Jurisprudência mineira – Separação litigiosa – Infidelidade do cônjuge – Pensão

DIREITO DE FAMÍLIA – SEPARAÇÃO LITIGIOSA – INFIDELIDADE DO CÔNJUGE-VIRAGO – DEVER DE PENSIONAMENTO – PROVA DA NECESSIDADE – ART. 1.704 DO CÓDIGO CIVIL – PARTILHA – BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL ANTERIOR AO CASAMENTO – AÇÃO PRÓPRIA

– Por força do disposto no art. 1.704 do Código Civil, o cônjuge culpado pela separação faz jus ao recebimento de alimentos, desde que demonstrado nos autos que não possui condições para o trabalho nem parentes em condições de prover seu sustento.

– Sendo o cônjuge culpado jovem, com formação em curso superior e, portanto, apto ao trabalho, não faz jus ao recebimento de pensão.

– A discussão acerca da partilha de bens adquiridos antes do casamento, enquanto os ex-cônjuges viviam em união estável, deve ocorrer em ação própria.

Apelação Cível n° 1.0024.06.056130-5/001 – Comarca de Belo Horizonte – Apelantes: J.R.F., primeiro; M.N.B.R., segundo – Apelados: M.N.B.R. e J.R.F. – Relator: Des. Dídimo Inocêncio de Paula

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento ao primeiro recurso e negar provimento ao segundo.

Belo Horizonte, 3 de abril de 2008. – Dídimo Inocêncio de Paula – Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

Proferiu sustentação oral, pelo primeiro apelante, a Dr.ª Neusa de Abreu Machado.

DES. DÍDIMO INOCÊNCIO DE PAULA – Trata-se de recursos de apelação aforados contra sentença de f. 289/292, da lavra do ilustre Juiz de Direito da 1ª Vara de Família da Comarca de Belo Horizonte-MG, proferida nos autos da ação de separação litigiosa c/c alimentos promovida por M.N.B.R. em face de J.R.F.

Na r. sentença, foi julgado improcedente o pedido inicial e procedente o reconvencional, tendo sido decretada a separação judicial do casal por culpa do cônjuge-virago, ora autora, caracterizada por sua conduta desonrosa. Foi mantida a prestação alimentícia em relação à autora no importe de 10% dos rendimentos líquidos do réu, bem como partilhados os bens adquiridos na constância do casamento, ressalvada a indenização trabalhista percebida pelo varão, por ser oriunda de direito personalíssimo.

Em sede do primeiro apelo, insurge-se o recorrente contra a condenação que lhe foi imposta para pagamento de alimentos em favor da autora, ao fundamento de que ela é jovem e formada em enfermagem e, portanto, tem condições de trabalhar para se sustentar.

No segundo recurso, aduz a recorrente que o réu é perito em informática e que forjou todas as provas, em razão do que não devem ser consideradas em juízo; que restou demonstrado nos autos o descumprimento do dever de fidelidade pelo apelado; que esse abandonou o lar e permanecia em noitadas na rua; que ela era humilhada e desprezada pelo cônjuge; insurge-se contra o valor fixado como pensão; alega que já morava com o réu desde o princípio do ano de 2000, em razão do que os bens adquiridos na constância da união estável não deveriam ter sido excluídos da partilha; que a existência de união estável também está comprovada nos autos.

Recursos respondidos.

A douta Procuradoria de Justiça ofertou parecer às f. 348/353, opinando pelo provimento do recurso do varão e pelo desprovimento do recurso apresentado pelo cônjuge-virago.

É o relato do necessário.

Conheço dos recursos, porquanto presentes os pressupostos subjetivos e objetivos de admissibilidade; ausente o preparo do segundo apelo por força da gratuidade judiciária deferida na sentença à autora.

Na ausência de preliminares a serem examinadas, passo ao deslinde do mérito.

Inicialmente, analiso a questão atinente à pensão alimentícia na qual foi condenado o varão, tendo este requerido, em sede do primeiro apelo, a sua exoneração de tal dever.

