Ação Declaratória – Nulidade de processo – Ausência de citação da cônjuge virago

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE PROCESSO – PEDIDO ANULATÓRIO DE ESCRITURA DE DOAÇÃO – AÇÃO REAL – AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DA CÔNJUGE VIRAGO – NULIDADE ABSOLUTA – IMPRESCRITIBILIDADE – COISA JULGADA NÃO CONFIGURADA – LEGITIMIDADE AD CAUSAM E INTERESSE DE AGIR

– É imprescritível o direito para ver declarada a nulidade de processo, porquanto absoluta, para decretação de nulidade de escritura de doação, a que falta citação do cônjuge virago, por tratar-se de ação real, a que sua intervenção no pólo passivo é obrigatória.

– Não versando a ação anulatória sobre as mesmas questões postas e decididas em ação rescisória anterior, ainda que se buscasse um mesmo objetivo em ambos os feitos, não incide o instituto da coisa julgada.

– Ao propor a ação, o autor deve demonstrar o seu interesse de agir, na real necessidade do processo, a fim de obter a tutela jurisdicional, que o ampare da lesão efetiva ou da ameaça ao seu interesse de direito material, e em o fazendo torna-se presente o legítimo exercício do direito de ação.

– A legitimidade ad causam deve ser verificada com relação ao interesse do demandado de se opor ou de resistir à pretensão própria do autor, ou que a este tenha proveito.

– Anulada a transcrição principal, os atos posteriores que dela provieram não podem subsistir, diante do princípio da continuidade do registro.

– O fato de os réus serem adquirentes de boa-fé não impede a anulação dos atos que tiveram origem em uma doação objeto de uma ação real, que, por ausência de obrigatória citação e de participação do cônjuge virago, padece de nulidade absoluta, sendo de lhes assegurar, no entanto, o direito de voltar-se contra quem deu causa ao prejuízo, evitando enriquecimento sem causa.

Apelação Cível n° 1.0040.99.003176-3/002 (em conexão com a Apelação Cível nº 1.0040.00.000399-2/001) – Comarca de Araxá – Apelantes: 1os) Claudemira de Souza Barcelos e outro, 2os) Maria das Dores de Souza e outro, 3os) Ângela Maria de Souza Henrique e outro – Apelados: Claudemira de Souza Barcelos e outro, Maria das Dores de Souza e outro, Ângela Maria de Souza Henrique e outro, Flaviano Leite Neto – Relator: Des. Duarte de Paula

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar as preliminares, dar provimento parcial à segunda e terceira apelação e negar provimento à primeira apelação.

Belo Horizonte, 9 de abril de 2008. – Duarte de Paula – Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

Assistiram ao julgamento a Drª Maria das Dores Souza e o Dr. Almir José dos Santos, e produziu sustentação oral o Dr. Leonardo de Faria Beraldo.

DES. DUARTE DE PAULA – Inconformados com a r. sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação anulatória aviada por Maria das Dores de Souza e seu marido, Marto Aparecido de Souza, em face de Ângela Maria de Souza Henrique e seu marido, Abílio Henrique Neto, Claudemira de Souza Barcelos e seu marido, Sebastião Barcelos, Ídio Aparecido Assunção e sua mulher, Doracy Borges de Assunção, Vicente de Paula Souza e sua mulher, Marina Souza, Maria das Dores de Souza e seu marido, Francisco Waldemar de Souza e Flaviano Leite Neto, insurgem-se os autores e os réus através dos respectivos recursos de apelação de f. 736/750, f. 754/762 e f. 767/788.

Conheço de todos os recursos, presentes os requisitos de admissibilidade, registrando o recebimento de memorial pelos demandados Ídio Aparecido de Assunção, Doraci Borges de Assunção e outros, juntado por linha aos autos, reforçando as articulações recursais.

