Os casamentos já não são como os de antigamente, mas o brasileiro tem casado mais nos últimos anos. Só em 2014, foram 1,1 milhão de registros entre cônjuges masculino e feminino; 5,1% mais que em 2013; e 4.854 entre pessoas do mesmo sexo. Tem se separado mais também. A mais recente edição das Estatísticas do Registro Civil divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativa a 2014, é resultado da coleta das informações em cartórios, varas de família e tabelionatos de notas de todo o país. O documento mostra as transformações na sociedade brasileira ao longo de 40 anos e lança reflexões: O que mudou e o que permanece?.
Na década de 1970, a taxa de nupcialidade ficava em torno de 13%. Isso significava 13 casamentos por mil habitantes de 15 anos ou mais. Na década de 1980, essa taxa começou a declinar, apresentando valores em torno de 11%. Na década de 1990, ocorreu queda mais acentuada da série, com a taxa passando de 7,96% para próximo a 7% na década seguinte. Mas entre 2013 e 2014, os índices de nupcialidade cresceram de 6,9% para 7,1%. Os casamentos homoafetivos, que não deixam de ser uma novidade nesse período, contribuem pouco para esse crescimento.
Para entender a percepção do brasileiro a respeito de sua própria vida, e o que almeja para ser mais feliz, a pesquisa “O que é para o brasileiro viver ao máximo” ouviu mais de 5 mil brasileiros de todas as regiões. A proposta da Abbott, empresa global de cuidados para a saúde, era entender o que é fundamental para uma vida plena, hoje e no futuro, e quais os principais obstáculos para conquistar esse objetivo. A vida familiar ganhou as maiores notas quando os entrevistados foram convidados a pontuar como diversos aspectos contribuíam para sua felicidade. Família, filhos e pais foi a resposta de 86% deles sobre o que consideram essencial para viver ao máximo.
Para a arquiteta Rísia Botrel, de 45 anos, constituir família é uma busca natural do ser humano. Foi para ela também. Há 11 anos, Rísia e a servidora pública Karina Medeiros, de 36, têm um relacionamento. Em 2014, a escritura declaratória de convivência que fizeram em um cartório desde que estão juntas foi convertida em casamento. Há um ano e sete meses nasceu a filha do casal, Nina, completando o núcleo familiar. “Não procurava reconhecimento, mas para transitar como uma família 'normal' na sociedade você precisa ter uma postura de família 'normal'. Casar, ter filhos e assumir esse papel é algo natural, seja o casal homo ou hétero”, acredita Rísia.
As legítimas e novas configurações familiares contribuíram para um outro olhar sobre o casamento. Para Cláudia Prates, psicoterapeuta sistêmica de família e de casal, esse nasceu como um ritual machista de entrega de uma virgem a um homem. E os pais chegavam a pagar um dote por isso. “Muita coisa mudou, mas muita coisa se mantém, como a ideia de dar visibilidade pública a uma escolha. No passado, grande parte dessa decisão não era afetiva, representava necessidades, conveniências, interesses. Isso não é mais maioria, mas persiste. Muitos casamentos ainda buscam estabilidade social e econômica, legitimidade sexual, aquisição de direito”, reflete.
Com a experiência no atendimento a casais em seu consultório, Cláudia acredita que o casamento presenteia com algumas coisas, mas cobra outras. “O que mais mantém a busca pelo casamento é a necessidade do sonho, não no sentido de desejo concretizado, mas a busca de uma ilusão de que o outro vai resolver minha vida, de que vou ser completamente feliz, de que tudo de que preciso está nesse relacionamento”, explica. Para Cláudia, isso é responsável pelo fracasso de muitos casamentos, o que geralmente é atribuído a um dos cônjuges. “Na verdade, é um desaponto com a própria expectativa de um desejo colocado no lugar errado”, diz.
Por que o brasileiro, então, tem voltado a valorizar o casamento?
HOMENS TOMAM A INICIATIVA
Número de matrimônios nos últimos 40 anos revela transformações na sociedade.
O aumento de uniões hétero e homoafetivas mantém inabalável o valor de família
Por que as pessoas se casam? O que esperam do matrimônio? Quem toca primeiro no assunto? A forma como as pessoas encaram a ideia de um casamento não é comum, mas uma pesquisa mundial com 15 mil pessoas de 20 países diferentes, entre eles o Brasil, revela alguns padrões e outras particularidades. Trata-se da segunda edição da Ziwo, idealizada pelo portal Zankyou, de organização de casamentos. Chama a atenção o orçamento médio mundial para fazer um casamento: R$ 56 mil. O brasileiro, famoso por preferir grandes cerimônias – de todos os países ouvidos, temos as maiores festas em números de convidados – gasta em média R$ 48 mil.
