A adoção é um direito fundamental da criança ou adolescente, mas tem sido colocada em segundo plano pela burocracia jurídica. Após várias tentativas de se criar um cadastro estadual ou nacional para inscrição de pretendentes à adoção, bem como crianças ou adolescentes, nada de efetivo foi obtido ainda.
O nosso sistema jurídico funciona como um feudo, em que excelentíssimos senhores jurídicos têm muito mais êxtase intelectual em discutir nomes de ações judiciais do que solucionar os problemas. E como, em muitos casos, acham-se acima do bem e do mal, não prestam contas ao povo e nem comunicam entre si.
Infelizmente, mais uma derrota está sendo sofrida no Conselho Nacional de Justiça, pois um juiz trabalhista (relator) alega que não vê problemas no funcionamento da Infância e Adolescência e muito menos na adoção. É claro que não vê, pois não trabalha nessa área. Agora, resta aguardar o recurso para o Plenário do CNJ.
Contudo, estamos tentando também uma nova frente, a aprovação de um projeto de lei criando o Cadastro Nacional ou Estadual de adoção.
O próprio Ministério Público, em geral, tem sido omisso no dever de ajuizar as ações de destituição de poder familiar (antigas pátrio poder) e deixa a própria família interessada na adoção ajuizar uma desgastante ação de destituição contra a família biológica. Um absurdo! A função do promotor deveria ser a de identificar os casos de crianças e adolescentes que vivem em risco social e ajuizar a ação de destituição familiar, e após o trânsito da decisão favorável, bastaria à família de adotantes ajuizarem a ação de adoção.
Apenas para esclarecer, a ação de destituição de poder familiar não destitui a filiação. A criança não ficará sem pais, como alegam alguns por falta de conhecimento. A destituição de filiação apenas acontece com a adoção. Logo, na destituição de poder familiar, a criança/adolescente permanece com a filiação biológica, mas esses não têm mais poder sobre os filhos. Dessa forma, os adotantes apenas terão de ajuizar a ação de adoção, a qual será muito mais rápida e menos traumática para todos os participantes.
Igualmente, a adoção consensual pode ter o pedido feito no próprio balcão da vara da infância e adolescência e depois ser marcada uma audiência com o juiz e promotor, conforme previsão no ECA. Mas esse direito tem sido negado ao cidadão brasileiro para atender a interesses corporativistas.
Porém, o pior de tudo é o funcionamento de varas da infância e adolescência junto a varas criminais, como acontece
É preciso que a sociedade se organize para combater essa burocracia judicial disfarçada em argumentos de segurança. Ora, cada comarca exige uma documentação diferente, muitas vezes desnecessária, para o simples cadastro e ainda obrigam a fazer uma inscrição em cada comarca. Isso é segurança ou muita burocracia?
Ninguém é obrigado a ficar em filas do serviço social nos fóruns. E eventuais portarias judiciais proibindo que o casal interessado escolha diretamente a criança ou adolescente são ilegais e abusivas. O que é proibido é a remuneração do serviço, pois seria tráfico de seres humanos.
É claro que se a criança já está sob os cuidados do serviço social judicial, terão os interessados de entrar na fila. Mas nada impede que criem outros mecanismos sociais de solução como contactar a família biológica antes do nascimento.
O que também não pode é a chamada “adoção à brasileira”, ou seja, a mãe adotante fingir que é a mãe biológica registrando a criança. Isso é crime.
Na prática, já observei que algumas autoridades jurídicas tratam os casais adotantes como se fossem criminosos e devessem desconfiar da intenção dos mesmos.
Há risco para as crianças e adolescentes? É claro que há, mas são muito menores do que ficarem em lares desajustados ou creches coletivas. Inclusive, o risco de decepção existe nas famílias biológicas, nos namoros, nas escolas e na vida em geral. É preciso parar de ficar vendo monstros em todos os locais.
Também é possível adotar maiores de 18 anos e até mesmo deficientes mentais e físicos.
A adoção é irreversível e não há diferenças mais entre filhos adotivos e biológicos. Esses dados devem ser avaliados pelo casal interessado. A rigor, não há necessidade de ser casal para adotar, mas creio que devam ter preferência.
Recentes reportagens demonstraram o caos administrativo na área de adoção, pois não há um levantamento sobre a quantidade de casais pretendentes à adoção e de pessoas disponíveis para adoção. O que fica claro é que há mais pessoas querendo adotar do que pessoas para adoção, mas o sistema não funciona e as crianças ficam sem adoção. Isso comprova que o sistema judicial tem sido mais um entrave do que solução, ao menos na área de adoção.
Algumas autoridades querem posar como heróis e, quando a imprensa mostra o fato, logo se prontificam a solucionar um caso específico, mas sem mudar o sistema. E aparecem para a sociedade como heróis. É o lema da burocracia: criar dificuldades para oferecer facilidades. Ou, mata o povo de fome para oferecer migalhas como se fossem direitos. Em suma, transformam direitos em favores.
A preferência popular para adoção realmente é de crianças com até quatro anos, por isso é preciso correr contra o tempo. Em tese, a preferência da família biológica deve ser exercida por no máximo um ano. Caso nesse período não se estruturem, perderão a criança.
Afinal, estudos indicam que a formação principal da criança é até aos sete anos. Logo, precisamos salvar essas crianças. E o direito é da criança e não dos pais biológicos. O adolescente problemático iniciou seus desvios na infância, mas ninguém percebeu, pois ficava isolado em sua casa. Muitos pais biológicos transformam crianças em brinquedos e objeto de posse, mas sem nenhuma condição de educar a sua prole. Não é apenas uma questão de pobreza, mas cultural.
Quando o serviço de adoção começar a funcionar efetivamente, os demais pais ficarão mais atentos aos cuidados de seus filhos, em razão do medo de poder perdê-los.
Além disso, é preciso fazer um levantamento nas creches e casas por meio dos serviços municipais de atendimento social sobre os casos passíveis de destituição de poder familiar.
Uma medida salutar é a criação de casas-lares onde famílias recebem temporariamente até três crianças e adolescentes por até um ano e o governo remunera esse serviço, pois evita grandes comunidades como creches e internatos que são de difícil controle e fiscalização.
O sistema de cadastro integrado é simples. Basta criar uma central no Tribunal (pois somente o Judiciário pode fazer esse serviço de consumação da adoção) e normatizar a documentação a ser exigida em todo o estado (bem simples, pois seria apenas para cadastro). A inscrição seria feita na própria comarca, que comunicaria a central.
Depois, tais dados seriam inseridos na internet, constando apenas iniciais do nome, idade, sexo e cidade. Existiriam duas listas, uma de adotantes e outra de pessoas disponíveis para adoção. Assim, por exemplo, um casal em Poços de Caldas saberia que existe uma criança em Mantena para adoção, ou vice-versa, facilitando e reduzindo o tempo para a localização de futuros pais/adotantes, simplificando o processo. E nesse caso, entrariam em contato direto com a comarca local. A comarca competente para a decisão é a da residência da criança/adolescente.
É uma pena que ainda não haja nenhuma medida efetiva para implantar algum sistema integrado de adoção, tanto pelo Judiciário como pelo Ministério Público. Na verdade, criam-se dificuldades e empecilhos que não existem, pois a criação do cadastro integrado não demanda verba, apenas sensibilidade, boa vontade e compromisso social.
Autor: André Luís Alves de Melo é promotor de Justiça em Estrela do Sul (MG), mestrando