A equiparação da união estável ao casamento revela-se como uma tendência no Brasil, observada tanto na legislação como na jurisprudência.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2017, por meio do Recurso Extraordinário 646.721, declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil (CC) e fixou tese vinculante em sede de repercussão geral (tema 498) no sentido da inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, determinando a aplicação do art. 1829 do CC à união estável.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), são diversos os julgados que estendem à união estável os mesmos direitos e deveres relativos ao casamento. No AREsp 249923/SC, de Relatoria do Min. Gurgel de Faria, decidiu-se que:
“Não se pode (…) vislumbrar a equiparação entre cônjuge e companheiro apenas na seara dos direitos, mas também na dos deveres, sob pena de ganhar força a tese de que ao primeiro (o cônjuge) restrições são impostas e ao segundo (o companheiro) isso não acontece, quando deveria ocorrer (se ele é equiparado àquele no tocante aos direitos)” [1].
O Código de Processo Civil (CPC) contém inúmeros dispositivos que conferem tratamento idêntico aos cônjuges e companheiros, a exemplo do art. 73, que trata do consentimento do cônjuge para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, que se aplica à união estável comprovada nos autos e dos arts. 616 e 617, que reconhecem a legitimidade do companheiro para a abertura do inventário e para ser nomeado como inventariante[2]. Essas regras repercutem na esfera dos direitos materiais dos companheiros, conforme já analisaram Flávio Tartuce[3] e Maria Berenice Dias[4].
Em razão dessa equivalência, apesar de seu traço característico fundamental – a informalidade – tem sido cada vez mais necessária a comprovação da união estável, cuja formalização geralmente ocorria por instrumento particular ou por escritura pública declaratória, além da possibilidade da propositura de ação declaratória de reconhecimento da referida entidade familiar.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 07.07.2014, editou o Provimento nº 37, que dispõe sobre o registro de união estável no Livro “E” do registro civil das pessoas naturais. Em sua redação original, apenas dois títulos eram admitidos a registro: a sentença declaratória de reconhecimento e dissolução e a escritura pública de reconhecimento ou dissolução de união estável. Note-se que o instrumento particular, embora de possível utilização, não poderia ser levado a registro e o STJ já decidiu que o instrumento particular de união estável não registrado não produz efeitos em relação a terceiros[5].
Se a comprovação da união estável se revela importante, mais relevante ainda é a definição do seu início ou período de duração, notadamente em face de suas repercussões patrimoniais e sucessórias.
A esse respeito, o art. 7º, §2º do Provimento 37 fazia referência tão somente à decisão judicial: “Contendo a sentença em que declarada a dissolução da união estável a menção ao período em que foi mantida, deverá ser promovido o registro da referida união estável e, na sequência, a averbação de sua dissolução”.
Quanto à escritura pública declaratória da união estável, é bastante comum a inserção da data de seu início, quase sempre anterior à data da lavratura do instrumento. Os efeitos patrimoniais decorrentes dessa declaração, em princípio, produzem-se apenas entre os companheiros. Para a sua oponibilidade em relação a terceiros, seria indispensável o seu registro. Ocorre que, nos termos da redação original do art. 5º do Provimento 37, os efeitos da escritura permaneceriam restritos aos companheiros, mesmo após o seu registro, a não ser que os terceiros tivessem participado do instrumento[6].
Em ações judiciais relativas aos companheiros, a data inserida na escritura pública geralmente é considerada como válida porque foi aquela por eles reconhecida, a não ser que haja prova em sentido contrário[7]. Em demandas de inventário, percebe-se que as cláusulas constantes da escritura são também reputadas válidas e eficazes a priori e que, se houver qualquer questionamento acerca de seu conteúdo, inclusive quanto ao período de duração da união, as partes devem fazê-lo pelas vias ordinárias[8].