Tratam os autos de ação declaratória de nulidade cumulada com reivindicatória e perdas e danos, extraindo-se da inicial ser o autor varão sobrinho de Francisca da Mata e Souza, tendo se mudado da cidade de Uberaba, onde moravam, para a Fazenda “Campo Alegre e Taboleiro”, de propriedade de sua tia, em Tapira, a pedido desta última.

Alegaram ter sido outorgada, em 14.07.92, a escritura pública de doação de bens imóveis por Francisca da Mata e Souza ao autor varão, e, tendo falecido a doadora em 27.09.92, a ré Ângela Maria de Souza Henrique ingressou com várias medidas judiciais com que visava desconstituir a escritura, vindo a r. sentença que julgou procedente o pedido, declarando nula a escritura de doação.

Afirmaram que, em virtude da r. decisão, os bens retornaram ao patrimônio de Francisca da Mata e Souza, para serem partilhados entre os herdeiros, já tendo havido alienação de alguns imóveis, tendo inclusive ingressado com ação visando a nulidade das escrituras.

Ressaltaram que aquela ação anulatória foi proposta somente contra o ora autor varão, sendo que este era e é casado, em regime de comunhão universal de bens, com a também autora Maria das Dores de Souza, pelo que deveria ser obrigatória a citação do cônjuge virago para desconstituição da escritura de doação de bens que também lhe pertencem, tratando-se de ação real, requerendo a nulidade das demais ações promovidas pela primeira ré e ineficazes as sentenças nelas proferidas, restaurando-se o registro da escritura de doação irregularmente anulada, revigorando-se o domínio dos bens aos autores e declarada ainda a nulidade do inventário e partilha de bens, pretendendo também perdas e danos.

Através de sentença una, o MM. Juiz do feito acolheu parte dos pedidos inaugurais de ambas as ações, declarando nulos os atos processuais praticados naquela ação anulatória de escritura pública de doação, a partir do momento em que a primeira autora da presente ação deveria ter sido citada, considerando-a litisconsorte necessária, a teor do art. 47 do Código Processo Civil, declarando ineficaz a r. sentença proferida na anulatória da doação, e também quanto ao inventário e às ações acessórias de arrolamento de bens e de atentado anteriormente ajuizadas, condenando os réus a ressarcirem os autores pelo uso e exploração dos bens até a efetiva devolução. Manteve, outrossim, as alienações feitas pelos herdeiros de Francisca da Mata e Souza a terceiros adquirentes, por terem agido de boa-fé.

Do recurso dos réus Claudemira de Souza Barcelos e outros:

Suscitam os réus, ora apelantes, preliminares de coisa julgada e litispendência, tendo em vista a anterior ação rescisória aviada pelos autores com o mesmo objetivo, argüindo sua ilegitimidade passiva, aduzindo no mérito que a primeira autora tomou conhecimento da ação anulatória de escritura de doação movida contra seu esposo, também demandante, e que sua presença no pólo passivo não alteraria o resultado da demanda, insurgindo-se contra o pedido de danos materiais e morais.

Do recurso dos autores Maria das Dores de Souza e outro:

Insurgem-se os autores, ora apelantes, quanto à parte da r. sentença que acolheu a tese do adquirente Flaviano Leite Neto, para afirmarem que com a nulidade apontada na r. sentença, em virtude de inobservância do litisconsórcio passivo necessário, deixou de existir a própria herança partilhada, não havendo falar em boa-fé do adquirente, questionando ainda a fixação dos honorários advocatícios de sucumbência, para requererem a sua majoração (f. 761/762).

Do recurso dos réus Ângela Maria de Souza Henrique e outros:

Afirmam os réus, ora apelantes, em preliminar, carência de ação do autor Marto Aparecido de Souza, por falta de interesse de agir e sua ilegitimidade ativa, uma vez haver figurado no pólo passivo da ação de anulação da escritura de doação, exercendo o contraditório, sendo atingido pelos efeitos da coisa julgada, devendo ser excluído do pólo ativo da presente lide.