É de se ver que o art. 1.702 do CC/2002 dispõe que, “na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694”.

No caso dos autos, o que se percebe de todo o contexto probatório é que, de fato, a culpa pela separação do casal deve ser atribuída ao cônjuge-virago, uma vez que, a despeito de não existir prova de adultério de sua parte, não foi comprovado que manteve conjunção carnal com um terceiro com quem mantinha um relacionamento no site de relacionamentos denominado “Orkut”, o simples fato de manter com um rapaz diálogos comprometedores, ou seja, que revelavam o seu interesse pelo mesmo, constitui uma afronta ao dever de respeito e consideração mútuos previsto no art. 1.566, V, do Código Civil de 2002.

Também merecem destaque as provas produzidas pelo autor da reconvenção, especialmente aquelas que reproduzem o conteúdo de sites da internet, porquanto, além de não existir prova de que foram obtidas mediante fraude, é público e notório que foram retiradas de um site cujo acesso é permitido a todos aqueles que nele são cadastrados.

E não se argumente que no presente caso restou caracterizada a culpa recíproca. Embora alegue a autora que o varão abandonou o lar conjugal e que não tinha um comportamento leal para com ela, não existem provas nos autos que comprovem tal alegação.

Dito isso, volto ao disposto no art. 1.702 do Código Civil de 2002. Em princípio, a interpretação que se dá ao citado artigo é no sentido de que somente o cônjuge inocente teria direito ao recebimento de pensão.

Ocorre que o art. 1.704, parágrafo único, do mesmo diploma legal prescreve que, “Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência”. Disso se conclui que o cônjuge culpado, desde que comprovada a inexistência de parentes que possam sustentá-lo, bem como a sua incapacidade para o trabalho, poderá ter o direito a alimentos. Contudo, o seu valor englobará somente o indispensável à sua subsistência.

Entretanto, no presente caso, nem mesmo com base em tal dispositivo terá a autora direito ao recebimento de pensão, uma vez que é jovem, possui formação em enfermagem e, portanto, tem plenas condições de exercer um ofício e, assim, garantir a sua subsistência. Além disso, não existe nenhum elemento nos autos que demonstre estar a virago impossibilitada de trabalhar ou que não possua outros parentes em condições de prestar-lhe alimentos.

Nesse sentido:

“Direito de família – Apelação – Ação de separação judicial litigiosa – Alimentos – Cônjuge declarado culpado – Necessidade – Ausência de prova – Inexistência de obrigação – Recurso desprovido. – O cônjuge declarado culpado na separação judicial perde o direito de receber alimentos, salvo se necessitar e não tiver aptidão para o trabalho ou parentes em condições de prestá-los, fixando o magistrado apenas o indispensável à sobrevivência” (TJMG, Ap. 1.0249.07.000697-1/001(1), Relator: Des. Moreira Diniz, j. em 17.01.2008).

“Separação litigiosa – Reconvenção – Culpa recíproca – Pensão alimentícia – Fixação – Observância do art. 1.704, parágrafo único, do novo Código Civil – Oportunidade. – Quando a deterioração do relacionamento do casal é de responsabilidade de ambos os cônjuges, configura-se a culpa recíproca. Para evitar interpretações diversas acerca da matéria atinente à fixação de pensão alimentícia entre ex-cônjuges, a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o novo Código Civil, no seu art. 1.704, parágrafo único, assegura, expressamente, alimentos ao cônjuge necessitado, ainda que declarado culpado pela separação, quando não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho” (TJMG, Ap. 1.0000.00.256924-2/000, Relator: Des. Hyparco Immesi, j. em 26.08.2004).

Sendo assim, entendo ausente o dever do cônjuge-varão de prestar alimentos à sua ex-esposa, devendo a sentença ser reformada nesse ponto.

Diante de tais conclusões, prejudicadas as alegações tecidas na segunda apelação no que tange ao valor da pensão.

