Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP. ACÓRDÃO
Doação inoficiosa. artigo 1176 do Código Civil de 1916. Caracterização quando ultrapassa o que poderia o doador dispor em testamento no ato da liberalidade. Ação de nulidade que pode ser intentada quando ainda em vida o doador. Procedência bem determinada se não se preservou a legítima. Jurisprudência do STJ. Sentença mantida. Recurso improvido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL nº 253.034.4/0, da Comarca de Birigui, em que é apelante A.C.B (e outra), sendo apelado G.G.S.B (menor rep/ s/ mãe):
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, negar provimento ao apelo.
Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença, cujo relatório se adota, que julgou parcialmente procedente ação de anulação de doação, sustentando, além de preliminar de carência porque a ação só poderia ser ajuizada depois da abertura da sucessão do doador, que a promessa de doação feita na separação dos pais do réu Antonio Gerson se deu antes do nascimento do autor, em 1984, e que o doador não excedeu a legítima.
O parecer da douta Procuradoria Geral da Justiça é pelo improvimento do recurso.
Este é o relatório.
Não há carência da ação porque, na interpretação dominante do artigo 1776 c.c. com o artigo 1176, ambos do Código Civil de 1916, é possível a ação de anulação de doação, mesmo estando vivo o doador, quando a alegação é de ter prejudicado herdeiro necessário pela doação superior à legítima. É antigo o entendimento de que a ação de nulidade com base no artigo 1176 do Código Civil de 1916 pode ser intentada mesmo em vida do doador (Rec. Esp. nº 7879/SP, Rel. Min. Costa Leite, em 24.02.1994, DJ 20.06.1994 p. 16100).
No mérito, improcede o recurso.
A r. sentença, da lavra da digna Juíza sentenciante, Dra. Cassia de Abreu, com singular propriedade, bem apreendeu a questão controvertida e corretamente analisou a prova, concluindo, com acerto, que não poderia subsistir a doação na parte que ultrapassava a legítima e prejudicava o direito do autor.
Nesse sentido é a jurisprudência pacífica do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “I – A doação a descendente, naquilo que ultrapassa a parte de que poderia o doador dispor em testamento, no momento da liberalidade, é de ser qualificada inoficiosa e, portanto, nula. Circunstâncias do caso concreto que incrementam a violação da legítima dos autores, pela forma como concretizada a doação” (RT vol. 761 p. 191, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
O importante não é a data em que houve o compromisso relativo à doação, mas aquela em que efetivamente feita, e nessa já havia nascido o autor. Nessa linha de entendimento já decidiu este Egrégio Tribunal de Justiça ao assentar que, embora a doação tenha sido precedente ao reconhecimento do filho, este “gera efeito ex tunc, ou seja, a partir do nascimento” e constitui doação inoficiosa (Apelação Cível nº 66.721-4 – Laranjal – 4ª Câmara de Direito Privado – Relator: Barbosa Pereira – 28.01.99 – V.U.).
A doação inoficiosa é aquela que ultrapassa a parte que o doador poderia dispor, em testamento, no ato da liberalidade, sendo nula a que sobejou à legítima (RT 834/192, Rel. Min. Fernando Gonçalves, em 16.11.2004). Entretanto, como bem decidido na r. sentença, não se anula a doação que ultrapassou a porção disponível do patrimônio do doador, e sim se declara inoficiosa a liberalidade quanto à parte excedente àquela que o doador poderia dispor em testamento.
De outra parte, não há prova de que a doação não teria sido inoficiosa porque ficou nos limites da legítima em razão de outros bens. O que demonstram os elementos de convicção, em particular a certidão de fls. 16, é que o doador foi além do que poderia no momento da liberalidade, adotados, para tanto, os fundamentos expendidos pela digna Juíza sentenciante e também pela douta Procuradoria Geral da Justiça.
E mais não é necessário aduzir para a confirmação da r. sentença apelada, inclusive pelos seus próprios e bem deduzidos fundamentos.
Pelo exposto é que o meu voto nega provimento ao recurso e mantém, na íntegra, a r. sentença apelada.
Presidiu o julgamento o Desembargador Carlos Stroppa e dele participaram os Desembargadores Natan Zelinschi (Revisor) e Francisco Loureiro (3º Juiz).
São Paulo, 09 de março de 2006.
MAIA DA CUNHA
RELATOR