Clipping – Gratuidade nas ações de inventário, arrolamento, separações e divórcios consensuais

Gratuidade nas ações de inventário, arrolamento, separações e divórcios consensuais

Agnaldo Rodrigues Pereira, Juiz de Direito em Belo Horizonte, pós-graduado em Direito Público e Processo Civil

 

A Lei 1.060/50, que estabeleceu normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, dispôs no artigo 2º: “Gozarão dos benefícios desta lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país que necessitarem recorrer à justiça penal, civil, militar, ou do trabalho”. Dita lei, em várias passagens, sempre relaciona o direito a ser protegido judicialmente com o cidadão que não tem condições de suportar os ônus do processo: partes e litígio.

É incontroverso que para estar em juízo a parte interessada tem de comprovar, além de outros requisitos, o interesse processual, sob pena de extinção do processo. Até a edição da Lei 11.441/07 era indiscutível a necessidade de ir a juízo para a partilha dos bens havidos por sucessão hereditária e, ainda, para a dissolução do casamento. Assim, o interesse processual era manifesto.

Entretanto, a publicação de lei flexibilizando a norma processual e instituindo procedimento administrativo próprio para o reconhecimento e/ou legalização do direito mitigou, para casos análogos, a necessidade de os interessados estarem em juízo. A princípio, diante da ausência de interesse processual, a petição inicial deve ser indeferida – de plano – com a extinção do processo, sem resolução de mérito, eis que o manejo de ação desnecessária afronta o pressuposto processual visualizado pelo binômio utilidade-necessidade, mormente quando a onerosidade do processo é desproporcional ao benefício buscado.

O custo de um processo é altíssimo. Além disso, há, ainda, o efeito reflexo e muito mais pernicioso: fomenta a propalada morosidade do Judiciário. Foi com esse objetivo – reduzir o número de processos em andamento e agilizar a concretização de direitos destituídos de litígios, evitando o acionamento da pesada máquina judiciária -, que foi editada a Lei 11.441/07, que alterou dispositivos do Código de Processo Civil possibilitando que inventários/arrolamentos, separações e divórcios consensuais fossem realizados pela via administrativa.

Uma vez em vigor, facultou-se aos sucessores proceder ao inventário e partilha, por meio de escritura pública, que não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro imobiliário. Em igual diapasão, preenchidos os requisitos legais, o casamento pode ser dissolvido por escritura pública, afastando-se a interferência do Estado-juiz para validade do ato. Em ambos os casos, está implícita a faculdade.

Os herdeiros e os cônjuges têm a faculdade de, evitando os custos e a demora no trâmite processual, buscar, administrativamente, a regularização da situação fática. E, para aqueles que se declararem pobres, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 35/07 e disciplinou a aplicação da Lei 11.441/07.

É público e notório que para a lavratura da escritura são cobrados os emolumentos, de acordo com parâmetros fixados pela legislação em vigor. Tais emolumentos servem para custear as despesas cartorárias, taxas etc., e devem ser suportados pelos interessados. Opera-se, com idêntico proceder, quando as pessoas buscam os cartórios para celebração do casamento ou para lavratura de procurações, escrituras de compra e venda, doações, testamentos etc. Ninguém vai a juízo para tal fim.

Entretanto e infelizmente, os objetivos da Lei 11.441/07 estão sendo frustrados por alguns advogados(as) que, em vez de buscarem a via administrativa, continuam a ajuizar as ações de inventário ou arrolamento com todos os herdeiros maiores e capazes, sem qualquer litígio, apenas para “valorizar o trabalho” e justificar a cobrança de honorários advocatícios com valores mais elevados daqueles que normalmente são exigidos na via administrativa e, ainda, sem quaisquer ônus.

Agem com o mesmo desiderato no tocante às separações/divórcios consensuais. Com isso, as varas de sucessões e de família continuam abarrotadas de processos desnecessários e que não resistem à apreciação de uma das condições da ação, qual seja: o interesse processual. Mas, como conciliar a “faculdade”, interesse processual e os objetivos da Lei 11.441/07?

A resposta está na restrição ao deferimento da gratuidade judiciária. A Lei 1.060/50 tem por objetivo assegurar ao litigante a defesa e o resguardo de um direito que, obrigatoriamente, só pode ser alcançado com o acionamento da máquina judiciária. Ora, se o “bem da vida” pretendido, seja ele a partilha dos bens herdados, seja a decretação da separação/divórcio, pode ser alcançado pela via administrativa – mediante mera escritura pública – está caracterizada a ausência de interesse processual.

Portanto, nos processos sucessórios e/ou de separação/divórcio, sem litígio, com interessados maiores e capazes, força reconhecer a impossibilidade de deferimento da gratuidade judiciária, pois, para estarem em juízo, abrindo mão da “faculdade” de concretização do direito por meio de escritura pública, é porque dispõem dos recursos financeiros suficientes para liquidação das despesas do processo.

Nesse contexto, optando os cônjuges e/ou sucessores pelo procedimento judicial, devem arcar com as despesas do processo, eis que: a tutela pretendida pode e deve ser buscada pela via administrativa e, inexistindo litígio, conforme disciplinado pela Lei 1.060/50, cabível o indeferimento, de plano, da inicial.

 

Fonte: Jornal Estado de Minas – Caderno Direito e Justiça