E quem fala primeiro sobre o casamento? Esse tema, que revela uma visão heteronormativa do estudo, é bem dividido mundialmente: em 56% das vezes são os homens que tocam no assunto, enquanto o percentual das mulheres é de 44%, mesmo índice do Brasil. Peru e México mantêm-se mais tradicionais nesse quesito. Por lá, em 73% das ocasiões são os homens que tocam no assunto. E o casamento, em si, ocorre, em geral, até o fim do segundo ano de namoro. Os casais brasileiros não fogem ao comportamento mundial, com aproximadamente 40% dos casamentos nesse período.
A pesquisa corrobora os recentes dados da série histórica das Estatísticas do Registro Civil (1974 a 2014) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A idade média dos homens ao se casar, segundo o instituto, passou de 27 para 30 anos, enquanto a das mulheres foi de 23 para 27 anos. Já nos casamentos homoafetivos, em 2014, a idade média observada foi de 34 anos, tanto para homens quanto para mulheres. Dos 20 países ouvidos pela pesquisa, os brasileiros são os que se casam mais cedo. O casal de advogados Maria Carolina Faria Dutra, de 29 anos, e Flávio Augusto Ribeiro Arêdes, de 31, estariam, então extrapolando a média.
Juntos desde 2011, eles se conheceram por meio de amigos em comum. “Estava de malas prontas para fazer um mestrado em Portugal, onde moraria por pelo menos um ano. Ou seja, sem a menor perspectiva de conhecer alguém, até porque faltava pouco mais de um mês para a minha partida. No entanto, acabamos ficando e nos apaixonamos. Fui embora com o coração superapertado e preferimos não assumir qualquer compromisso. Quando retornei, tínhamos tomado caminhos distintos e ficamos separados por um ano. Até que um dia voltamos a conversar e combinamos de nos encontrar. Não nos separamos mais”, lembra Maria Carolina.
A decisão pelo casamento ocorreu de forma natural. “Sempre tivemos muita afinidade e a certeza de que gostaríamos de construir uma vida juntos. Um dia, ficamos sabendo que a agenda de 2016 da igreja onde queríamos nos casar já estava quase esgotada. Então, resolvemos ir até lá para confirmar e decidimos marcar 'para garantir', com a promessa de que seria um segredo nosso. Ficamos tão empolgados e felizes que o segredo não durou um dia. Mas ficamos noivos depois, durante uma viagem para Praga”, recorda.
Para Flávio, a possibilidade do casamento foi percebida logo no início. “Sempre quis me casar e constituir família, mas nunca sonhei com os detalhes dos preparativos. Acho que os homens costumam pensar em casamento, porém ficam mais voltados para o relacionamento em si do que para o evento”, acredita o noivo. “É o início de uma nova família, que terá como base muito amor e respeito para superar as dificuldades que certamente virão”, espera Maria Carolina.
O AMOR É O PRINCIPAL
Independentemente de idade ou sexo, a maioria dos casais busca reafirmar,
com o casamento, o comprometimento com a relação e o afeto entre as partes
Independentemente da idade, o principal motivo para o casamento hoje é o amor. Pelo menos assim responderam 93% dos noivos ouvidos por pesquisa mundial. O curioso é que entre todos os 20 países consultados, o Brasil se destaca pela importância da religião na decisão do casamento. Dezesseis por cento dos ouvidos se casam por esse motivo. Só Portugal ganha de nós nesse quesito, com 18%. Pelo jeito, não podemos negar as origens e sua influência em nossa cultura. Apesar de a oficialização do relacionamento já não ter o peso de antes, persiste uma pressão social, mas também sonhos de compartilhar coisas boas. No fim, casa-se por vários motivos.
O advogado Flávio Arêdes, por exemplo, quer se casar pelos valores familiares e pela tradição do que considera um momento para “ser abençoado e celebrado”. Sua noiva, Maria Carolina Dutra, quer celebrar com as pessoas que ama a bênção de ter em sua vida alguém especial. A advogada Cecília Bicalho Fernandes, de 28 anos, e o engenheiro Eduardo Silveira Gonçalves, de 27, também vão se casar em 2016. “Sempre sonhei com isso, desde a expectativa de ser pedida em casamento, todos os preparativos, sonhos e ansiedades”, comemora. Ele diz ter uma “enorme felicidade e satisfação em estar com ela e apoiá-la na realização de seus sonhos”.