Aduzem também ausência de interesse de agir dos autores, por não terem requerido expressamente a declaração de validade da escritura de doação, tendo apenas argüido ausência de litisconsórcio necessário, não havendo interesse processual dos demandantes em se decretar a nulidade da sentença que declarou a nulidade do contrato de doação, se não houver pedido expresso para reconhecer a validade de tal negócio jurídico.

Invocam ainda ocorrer a prescrição da pretensão de anulação de inventário, aduzindo ter ocorrido a partilha dos bens em 22.05.96.

Defendem no mérito a aplicação dos princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, dizendo que os autores ingressaram com a ação após quatro anos do trânsito em julgado da r. sentença que declarou a nulidade da escritura de doação, tendo o autor Marto Aparecido de Souza participado daquele processo, devendo a r. sentença produzir efeitos em relação a ele, devendo ser preservados os direitos dos adquirentes de boa-fé, insurgindo-se contra a condenação em danos materiais, tratando-se o caso de erro judiciário, devido à negligência em não efetuar a citação da litisconsorte necessária, não havendo falar em solidariedade na condenação, devendo ser assegurado o direito à retenção pelas benfeitorias.

Tendo em vista a similitude entre as questões abrangidas nos três recursos, serão eles analisados em conjunto.

Enfrentando a primeira preliminar, é certo que a litispendência ocorre quando se reproduz ação idêntica a outra, anteriormente interposta, em que ainda não foi decidida ou proferida sentença, sendo a coisa julgada, instituto que se aproxima da litispendência, que ocorre quando há reprodução de ação idêntica a outra que já fora julgada por sentença transitada em julgado.

Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, ao dissertarem sobre coisa julgada, ensinam que:

“A coisa julgada consiste no fenômeno de natureza processual pelo qual se torna firme e imutável a parte decisória da sentença, que deve guardar relação de simetria com o pedido que se tenha formulado na petição inicial. Decorre do princípio da segurança jurídica, em razão de que, num determinado momento (pelo decurso de um prazo ou pelo exaurimento dos meios de impugnação das decisões judiciais), o comando existente na sentença adquire solidez (…). Trata-se de pressuposto processual negativo que, pois, também impede a repropositura de nova ação a respeito da mesma causa de pedir, com o mesmo pedido, entre as mesmas partes. Presentes os pressupostos processuais negativos, existe impedimento para a repropositura da ação, apesar de seu acolhimento gerar uma sentença meramemte processual ou terminativa, conforme determina o art. 268 do CPC combinado com o art. 267, inciso V” (Curso avançado de processo civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. v. 1. 3. ed. ver. e atual. Revista dos Tribunais, p. 213).

Com efeito, sabe-se que as ações são consideradas idênticas quando apresentarem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

Nestes termos, tem-se que a presente ação declaratória de nulidade foi ajuizada por Maria das Dores de Souza e por seu marido, Marto Aparecido de Souza, em face de Ângela Maria de Souza Henrique e outros, tendo como pedido a declaração de nulidade das sentenças proferidas em processos interpostos pela primeira ré, especialmente a que culminara com a decretação de nulidade da escritura de doação de bens imóveis, realizada por Francisca da Mata e Souza ao donatário Marto Aparecido de Souza, tendo como causa de pedir a ausência de citação da primeira autora nos processos mencionados, cuja participação era obrigatória.

Em contrapartida, no pleito rescisório anotado pelos apelantes Claudemira de Souza Barcelos e outros, percebe-se que a ação rescisória foi aviada por Marto Aparecido de Souza contra Ângela Maria de Souza Henrique, sendo o cerne da questão a nulidade da r. sentença que decretou a nulidade da escritura de doação, mas tendo como fundamento a falsidade da declaração do Hospital Dom Bosco, em que se estribou a sentença para acolher o pedido, de que a doadora se encontrava internada na data da doação, não permitindo, portanto, haver validade do ato.