Em relação à partilha dos bens, não merece reforma a r. sentença.

Primeiramente, porque, na esteira do entendimento do ilustre Juiz a quo, em sede da presente ação, só há que se discutir a partilha dos bens em razão da dissolução da sociedade conjugal constituída pelo casamento realizado em 24.01.2004.

Se houve relação de união estável anterior a essa data, a partilha dos bens adquiridos na sua constância deverá ser discutida em ação própria de dissolução de união estável.

“Na ação de separação judicial, disciplinada por lei específica, não cabe discussão sobre a existência ou não de união estável anterior à celebração do casamento, como também não é o lugar próprio para a partilha de bens porventura adquiridos na constância da união de fato“ (TJMG, Ap. 1.0000.00.153602-8/000, Relator: Des. Bady Curi, j. em 27.12.1999).

Mas, ainda que assim não se entenda, confesso que não vislumbrei nos autos prova de que existia entre as partes relação de união estável anteriormente ao casamento.

Com tais razões, dou provimento ao primeiro apelo para o fim de exonerar o cônjuge-varão do dever de prestar alimentos ao cônjuge-virago e nego provimento ao segundo recurso.

Custas, pela segunda apelante, suspensas por força do art. 12 da Lei 1.060/50.

DES.ª ALBERGARIA COSTA – Conheço dos recursos de apelação, presentes os pressupostos de admissibilidade.

Trata-se de separação judicial litigiosa em que, em sentença, o cônjuge-virago foi declarado culpado.

Mesmo sendo atribuída culpa à autora, o Magistrado a quo fixou alimentos a seu favor, no importe de 10% dos rendimentos líquidos do réu.

Com relação aos bens do casal, a sentença partilhou apenas aqueles bens imóveis adquiridos na constância do casamento (a partir de 24.01.2004). Decidiu ainda que, caso tenha havido união estável anterior ao casamento, deverá ser proposta ação própria para que esta seja declarada e haja a partilha dos demais bens.

Recorre o réu, primeiro apelante, alegando não ser devida a prestação de alimentos à autora, já que esta é pessoa nova e tem plenas condições para o trabalho.

A autora, segunda apelante, por sua vez, insurge-se contra a sentença, alegando que as provas juntadas pelo réu foram produzidas de forma ilegal e, por isso, devem ser desconsideradas; que foi o réu quem descumpriu com os deveres do casamento; pleiteia a partilha de todos os bens, visto que comprovada a união estável anterior ao casamento; por fim, requer a majoração dos alimentos.

Feito este breve relato, passo à análise das questões trazidas nas apelações.

Todos os e-mails e páginas da internet juntados foram inseridos na “rede mundial de computadores” pela autora, que, em momento algum, ateve-se com a publicidade das informações.

Caso a autora tivesse certeza sobre a falsidade dos documentos, poderia, por diversos meios, produzir provas que comprovassem tal ilicitude.

Dessa forma, embora o réu tenha conhecimento técnico para forjar determinados conteúdos da internet, não há provas de que todos os documentos juntados são forjados.

Assim, a alegação de que todas as provas trazidas pelo réu são ilícitas não merece prosperar, embora alguns documentos juntados sejam desnecessários para o deslinde da demanda.

A autora alega o descumprimento dos deveres matrimoniais por parte do cônjuge-varão, mas é este quem prova que sua ex-esposa mantinha, por via da internet, um suposto relacionamento amoroso.

Com isso, as provas trazidas pelo réu demonstram a culpa do cônjuge-virago na separação do casal, não havendo qualquer prova que impute a culpa também ao cônjuge-varão, como pretende a segunda apelante.

Os depoimentos trazidos aos autos (f. 250/251) não comprovam que a culpa pela separação se deu em virtude de atos praticado pelo réu.

Assim, restou comprovada apenas a culpa do cônjuge-virago.

No que concerne à partilha dos bens do casal havidos antes do casamento, em virtude de uma suposta união estável, não há nos autos prova de relacionamento antes do casamento que configure a união estável.