Destaque-se que o STJ admite o reconhecimento da união estável em sede de inventário quando comprovado por documentos não impugnados e a questão do marco inicial da união estável apenas poderá impedir esse reconhecimento “se houver demonstração concreta de que a partilha será prejudicada pela indefinição da duração do relacionamento marital”[9]. Importante também referir que, nos termos do art. 18 da Resolução 35/2007 do CNJ, a união estável pode ser reconhecida no próprio inventário, se houver consenso entre os herdeiros.
A Medida Provisória 1.085, de 27.12.2021, que tinha por principal objeto a criação do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP), terminou por promover outras alterações na Lei de Registros Públicos (LRP), mas nada dispôs acerca da união estável. Quando de sua conversão em lei, entretanto, dando origem à Lei 14.382, de 27.06.2022, várias foram as regras relativas à união estável inseridas na LRP: a) possibilidade de modificação dos nomes dos companheiros (art. 57, §§2º e 3º-A); b) procedimento da conversão da união estável em casamento (art. 70-A); c) certificação eletrônica da união estável perante o registro civil das pessoas naturais (art. 70-A, §6º; d) registro da união estável no Livro “E” (art. 90-A); e) e ampliação dos títulos hábeis a registro, fazendo o art. 90-A menção às sentenças declaratórias de reconhecimento e dissolução, aos termos declaratórios formalizados perante o oficial de registro civil e às escrituras públicas declaratórias de reconhecimento ou de dissolução de união estável; e f) alteração do regime de bens da união estável.
O Conselho Nacional de Justiça, após provocação da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpenbrasil) (Pedido de Providências nº 0006113-43.2013.2.00.0000), alterou o Provimento nº 37/2014, por intermédio do Provimento nº 141/2023, a fim de adequá-lo às disposições da LRP após a vigência da Lei 14.382/2022.
Foram regulamentados diversos aspectos relativos à união estável, alguns deles que inclusive não constam da LRP: a) atualização das regras relativas ao registro da união estável (arts. 1º e 2º), com expressa previsão de que o registro tem a finalidade da produção de efeitos em relação a terceiros (art. 1º, §1º); b) indicação e regulamentação dos títulos admitidos a registro ou averbação, quais sejam: sentenças declaratórias do reconhecimento e de dissolução da união estável; escrituras públicas declaratórias de reconhecimento ou de dissolução da união estável; termos declaratórios de reconhecimento e de dissolução de união estável formalizados perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, exigida a assistência de advogado ou de defensor público no caso de dissolução da união estável (art. 1º, §3º e art. 1º-A); c) delimitação dos requisitos para inserção das datas de início ou de fim da união estável em caso de registro do seu reconhecimento ou da sua dissolução (art. 1º, §§4º e 5º); d) alteração do regime de bens na união estável (arts. 9º-A e 9º-B); e) conversão da união estável em casamento (art. 9º-C a 9º-G); e f) regulamentação da certificação eletrônica da união estável (art. 9º-F); e g) regulamentação da alteração extrajudicial do regime de bens da união estável.
No que concerne ao objeto do presente texto – a certificação eletrônica da união estável – a LRP apenas lhe faz referência no art. 70-A, §6º (com as alterações da Lei 14.382/2022): “Não constará do assento de casamento convertido a partir da união estável a data do início ou o período de duração desta, salvo no caso de prévio procedimento de certificação eletrônica de união estável realizado perante oficial de registro civil”.
Pelo texto da LRP, portanto, a certificação eletrônica da união estável seria o procedimento necessário para a inclusão da data de início ou do período de duração da união estável no registro da sua conversão em casamento, que teria curso perante o registro civil das pessoas naturais.
O Provimento 141 do CNJ, entrementes, foi além. No art. 1º, §4º, estabeleceu que o registro de reconhecimento ou de dissolução da união estável no Livro “E” do Registro Civil de Pessoas Naturais (artigo 33, parágrafo único, LRP) somente poderá indicar as datas de início ou de fim da união estável se tais datas constarem de um dos seguintes meios: I – decisão judicial; II – procedimento de certificação eletrônica de união estável realizado perante oficial de registro civil; III – escrituras públicas ou termos declaratórios de reconhecimento ou de dissolução de união estável, desde que: a) a data de início ou, se for o caso, do fim da união estável a ser inserida no registro corresponda à data da lavratura do instrumento; e b) os companheiros declarem expressamente esse fato no próprio instrumento ou em declaração escrita feita perante o oficial de registro civil das pessoas naturais quando do requerimento do registro.