Assim, tenho que a decisão prolatada na ação rescisória não tem a mesma causa petendi nem pode exercer qualquer influência na ação de nulidade ora tratada, quando assentam em fatos distintos, em motivações diferentes, estando uma estribada em nulidade processual, e outra em vício do contrato de doação celebrado entre Francisca da Mata e Souza e Marto Aparecido de Souza.

A lide, na lição de Carnelutti, citado in Curso de direito processual civil, Forense, v. II, pelo emérito Humberto Theodoro Júnior, à p. 569:

“É o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e resistência do outro. O julgamento desse conflito de pretensões, mediante o qual o juiz, acolhendo ou rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a à outra, constitui uma sentença definitiva de mérito. A lide é, portanto, o objeto principal do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes”.

Logo, é de se ver que a presente ação de nulidade possui contorno objetivo definido, embasado na nulidade processual absoluta de ausência de intervenção como de citação da primeira autora na pretérita ação que declarou a nulidade da escritura de doação, de natureza instrumental.

Portanto, não há repetição de ação rescisória precedente, que tinha por objeto a nulidade da mesma escritura de doação, estribada em um documento novo que extraia, por falsidade, a credibilidade de declaração, em que se baseou o julgado, matéria que, envolvendo questão de direito material, não se confunde com o contido nestes autos, de natureza processual.

Ademais, verifica-se que as partes nos dois processos não são as mesmas, e, embora seja idêntico o pedido de nulidade da r. sentença que declarou a nulidade de doação, apresentam causas de pedir, ou o fundamento do que se pede, não idêntico, não guardando o presente pedido anulatório qualquer identidade com a súplica primeva.

A coisa julgada não é nenhum efeito da sentença, já que desta ela não decorre. Nem ficção de verdade, nem fonte de direito material para o caso concreto. Trata-se simplesmente de uma qualidade que, por questão de ordem pública, a sentença adquire: a imutabilidade e a indiscutibilidade.

Assim, há coisa julgada sempre que duas ações dão lugar à mesma questão, a tornar impossível nova discussão acerca do mesmo tema, por expressa disposição legal, assecuratória da prática dos atos jurídicos e negociais, sob pena de jamais se encerrarem as demandas judiciais.

Com efeito, verifica-se tratar-se de ação real, que contém direito imobiliário, em que se exige como condição para a postulação (art. 10, CPC), como para a contestação (por inteligência do art. 10, § 1º, I, CPC), a presença de marido e mulher, nos pólos ativo e passivo da ação, sendo, portanto, indispensável o consentimento do cônjuge, o que justifica e convalida a presença de Marto Aparecido de Souza no pólo ativo do presente feito, por força da necessária outorga marital, estando aí evidenciado o seu interesse secundário para estar em juízo.

Por tais motivos, rejeito a preliminar de coisa julgada, mesmo porque, vista a prejudicial sob outro enfoque, na anterior ação anulatória de escritura, não se observou o litisconsórcio necessário, não se requereu e nada se falou quanto à ora alegada citação da esposa de Marto Aparecido de Souza, como se vê da cópia da r. sentença jungida às f. 122/129.

Com relação à preliminar levantada pelos apelantes Ângela Maria de Souza Henrique e outros, de falta de interesse de agir do autor Marto Aparecido de Souza, e também ilegitimidade ativa, por ter este figurado no pólo passivo da ação de anulação da escritura de doação, exercendo o contraditório, sendo, portanto, atingido pelos efeitos da coisa julgada, devendo, portanto, ser excluído do pólo ativo da presente lide, tenho que, também, não lhes assiste razão.