Cecília e Eduardo estudaram juntos no colégio. E eram muito amigos. Os dois começaram a “ficar” quando ela já estava na faculdade. “Até que, um dia, eu o convidei para o aniversário de uma priminha, e ele perguntou: – 'Você está me pedindo em namoro?' Eu disse que não, mas a verdade é que já estávamos apaixonados”, conta Cecília. O casal namorou oito anos antes de noivar. “Já tínhamos uma relação sólida e o Dudu estava mudando de carreira. Com a vida mais estabilizada e o desejo de estar juntos, vimos que já era a hora de pensar em casamento. Vai ser na igreja e com direito a festa, como manda o figurino.
Eduardo acredita que os homens imaginam constituir uma família e viver a vida ao lado de quem se ama. O momento casamento, o evento em si, entretanto, seria mais um sonho feminino. “A vida em casamento é um sonho do casal”, acredita. Para Cláudia Prates, psicoterapeuta sistêmica de família e de casal, embora tudo comece de uma escolha de duas pessoas, a lealdade da mulher ao casamento é maior. “Ele dá a ela uma estrutura de família. O desejo feminino pela segurança doméstica é maior.” A especialista reforça, ainda, o fato de o casamento envolver um aspecto de aprovação sexual. “Para muita mulher, ainda é vergonhoso estar solteira. O casamento é uma validação pública”, acredita.
É essa necessidade que teria feito o casamento se tornar um evento cada vez mais sofisticado. Mas Cláudia defende a importância de um marco. “Mesmo aquelas pessoas que não querem se casar no civil ou no religioso deveriam escolher um dia para trocar um voto entre si. Essa oficialização da responsabilidade dessa escolha é importante para a pessoa. A materialização disso pode ser um pequeno movimento, entre as duas pessoas envolvidas apenas, para representar que elas trocam sonhos, compromisso, responsabilidades consigo e com o outro. Tão legítimo quanto selar esse compromisso, mesmo que simbolicamente, é optar apenas por um casamento civil, que deixe claros os direitos do casal, inclusive em relação ao patrimônio.”
SEGURANÇA O cirurgião plástico Roberto Zimmer Prados, de 60, e a psicóloga e professora aposentada da UFMG Maria Sônia Martins, de 66, estão juntos há 40 anos. Do sólido relacionamento nasceram dois filhos, mas só muito recentemente, em 2014, eles revolveram se casar. Sônia conta que 10 anos atrás eles já tinham cogitado a ideia. “Pensamos no patrimônio que construímos juntos e como um casamento poderia facilitar nesse aspecto”, comenta. Mas era preciso correr atrás de certidões de nascimento originais e, com a dificuldade, passou a vontade. Foi no casamento da filha, quando teve que ir ao cartório com a sogra dela assinar um documento, que o assunto voltou.
“No documento me consideravam casada com o Roberto e pedi para corrigir. Ao chegar em casa, comentei com ele, que disse: – 'Uai, então vamos nos casar.' Dois dias depois ele já tinha arrumado a certidão”, lembra Sônia. Não houve cerimônia, mas eles foram ao cartório e chamaram os filhos para um almoço, o gesto simbólico defendido por Cláudia. “Não mudou absolutamente nada. Do ponto de vista da relação, nem havia esse objetivo. Do ponto de vista legal, pode facilitar. O casamento civil não significa nada, a não ser essas facilidades legais. Importante mesmo é a ligação entre o casal, o amor, a dedicação. Para a sociedade e para as pessoas com quem convivemos já éramos vistos como casados”, comenta.
Para Karina Medeiros, essa segurança jurídica e patrimonial também pesou na decisão de se casar com Rísia Botrel. “Não estou dizendo que a união estável que já tínhamos não garantia direito sucessório, mas com o casamento é mais fácil.” A luta pelo casamento homoafetivo teve também um aspecto afirmativo. “Muitos homossexuais não oficializam sua relação porque existe uma mentalidade de que,. se já viveram à margem até ali, não há motivo para oficializar. Mas isso está mudando, mais casais estão oficializando suas relações. A família é a base do Estado e merece e deve receber toda a proteção dele, seja qual for sua formação, seja que família for”, defende.
De acordo com o IBGE, entre cônjuges de mesmo sexo, em 2014, houve 4.854 registros de casamentos (0,4% do total de casamentos), dentre os quais 50,3% (2.440) eram entre cônjuges femininos, e 49,7% (2.414) entre cônjuges masculinos. A partir de 14 de maio, quando se iniciaram os registros dos casamentos homoafetivos, até o fim de 2013, foram registrados 3.701 casamentos. Observou-se que o Sudeste (60,7%) concentrou o maior percentual de uniões homoafetivas, seguido, em proporções bem menores, pelas regiões Sul (15,4%); Nordeste (13,6%); Centro-Oeste (6,9%) e Norte (3,4%).
Fonte: Correio Web