Artigo – Do princípio da imutabilidade do nome – Por Fausto Carpegeani de Moura Gavião

Por Fausto Carpegeani de Moura Gavião – escrivão substituto

Há diversas maneiras de identificar e individualizar cada ser humano dentro do grupo social. Uma das maneiras é pelo nome. Através do mesmo, podemos  nos identificar, além de interagir social, familiar e profissionalmente com o mundo.

 Toda pessoa tem direito ao nome, sendo um dos mais importantes atributos da personalidade, por ser o identificador principal das pessoas.

Temos o conhecimento, que todas as pessoas têm direito ao nome, mas muitas vezes o mesmo, ao invés de ser considerado um direito ao cidadão, é considerado uma violação.

A imutabilidade do nome civil é um princípio de ordem pública, em razão de que sua definitividade é de interesse de toda a sociedade, constituindo garantia segura e eficaz das relações de direitos e obrigações correlatas.

Procura-se evitar que a pessoa natural a todo instante mude de nome,seja por mero capricho, ou até mesmo má-fé,visando ocultar sua identidade, o que poderá se traduzir em prejuízo a terceiros.

Assim, a lei e a jurisprudência restringem de forma significativa à possibilidade das pessoas alterarem o seu próprio nome como gostariam. Mais uma vez, observamos o Estado comandando todos os nossos passos, inclusive o direito de termos o nome que nos convém.

Temos ciência, que de alguma forma, deve ser mantido o princípio da inalterabilidade do nome, uma vez que, devemos atentar a não ferir a incolumidade pública, mas os julgadores, ao terem casos de pedidos de alteração do nome, devem tentar não ser tão taxativos e retrógrados, observando fundamentalmente a dignidade da pessoa humana.

Mas tal princípio não é absoluto, pois embora o nome não possa ser alterado ao simples arbítrio de seu portador,certos acontecimentos o justificam,havendo previsão neste sentido na legislação vigente, o que possibilita a alteração do nome em situações especiais, conforme previsões expressa dos artigos 56 e 57, caput, da Lei de Registros Públicos (lei 6.015/73), que diz:

Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.

Art. 57 – Qualquer alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandato e publicando-se a alteração pela imprensa.

           Nos termos do referido artigo 56 da Lei 6.015/73, abre-se a possibilidade para que no primeiro ano após a maioridade civil, tenha o interessado, seu nome alterado, mas a legislação limita esta alteração, protegendo os apelidos de família, que não poderão ser prejudicados.

          Nesse sentido, tem entendido nossos Tribunais:

“NOME DE FAMÍLIA – Supressão. Inadmissibilidade. Abandono do requerente, em tenra idade, por seu pai. Irrelevância. Patronímico que é fundamental do nome. Inteligência do artigo 56 da Lei 6.015/73. O que deve ser extrair do disposto no artigo 56 da Lei 6.015/73 é que os apelidos (no plural) de família, tanto paterno quanto materno, não podem ser prejudicados, em qualquer pedido de alteração. Outrossim, são irrelevantes quaisquer elementos subjetivos que procurem justificar a supressão, como o abandono do requerente, em tenra idade, por seu pai, que nunca mais voltou a procurá-lo, nem lhe deu assistência alguma. Assim, o patronímico paterno é elemento fundamental do nome. Realmente, é o sinal revelador da procedência da pessoa, indicando sua filiação, sua estirpe”¹

“BEM DE FAMÍLIA – Supressão. Inadmissibilidade. Patronímico que não pertence exclusivamente ao detentor, mas a todo grupo familiar, côo entidade. Recurso improvido. Artigos 56 e 57 da Lei 6.015/73. A alteração do nome é permitida em caráter excepcional, quando não prejudicar os apelidos de família. É a regra contida nos artigos 56 e 57 da Lei 6.015/73, mas repita-se, desde que não importe em prejuízo ao patronímico de família, ou seja, não pode ser suprimido nem modificado, uma vez que não pertence exclusivamente ao detentor, mas a todo grupo familiar, como entidade”²

          Abstrai-se do próprio enunciado do dispositivo, consolidado pelos Tribunais, uma proteção especial ao nome de família, visto que o sobrenome caracteriza a pessoa como parte de um grupo familiar dentro do meio social em que vive, sendo que pelo grande significado na designação das famílias é considerada pelos autores a parte mais importante do nome.