Para que do registro conste o termo inicial da união estável, portanto, ou os companheiros deverão lavrar a escritura pública declaratória de seu reconhecimento no dia em que decidirem constituir tal entidade familiar (o que se revela, no mínimo, inadequado, já que a união, para ser estável, precisa ser duradoura) ou deverão adotar uma das seguintes condutas: a) propor ação judicial para que haja o reconhecimento da união estável e para a fixação da sua data de início; b) caso tenham optado pela lavratura da escritura pública ou do termo declaratório da união estável sem a certificação, propor ação judicial apenas para a fixação da sua date de início; e c) promover o procedimento da certificação eletrônica da união estável, nos termos do art. 9º-F do Provimento 141 do CNJ, perante o registro civil das pessoas naturais.
Isso significa que a data de início, eventualmente inserida na escritura pública ou no termo declaratório, anterior à sua lavratura, não pode ser inserida no respectivo registro no Livro “E”. O registro da escritura pública ou do termo declaratório somente ensejará a inclusão da data de início da união estável se corresponder à data da lavratura do instrumento e se os companheiros assim o declararem (na escritura, no termo ou perante o registrador civil).
Isso significa que a data de início da união estável constante da escritura ou do termo declaratório, se anterior à de sua lavratura, produzirá apenas efeitos inter partes.
Em caso de conversão em casamento, para que sejam inseridas as datas de início e/ou de fim da união estável no registro respectivo, devem ser observadas as mesmas regras (art. 1º, §4º e art. 9º-F do Provimento 141 do CNJ), conforme previsão do art. 9º-C, inciso III.
Quanto à certificação eletrônica da união estável, constante do art. 9º-F do Provimento, observa-se que houve uma desjudicialização do procedimento de fixação da data de início ou do período da duração da união estável para o registro civil das pessoas naturais.
Em regra, a inserção das datas de início e/ou de fim na escritura pública ou no termo de reconhecimento ou de dissolução da união estável tem por base exclusivamente a declaração dos companheiros, não havendo qualquer exigência de comprovação dessas datas, nem é realizado nenhum procedimento pelo tabelião ou pelo registrador civil para que seja levada a efeito essa demonstração.
Assim é que essas datas podem ser questionadas por terceiros que não participaram da lavratura de tais instrumentos públicos, dada a inexistência do efeito de sua oponibilidade erga omnes. Até a edição da Lei 14.382/2022 e, posteriormente, do Provimento 141/2023 do CNJ, esse questionamento e, em consequência, a definição dessas datas apenas poderia ocorrer judicialmente e com a característica da definitividade, decorrente da coisa julgada material.
Com a possibilidade da certificação eletrônica da união estável perante o registro civil das pessoas naturais, percebe-se que a lei atribuiu às serventias extrajudiciais a função de definir a data de início ou o período da duração da união estável, a partir da análise das provas produzidas pelos companheiros na via extrajudicial, desjudicializando, portanto, o procedimento.
Seguindo a tendência da desjudicialização no Brasil, restou estabelecida a sua natureza facultativa, de forma que os companheiros podem escolher entre as vias judicial ou extrajudicial para certificar a data de início ou o período de duração da união estável.
Deve ser formulado pedido expresso pelos companheiros para que constem do registro (no Livro “E” da união estável formalizada por escritura pública ou termo declaratório ou no Livro “B”, em caso de sua conversão em casamento) as datas de início ou de fim da união estável, pedido que poderá ser eletrônico ou não.
A certificação tem o fim específico de ensejar a inserção das datas de início e/ou de fim da união estável no registro conferindo eficácia erga omnes a essa informação, ou seja, no registro da escritura pública ou do termo declaratório no Livro “E” ou no registro da conversão da união estável em casamento.