Para que seja declarada a união estável, deve o julgador ter provas suficientes dos requisitos exigidos pelo art. 1.723 do CC, que assim dispõe:

“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Nos autos, como houve a negativa de tal relacionamento por parte do réu, deveria ter a autora produzido as provas necessárias para a caracterização da união estável, o que não ocorreu.

A alegação da autora e a prova oral trazida com o depoimento de duas testemunhas (f. 250/251) não levam à conclusão pretendida pela autora. Dessa forma, não foi cumprido o art. 333, I, do CPC.

Assim, inexistindo a união estável, não há que se falar em divisão dos bens adquiridos anteriormente ao casamento, e desnecessária a propositura de ação própria, visto que tal matéria foi objeto de recurso e apreciação pelo Juízo a quo e por este Tribunal.

Com relação aos alimentos arbitrados em favor do cônjuge declarado culpado, há que tecer algumas considerações.

Os alimentos não são impostos como uma forma de penalidade ou indenização, mesmo quando um dos cônjuges é declarado culpado, como ocorre no presente caso. Eles decorrem, sim, do dever de mútua assistência, que nasce com o vínculo do casamento e se prolonga no tempo, independentemente da maneira como tivera fim o matrimônio e do seu tempo de duração.

Veja-se a lição de Sílvio de Salvo Venosa:

“Não podemos pretender que o fornecedor de alimentos fique entregue à necessidade, nem que o necessitado se locuplete a sua custa. Cabe ao juiz ponderar os dois valores de ordem axiológica em destaque. Destarte, só pode reclamar alimentos quem comprovar que não pode sustentar-se com seu próprio esforço. Não podem os alimentos converter-se em prêmio para os néscios e descomprometidos com a vida” (Direito civil. 3. ed., v. VI, p. 374).

No caso de haver culpa atribuída a um dos cônjuges pela separação do casal, deve-se observar o art. 1.704 do CC; e, para que seja o cônjuge inocente compelido a prestar alimentos, a regra encontra-se no parágrafo único do citado artigo, que assim dispõe:

“Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.

Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência”.

O primeiro apelante alega ser a autora apta para o trabalho, visto que esta é técnica em enfermagem (f. 12). Tem pouca idade (33 anos) e pode sustentar-se de maneira plena e satisfatória.

Sobre o tema, destaca-se a seguinte passagem:

“[…] c) os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a necessidade do companheiro reclamante resultar de culpa sua; d) somente serão devidos alimentos ao companheiro quando este não tem bens suficientes, nem pode prover ao seu sustento pelo trabalho, e aquele de quem se reclamam pode fornecê-los sem desfalque do necessário ao seu sustento […]” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, v. VI, p. 488).

Como bem expendido pelo ilustre Relator, não há nos autos prova acerca da impossibilidade de a autora trabalhar. Observa-se que a autora, no início do casamento, tinha profissão (f. 14) e inexiste prova da alteração dessa aptidão.

Os atestados médicos juntados não são provas de impedimento para o trabalho.

Tendo aptidão para o trabalho e sendo culpada pela separação, não há como ser arbitrados alimentos para o cônjuge-virago, por força do art. 1.704 do CC.

Observa-se, ainda, que o imóvel que a autora possui com o réu em Belém-PA, havendo a devida partilha do valor recebido a título de aluguéis (f. 318/321), traz renda razoável para o sustento do cônjuge-virago, que, somado ao fruto de seu trabalho, lhe garante o sustento.

Assim, revendo os autos do processo, tenho a mesma conclusão do em. Relator e dou provimento ao primeiro apelo e nego provimento ao segundo apelo.

Ressalvo apenas que a questão relativa à união estável, como dito anteriormente, encontra-se decidida na presente demanda.

É como voto.

DES. KILDARE CARVALHO – De acordo com o Relator.

Súmula – DERAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E NEGARAM PROVIMENTO AO SEGUNDO.

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – TJMG