         Necessário salientar que o requerimento do interessado deve ingressar judicialmente, descabível, portanto, pedido formulado diretamente ao Oficial do Registro Civil onde se ache lavrado seu assento de nascimento, como pode parecer da interpretação literal do respectivo artigo, pois o mesmo deve ser aplicado em conjunto com o artigo 40 da mesma Lei 6.015/73, que diz que “fora da retificação feita no ato, qualquer outra só poderá ser efetuada em cumprimento de sentença, nos termos dos artigos 109 a 112”.

Quando alguém ingressa na Justiça com a finalidade de alterar seu nome, com certeza há um motivo extremamente relevante na sua grande maioria. Cabe assim, não levar a lei tão a ferro e fogo, e sim, os motivos que levaram esse cidadão a tal medida.

A regra, em relação ao prenome é o da imutabilidade. A lei 9.709/98 surgiu no ordenamento jurídico, acompanhando a evolução do mundo, alterando em alguns casos esse princípio, até então vigente em nosso país.

 

A Lei 9.708/98, de autoria do deputado paulista Arnaldo Faria de Sá, alterou a redação do artigo 58 da Lei 6.015/73, que previa a imutabilidade do prenome.

 

Verifica-se que a atual redação aduz que “o prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios. Parágrafo único: Não se admite a adoção de apelidos proibidos por lei.”

 

Podemos observar, que o princípio da imutabilidade não é absoluto. Em princípio, o nome não pode ser modificado, porém, em casos excepcionais e desde que justificados, a lei e a jurisprudência permitem a retificação ou alteração do mesmo.

A modificação do nome é admitida nos seguintes casos:

 a) Erro gráfico evidente – O artigo 58, parágrafo único, da Lei de Registros Públicos aduz: “O prenome será imutável. Quando, entretanto, for evidente o erro gráfico do prenome, admite-se a retificação, bem como a sua mudança mediante sentença do juiz, a requerimento do interessado, no caso do parágrafo único do artigo 55, se o oficial não o houver impugnado”. A mudança nesse caso poderá ser feita a qualquer tempo, devendo o erro ser exclusivamente na letra ou haver letras repetidas.

A correção de erros de grafia poderá ser processada no próprio Cartório, onde se encontrar o assentamento, mediante rito sumaríssimo, de acordo com o artigo 110 da Lei dos Registros Públicos.

 b) No primeiro ano após a maioridade

 Independentemente de justificação, poderá o interessado alterar seu nome, desde que não prejudique o sobrenome, de acordo com o artigo 56 da Lei de Registros Públicos, que reza: “O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.”    

Nesse caso, apenas o nome poderá ser alterado, deixando o sobrenome intacto.

Esgotado esse prazo, a retificação só poderá ser judicial e muito bem fundamentado.

 c) Nomes vergonhosos e ridículos

 O artigo 55, parágrafo único da Lei de Registros Públicos, aduz: “Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do juiz competente”.

Como expõe a autor Ézio Luiz Pereira acertadamente: “ridículo é um adjetivo que significa digno de riso, merecedor de escárnio ou zombaria, que se empresta à exploração do lado cômico, irrisório, risível; que tem pouco valor”.

As alterações do nome neste caso poderão ser requeridas a qualquer tempo, desde que qualquer parte do nome (prenome ou sobrenome), cause ao usuário grandes constrangimentos. Cabe salientar, que a petição deve ser extremamente bem fundamentada.

Em casos como este, será necessário apresentar uma petição à Vara de Registros Públicos, justificando as razões pelas quais o nome ou o sobrenome causa constrangimento.

 d)  Uso

  O uso prolongado e constante de um nome diverso do registrado na certidão de nascimento, poderá ser alterado a qualquer tempo. O interessado deverá ingressar na Vara de Registros Públicos, apresentando (03) três testemunhas que confirmem  que a pessoa é conhecida por outro nome.

  e)  Inclusão de alcunha ou apelido

 Nesse caso, igualmente ao do “uso”, o interessado deverá ingressar na Vara de Registros Públicos, apresentando (03) três testemunhas que confirmem que a pessoa é conhecida por outro nome. Também pode ser requerido pelo interessado a qualquer tempo.