Em havendo requerimento de registro da união estável no livro “E”, o pedido de certificação deve ser formulado perante o ofício do registro civil das pessoas naturais em que os companheiros têm ou tiveram sua última residência, mas especificamente aquele que tem competência para lavratura dos atos do Livro “E”, que geralmente é o Cartório do 1º Ofício ou da 1ª subdivisão judiciária.
Se a hipótese for de conversão da união estável em casamento, o pedido deve ser formulado perante o ofício do registro civil das pessoas naturais em que os companheiros têm residência, competente para promover a habilitação do casamento.
Se o registro no livro “E” já tiver sido realizado, o procedimento pode ser solicitado posteriormente, com a averbação das datas de início e/ou de fim da união estável.
Ainda que a intenção dos companheiros seja tão somente a de fazer o termo declaratório de reconhecimento ou de dissolução da união estável, sem o desejo, ao menos nesse momento, de registrar tais instrumentos no Livro “E” ou de converter a união em casamento, considera-se possível a certificação eletrônica pelo oficial responsável pela lavratura do termo, se os companheiros tiverem interesse em fixar o termo inicial ou o período da duração da união estável e manifestarem expressamente sua vontade nesse sentido. Nesse caso, deve-se esclarecer que a certificação apenas produzirá efeito erga omnes se levada a registro posteriormente.
Se os companheiros fizerem o termo declaratório e a certificação eletrônica perante oficial de registro civil que não tem a competência para o registro no Livro “E” ou para o registro da conversão da união estável em casamento, mas tiverem a intenção de promover o registro logo em seguida, o registrador que lavrou o termo e que certificou a data da união estável ou de sua dissolução deverá encaminhar tais instrumentos para o oficial competente para o registro.
Embora a Lei 14.382/2022 tenha chamado o procedimento de certificação eletrônica da união estável, pela leitura do art. 9º-F, §1º, percebe-se que o procedimento também pode ser instaurado a partir de pedido formulado pessoalmente pelos companheiros perante a serventia do registro civil competente.
Não há vedação para que o pedido seja apresentado por meio de procurador, devidamente constituído em instrumento público ou particular com poderes específicos e, neste último caso, recomenda-se o reconhecimento das firmas ou utilização de certificado digital. Também não se verifica qualquer vedação para que um mesmo procurador represente ambos os companheiros, o que, a propósito, é expressamente autorizado para fins de separação e divórcio consensuais extrajudiciais.
Nos termos do art. 9º-F, §2º, “Para comprovar as datas de início ou, se for o caso, de fim da união estável, os companheiros valer-se-ão de todos os meios probatórios em direito admitidos”.
Isso significa dizer que os companheiros poderão se utilizar de qualquer meio de prova para demonstrar as datas de início e/ou de fim da união estável, sejam aqueles instrumentos típicos previstos na legislação processual ou atípicos, desde que admitidos em direito. Admitem-se, assim, as provas documental, testemunhal, pericial, emprestada e a ata notarial, aplicando-se a regra geral contida no art. 369 do CPC, segundo a qual “As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”. No caso, na convicção do registrador civil.
É necessária a realização de entrevistas pelo registrador, dos companheiros e de testemunhas, que deverá ser reduzida a termo e assinada por ele e pelos entrevistados (art. 9º-F, §§3º e 4º). Importante destacar que em vários outros procedimentos o registrador civil tem a competência para realizar entrevistas com a finalidade de formar a sua convicção, a exemplo do registro tardio de nascimento (Provimento 28 do CNJ) e do reconhecimento socioafetivo de filiação (Provimento 63 do CNJ).
Havendo suspeitas de falsidade da declaração ou de fraude, o registrador poderá exigir provas adicionais (art. 9º-F, §5º).
Após a finalização da fase de instrução do procedimento, o registrador deverá decidir o pedido e o art. 9º-F, §6º expressamente fala em decisão fundamentada. Nota-se nessa passagem uma nítida preocupação do CNJ com o devido processo legal extrajudicial.