Como bem adverte Alexandre Freitas Câmara:

“A primeira das condições da ação é a legitimidade das partes, também designada legitimatio ad causam. Esta pode ser definida como a `pertinência subjetiva da ação`. Em outros termos, podemos afirmar que têm legitimidade para a causa os titulares da relação jurídica deduzida, pelo demandante, no processo. Explica-se: ao ajuizar a demanda, o autor necessariamente afirma, em sua petição inicial, a existência de uma relação jurídica, chamada res in iudicium deducta. Assim, por exemplo, aquele que propõe `ação de divórcio` afirma existir, entre ele e a parte adversa, uma relação matrimonial. Da mesma forma, aquele que propõe `ação de despejo` afirma existir entre ele e o réu uma relação de locação. Ao afirmar em juízo a existência de uma relação jurídica, o autor deverá, obviamente, indicar os sujeitos da mesma. Esses sujeitos da relação jurídica deduzida no processo é que terão legitimidade para estar em juízo. (…) Essa a regra geral, em nosso direito, segundo a qual será legitimado a atuar em juízo tão-somente o titular do interesse levado a juízo pela demanda, razão pela qual fala-se, nesta hipótese, em legitimidade ordinária” (Lições de direito processual civil. Lumen Júris: Rio de Janeiro, 2005, p. 125/126).

De início, cumpre observar que o autor Marto Aparecido de Souza não mais integra o pólo ativo da lide, tendo falecido no curso do processo, conforme informa a certidão de óbito apresentada à f. 481, sendo substituído pelos seus herdeiros.

No entanto, alega-se agora nestes autos a nulidade absoluta e a total imprestabilidade do processo anterior, viciado, através de ação real, a que comparecem marido e mulher no pólo ativo, o que não retira o interesse do autor varão, quer por não gerar efeito algum o ato absolutamente nulo para lhe retirar o interesse processual, quer por estar assistindo a quem tem interesse primário, sua esposa, e deve estar em juízo com assentimento do seu cônjuge, como determina a lei.

Ademais, em sendo julgado procedente o pedido, com a anulação da escritura de doação, os imóveis objeto daquele instrumento deverão retornar ao patrimônio da autora Maria das Dores de Souza e também ao dos herdeiros, sendo forçoso concluir que a presente ação anulatória trará proveito prático para os autores, detendo eles legitimidade ativa e interesse de agir na forma postulada, entendendo-se como interesse de agir “a necessidade de se valer do Poder Judiciário para a solução de um conflito de interesses entre as partes. Entende-se, ainda, integrante do conceito de interesse a utilidade do acesso ao Judiciário. A parte necessitará o Judiciário para uma finalidade útil” (COSTA, José Rubens. Manual de processo civil. V. 1. Saraiva, p. 94).

Assim, rejeita-se também essa prefacial.

Levanta-se ainda a preliminar de ausência de interesse de agir dos autores, por não terem pedido expressamente a declaração de validade da escritura de doação, colacionam-se as lições de José Frederico Marques:

“Se a ação é um direito subjetivo, nela se encontra um interesse juridicamente protegido, o qual nada mais é que o interesse a obter a tutela jurisdicional do Estado mediante o julgamento da pretensão deduzida em juízo.

(…)

Para que haja interesse de agir, é necessário que o autor formule uma pretensão adequada à satisfação do interesse contido no direito subjetivo material. O interesse processual, portanto, se traduz em pedido idôneo a provocar a atuação jurisdicional do Estado” (Instituições de direito processual civil. Campinas: Millenium, 2000, v. 2, p. 23/24).

Diferentemente do que afirmam os réus-apelantes, é de se ressaltar que o pedido de declaração de validade da escritura de doação se afigurava desnecessário, tendo em vista que, em toda a argumentação da inicial, invocaram os autores a validade da escritura de doação, ressaltando à f. 21:

“Decretada a nulidade e ineficácia da sentença, deve ser cancelada a averbação da referida carta no CRI, restaurando-se o registro da escritura de doação irregularmente anulada, revigorando-se o domínio dos bens pelos requerentes”.