 É possível substituir o primeiro nome pelo apelido, acrescentar o apelido antes do primeiro nome ou inseri-lo entre o nome e o sobrenome.

Como exemplo clássico podemos citar o atual Presidente da República, que acrescentou ao seu nome, o pseudônimo Lula, passando de Luiz Inácio da Silva para Luís Inácio Lula da Silva.

 f) Homonímia

 Muitas vezes, o requerente se vê extremamente prejudicado na sua vida civil, como nomes homônimos, às vezes, tendo contratempos até com perda de crédito.

Nesse caso, o requerente poderá solicitar a mudança a qualquer tempo. Em regra, adiciona mais um prenome, ou patronímico materno, mantendo-se o paterno, ou adiciona sobrenomes dos avôs.

O interessado deverá apresentar uma petição à Vara de Registros Públicos, aduzindo os laços com a pessoa cujo sobrenome quer adotar, exceto se o sobrenome for o materno, que dispensa justificativa.

 g) Tradução

 Nos nomes próprios de origem estrangeira, o interessado, possui a possibilidade de tê-los de forma aportuguesada ou em sua versão original.

Caso haja interesse do mesmo, esse poderá optar pela tradução a qualquer tempo.

Nesse caso, há uma prerrogativa da lei 6.815/90, no artigo 43, quando estiver o “nome” comprovadamente errado, o nome for com sentido pejorativo, expondo o indivíduo titular do mesmo ao ridículo, ou tiver pronunciação e compreensão difícil.

 h) Vítimas e testemunhas

 A lei admite a alteração do nome, quando vítimas ou testemunhas estiverem sob ameaça, com o objetivo de proteção. Caso haja necessidade, este benefício se amplia aos seus familiares.

Assim, em casos de apuração de delitos, a lei oferece normas para a organização de programas especiais de proteção a vítimas e as testemunhas ameaçadas.

Essa alteração, como mencionado acima, poderá estender-se ao cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, dependente que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha (Lei n° 9.807/99).

 i) Mudança de sexo

 Poderá o interessado a qualquer tempo requerer a alteração do nome. Essa alteração, porém, só será permitida para o prenome, isto é, não é possível a alteração do sobrenome.

O requerente deverá apresentar uma petição a Vara da Família, aduzindo ao juiz competente, que foi submetido à operação de mudança de sexo ou mesmo que possui um sexo psíquico diferente do sexo físico. O coração dessa possibilidade é não ferir o princípio dos princípios: O princípio da dignidade humana.

Observa-se que ação de redesignação de estado sexual, não tramita na vara de registros públicos, e sim, em Varas de família, por se tratar de ação de estado civil.

  A lei determina limites nas possibilidades de alterações dos nomes das pessoas, porém, tem o dever de verificar caso a caso, para que as mesmas possam ter condições de mutabilidade dos prenomes, caso, possua qualquer  problema plausível com a utilização do seu nome, uma vez que é obrigada a carregar consigo pelo resto de suas vidas, trazendo em muitos casos, danos irreparáveis.

Se o direito ao nome é fundamental, a dignidade da pessoa humana é incomparavelmente maior.

          Logo, vê-se que a imutabilidade do nome não é incondicional, ante a existência de dispositivos legais que tutelam tais retificações, fundadas nas diversas causas que justificam as alterações ou até mesmo a mudança de nome, com a possibilidade de dar-lhe nova composição, modificando-o, ampliando-o ou restrigindo-o, sempre com a atenção especial no sentido de manter a valorização do nome de família.

¹ Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, 01/12/94, RT 714/125

² Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, 11/06/92, RT 693/121

 

Bibliografia

1) DINIZ, Maria Helena. “Curso de Direito Civil Brasileiro, Direito de Família” – vol. V. 22  .

2) CENEVIVA, Walter. “Lei de Registro Públicos Comentada” – 18ª edição.

3) JÚNIOR, Regnoberto M. de Melo. “Lei de Registro Público” – 1º volume.

4) PEREIRA, Caio Mário da Silva. “Instituições de Direito Civil, Direito de Família” – vol. V. 16ª edição.