Na verdade, não apenas a fundamentação das decisões deve ser observada pelo registrador, mas todas as garantias fundamentais do processo, que se aplicam à via extrajudicial[10].
Deferido o pedido, restarão definidas as datas de início e/ou de fim da união estável, com a possibilidade de sua inserção no registro do Livro “E” ou no registro da conversão da união estável em casamento (Livro “B”). Se o registro no livro “E” ainda não tiver sido realizado, entende-se que já deve ser lavrado contemplando tais datas, dispensando-se, assim, uma posterior averbação. Caso o registro já tenha sido concluído, a certificação será objeto de averbação, com o pagamento dos emolumentos correspondentes.
Ressalte-se que a certificação eletrônica da união estável é um procedimento específico e remunerado enquanto tal, nos termos do art. 1º, §6º, inciso II do Provimento: “enquanto não for editada legislação específica no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, o valor dos emolumentos para o procedimento de certificação eletrônica da união estável de que trata o art. 9º-F deste Provimento será de 50% (cinquenta por cento) do valor previsto para o procedimento de habilitação de casamento”.
Assim, caso se trate de certificação posterior ao registro, os companheiros deverão realizar o pagamento dos emolumentos correspondentes à certificação e à averbação. Da mesma forma, se os companheiros desejarem fazer o termo declaratório e a certificação, deverão promover o pagamento dos dois atos.
Se o pedido for indeferido, os companheiros poderão requerer ao registrador a suscitação de dúvida dentro do prazo de 15 (quinze) dias da ciência, nos termos dos arts. 198 e 296 da LRP. Aqui também não há qualquer novidade, já que a suscitação de dúvida é inerente à função registral.
O indeferimento do pedido na via extrajudicial não impede a sua discussão judicial, já que a decisão do registrador não faz coisa julgada material. Pelo mesmo motivo, em caso de deferimento e inserção das datas no registro, a matéria poderá ser objeto de apreciação judicial.
Embora não faça coisa julgada material, a decisão do registrador tem estabilidade diferenciada, porquanto, uma vez realizado o registro, o ato é considerado válido e produz plenos efeitos, inclusive em relação a terceiros (publicidade), incidindo a presunção de veracidade decorrente da fé pública registral.
Para afastar os efeitos da publicidade e da fé pública registral, será necessária a propositura de ação declaratória de nulidade ou ação anulatória, nos termos o art. 216 da LRP[11]. Essas demandas podem ter por objeto a demonstração de vícios do registro em si ou da sua causa, geralmente do título que serviu de base para o registro.
Em se tratando da certificação eletrônica da união estável, o vício a ser demonstrado pode se relacionar às etapas do procedimento, à decisão final do registrador ou às provas que embasaram a decisão.
Indispensável referir que os interessados não poderão formular pleito judicial antagônico ao requerido e deferido pelo delegatário no âmbito extrajudicial. Considera-se, portanto, que há uma vinculação dos interessados à decisão do delegatário, de modo que não pode haver repetição do mesmo pleito extrajudicialmente, sob pena de violação ao postulado da boa-fé.
Encerrado o procedimento, o registrador deve arquivar os autos (art. 9º-F, §8º).
Conclui-se que o procedimento de certificação eletrônica da união estável pelo Registro Civil das Pessoas Naturais é uma medida de desjudicialização que trouxe importantes avanços para a documentação da união estável, evitando que temas, que antes só podiam ser reconhecidos pelo Poder Judiciário, possam ser provados e registrados de forma extrajudicial, inclusive com a produção de provas sob condução, registro e segurança registral.
Tal medida em nada ofende a inafastabilidade do Poder Judiciário, que poderá atuar quando houver vícios ou descumprimentos do procedimento, protegendo terceiros e as próprias partes que vivem em união estável. Trata-se, portanto, de mais uma salutar iniciativa voltada à desburocratização de importantes atos da vida civil em prol do jurisdicionado brasileiro, conferindo-lhe mais de uma via adequada e democrática, como demonstração da consolidação da Justiça Multiportas em nosso país.
