 1.163)(5). Se o empresário tiver nome idêntico ao de outros já inscritos, deverá acrescentar designação que o distinga (CC/2002, art.1.163, par. ún.).
5. O nome empresarial não pode ser objeto de alienação isoladamente (CC/2002, art. 1.164 caput), figurando, entretanto, no trespasse(6), como elemento inafastável do acervo social alienado. Em caso específico, o devido serviço de registro público de pessoas jurídicas produz autenticidade, eficácia, publicidade, segurança jurídica e exclusividade de uso do nome da pessoa jurídica simples ou empresária nos limites do respectivo Estado (Lei nº 6.015/1973, art. 1º; Lei nº 8.935/1994, art. 1º; CC/2002, art. 1.166). O uso deste direito estender-se-á a todo o território nacional, se registrado na forma da lei especial, que ainda não foi promulgada (CC/2002, art. 1.166). III 1. Aplicando as noções ventiladas, conclui-se que qualquer ato jurídico criador, alterador ou extintor de direito da personalidade ou nome empresarial deve ser averbável no Registro Civil de Pessoas Naturais.
2. A competência administrativa da averbação é da circunscrição do registro de nascimento do sujeito pessoa física (empresário ou não) da relação jurídica que lhe tenha como parte subjetiva ou objetal (objeto).
3. O fundamento deste dever de averbamento é o princípio do ônus registral, fincado no sobreprincípio da segurança jurídica, que tem sua previsão legal pontual no Parág. 1 do art. 57 da vigente Lei nº 6.015 de 1973(7). Notas (1) Qualidade que qualquer coisa que inspire emoções. (2) Esta premissa evoca, dos idos de 1967, anúncio no Mirror, periódico nova-iorquino, ofertante de vaga de emprego por uma garagem de West Milford, Estado de Nova Jersey, com os seguintes dizeres: “Precisa-se de mecânico – é essencial que pareça honesto”. (3) Teria como objeto bem sem valor econômico expresso. Contudo, a não expressividade de valor não retira a economicidade do bem jurídico tutelado pelo direito da personalidade. (4) O art. 159 equivale ao art. 186 e 897 do CC/2002. (5) L 9279/1996 (Lei de Patentes) Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; (6) Alienação de estabelecimento comercial a outrem, compreendendo o conjunto de bens (aviamentos) e a funcionalidade (gestão). (7) Verbis: “Art. 57. Qualquer alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa. Parág. 1º Poderá, também, ser averbado, nos mesmos termos, o nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional”. (*) Regnoberto Marques de Melo Jr. é Mestre e Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenador do Centro de Estudos da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Ceará – ANOREG-CE. Membro do Instituto Cearense de Direitos Tributários – ICET. Tabelião e registrador em Fortaleza. |