Artigo – Cuidado e afeto: o direito de acréscimo do sobrenome do padrasto – Por Tânia da Silva

Autor: Tânia da Silva Pereira é diretora da Comissão para Infãncia e Juventude do IBDFAM, advogada e professora de Direito da UERJ.

Conhecida popularmente como “Lei Clodovil”, a lei nº 11.924, de 17 de abril 2009, autoriza o(a) enteado(a) a adotar o nome da família do padrasto ou da madrasta. A referida lei teve origem no Projeto de Lei 206/2007, de autoria do deputado Clodovil Hernandes (PR-SP), falecido recentemente. Também o Projeto de Lei n. 5560/2001, da deputada Nice Lobão (DEM-MA), buscou a aprovação desta possibilidade.

A Lei no 6.015, de 31/12/1973, conhecida como “Lei de Registros Públicos”, acresceu o parágrafo 8º ao art. 57 que permite ao enteado ou a enteada, requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, “seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família.” A alteração dependerá de autorização judicial e só será possível se houver “motivo ponderável”.

Na justificativa do projeto, Clodovil pretendia beneficiar as “pessoas que, estando em seu segundo ou terceiro casamento, criam os filhos de sua companheira ou companheiro como se seus próprios filhos fossem”. O deputado argumentava que os enteados, muitas vezes, “têm mais intimidade com o padrasto ou a madrasta do que com o próprio pai ou a mãe”, que, em alguns casos, acabam por acompanhar a vida dos filhos à distância. Para o deputado, “é natural, portanto, que surgisse, na enteada ou no enteado, o desejo de utilizar o nome da família do padrasto ou da madrasta”. Também considerou desnecessário fixar prazo mínimo de convivência do casal, argumentando que tal medida já está prevista no parágrafo 3º do artigo 57: mínimo de cinco anos.

Os Tribunais de Justiça sempre divergiram, ora admitindo a mudança para atender à nova realidade, ora desautorizando o pedido de alteração sob a justificativa de que deve prevalecer o registro original que correspondia ao efetivo nome dos genitores naquele momento. Por longo tempo, permaneceu o entendimento de que o menor de idade deveria esperar a maioridade, para pleitear mudança de patronímico, fundada em razões sentimentais ou de continuidade hereditária.

O desejo de uma pessoa de assumir o nome familiar do padrasto – que tenha sido por ela responsável desde criança – foi considerado motivo suficiente para a modificação do seu sobrenome. Essa foi a decisão da Segunda Seção do STJ que manteve a Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, autorizando a inclusão do nome familiar do padrasto ao sobrenome de seus enteados, criados por ele desde pequenos.

A Relatora Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial n. 1.069.864-DF, julgado em 18 de dezembro de 2008, destacou a situação constrangedora de mãe e filha terem que portar cópia da certidão de casamento com a respectiva averbação para comprovarem a veracidade dos nomes na certidão de nascimento, bem como a inexistência de prejuízo para terceiros. Daí a solução justa e humana, sem levar em conta o rigorismo da lei registrária, para conforto dos interesses da criança, assegurados na Lei n. 8.069/90 (ECA), em harmonia com iguais interesses manifestados por seus genitores.

A parentalidade socioafetiva jé é reconhecida no direito brasileiro. O art. 50 da “Lei Maria da Penha” considera como família “a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”.

As relações madrasta/padrasto, enteado/enteada, decorrentes do grupo familiar nascido de um novo relacionamento dos genitores, após a separação, representam desafios na convivência familiar. A busca de uma harmonia deve ser o objetivo comum.

Entende-se como “posse de estado de filho” um conjunto de comportamentos e atitudes que refletem uma relação de afeto com uma pessoa, seja ela criança, jovem ou um adulto. Para que se caracterize a “posse de estado de filho”, é necessário que dirijam a ele os mesmos cuidados, carinho e a mesma formação que dariam se pais biológicos fossem. O direito de usar o sobrenome é a expressão máxima deste compromisso.

Alerte-se, no entanto que, pela leitura da nova lei, é necessário que seja mantido o nome original, ao qual será agregado o sobrenome do padrasto.

Na lição de Zeno Velloso, a leitura literal é perniciosa, e que não deve ser tão radical sua interpretação. A lei é feita para facilitar, simplificar, e não para atormentar ou complicar a vida das pessoas. Devemos presumir que o legislador é sábio, prudente, dotado de bom senso. Exigir que uma pessoa que tenha motivos bastantes para mudar o sobrenome seja obrigada a permanecer com aquele originalmente registrado significa flagrante contradição. 

Caberá ao julgador cuidadoso avaliar os motivos que conduziram o requerente àquela pretensão. Se estiver diante de descuido, negligência, abandono ou comportamentos comprovadamente abusivos por parte do pai biológico, vemos com reserva a obrigatoriedade da permanência do sobrenome constante do registro.

Finalmente, o nome civil da pessoa é seu elemento identificador na sociedade. Trata-se de direito de personalidade, assim expresso no artigo 16 do Código Civil brasileiro.  Sua alteração somente é possível mediante autorização judicial, quando a lei a permita. As expressões de afeto, cuidado e responsabilidade, mais uma vez, falam mais alto nas relações familiares. 

 

Fonte: IBDFam