[1] AREsp 249.923/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 29/06/2020. Nesse julgado, interpretou-se que o art. 64, §1º, da Lei 9.532/1997 se aplica também ao companheiro: “Art. 64. A autoridade fiscal competente procederá ao arrolamento de bens e direitos do sujeito passivo sempre que o valor dos créditos tributários de sua responsabilidade for superior a trinta por cento do seu patrimônio conhecido. §1º. Se o crédito tributário for formalizado contra pessoa física, no arrolamento devem ser identificados, inclusive, os bens e direitos em nome do cônjuge, não gravados com a cláusula de incomunicabilidade”.
[2] Sobre o tema, Renata Cortez e Emília Queiroz escreveram, em 12.03.2021, o artigo “A equiparação entre união estável e casamento para além das questões sucessórias: uma análise a partir da jurisprudência dos tribunais superiores”, disponível na Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro do Empório do Direito (https://emporiododireito.com.br/leitura/a-equiparacao-entre-uniao-estavel-e-casamento-para-alem-das-questoes-sucessorias-uma-analise-a-partir-da-jurisprudencia-dos-tribunais-superiores, capturado em 11.06.2023).
[3] TARTUCE, Flávio. Do tratamento da união estável no Novo CPC e algumas repercussões para o Direito de Família. Segunda Parte. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/192580568/do-tratamento-da-uniao-estavel-no-novo-cpc-e-algumas-repercussoes-para-o-direito-de-familia-segunda-parte. Capturado em 08.03.2021.
[4] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias (livro eletrônico). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 425/426.
[5] REsp n. 1.988.228/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 13/6/2022
[6] O registro de união estável decorrente de escritura pública de reconhecimento ou extinção produzirá efeitos patrimoniais entre os companheiros, não prejudicando terceiros que não tiverem participado da escritura pública.
[7] TJRS, Apelação Cível, Nº 50016164520178210073, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em: 13-04-2023. TJSP, Apelação Cível, Nº 1001049-11.2019.8.26.0514, Segunda Câmara de Direito Privado, Relator: Márcio Boscaro, Julgado em: 16-05-2023.
[8] TJRS, Agravo de Instrumento, Nº 70082647330, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 17-10-2019
[9] Recurso Especial nº 1.685.935 – AM (2016/0262393-9), Relatora : Ministra Nancy Andrighi, julgado em 21/08/2017. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.2&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=201602623939. Capturado em 11/06/2023.
[10] Desjudicialização e acesso à justiça além dos tribunais: pela concepção de um devido processo legal extrajudicial. Revista Eletrônica de Direito Processual – Redp, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 379-408, abr. 2021. Quadrimestral. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/56701/36324. Acesso em 19. Jun. 2023.
[11] Art. 216 – O registro poderá também ser retificado ou anulado por sentença em processo contencioso, ou por efeito do julgado em ação de anulação ou de declaração de nulidade de ato jurídico, ou de julgado sobre fraude à execução.
CECÍLIA RODRIGUES FRUTUOSO HILDEBRAND – Mestranda em Direito Processual pela UERJ. Coordenadora do curso de Direito e do NPJ do Centro Universitário Anhanguera/Leme. Professora. Advogada. Secretária-geral da Associação Brasileira Elas no Processo (ABEP)
FLÁVIA PEREIRA HILL – Professora associada de Direito Processual da UERJ e do PPGD da Unesa. Doutora e mestre em Direito Processual pela UERJ. Pesquisadora visitante da Universidade de Turim (Itália). Delegatária de cartório extrajudicial no estado do Rio de Janeiro
RENATA CORTEZ VIEIRA PEIXOTO – Doutoranda em Direito pela UERJ. Mestre em Direito pela Unicap/PE. Registradora Civil e Tabeliã. Membro do IBDP e da ANNEP. Presidente da Associação Brasileira Elas no Processo (ABEP)