Assim, o fato de os autores pretenderem a nulidade do processo e da sentença que decretou a nulidade da escritura de doação indica que na verdade pretendem ver a convalidação do ato de liberalidade formal, pela conseqüente declaração de validade da escritura de doação, estando presente, portanto, o interesse de agir, motivo pelo qual afasto a preliminar.

Em relação à preliminar de ilegitimidade passiva, argüida por Claudemira de Souza Barcelos e outros, sob o argumento de que a ação deveria ter sido ajuizada somente contra a primeira ré, tendo em vista ter somente ela ajuizado a ação anulatória da escritura de doação, em virtude dos efeitos que podem vir da decisão que aqui se busca e de estreita relação que a questão tem para com o mérito, com ele será analisada.

Ainda invocam os apelantes Ângela Maria de Souza Henrique e outros prescrição da pretensão de anulação de inventário, por ter ocorrido a partilha dos bens em 22.05.96. Verifico que a matéria levantada como prejudicial está intimamente ligada com a questão de invocada nulidade processual, que é matéria de mérito, da qual não pode se dissociar e como tal deve ser apreciada.

Assim, passando ao cerne da questão de ineficácia das r. sentenças prolatadas na ação declaratória de nulidade de doação cumulada com petição de herança e nas cautelares de arrolamento de bens e atentado, tem-se que a pretensão dos autores é a nulidade absoluta das sentenças proferidas nos referidos processos, por ausência de citação do cônjuge virago para a ação de anulação de doação.

Revelam os autos que Ângela Maria de Souza Henrique propôs contra Marto Aparecido de Souza, e apenas contra ele, ação declaratória de nulidade de doação cumulada com petição de herança, ao argumento de que a donatária, Francisca da Mata e Souza, encontrava-se hospitalizada na data da outorga da escritura pública de doação em favor do donatário, cujo pedido foi julgado procedente, declarando nula a doação feita através de escritura pública.

Nota-se pelo caderno processual que, apesar de o autor Marto Aparecido de Souza ser casado em comunhão de bens com a ora autora, Maria das Dores de Souza, não foi requerida e determinada a sua citação naqueles autos, o que macula de vício insanável o procedimento, nos termos do art. 10, § 1º, inciso I e art. 47, ambos do Código de Processo Civil, haja vista a ausência de citação da esposa do então réu Marto Aparecido de Souza, na ação anulatória de escritura de doação.

Ao receber a doação, em 14.07.92, a autora já era casada com o donatário Marto Aparecido de Souza, datando a união matrimonial do casal de 18.12.77, consoante certidão de f. 30, pelo que deveria a ação anulatória da escritura de doação ter sido promovida contra ambos; não o sendo, torna-se ineficaz, padecendo o processo de nulidade absoluta.

Sobre o tema em debate, valiosa é a lição de Cândido Rangel Dinamarco:

“Não observadas as regras do litisconsórcio necessário, ou seja, faltando na relação processual algum co-legitimado que a lei considere indispensável, não se poderá chegar ao provimento jurisdicional demandado (no processo de conhecimento, sentença de mérito).

(…)

Por isso, copiosa jurisprudência tem pronunciado a nulidade do processo, sempre que o juiz haja deixado de cumprir aquele seu dever e, com isso, haja permitido que o procedimento fosse além do ponto em que a providência deveria ter sido determinada” (Litisconsórcio. 7. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 251/252).

A esse respeito, ensina Pontes de Miranda:

“Citação do marido e da mulher – Tem de ser feita a citação da mulher quando o marido é réu, ou do marido, quando é ré a mulher, em pleito sobre bens imóveis, ou sobre direitos reais sobre imóveis (…) Felizmente, o Código de Processo Civil de 1973 corrigiu o que exprobamos. Além disso, foi explícito no art. 10, I, ao exigir a citação de ambos os cônjuges nas ações reais imobiliárias” (Comentários ao Código de Processo Civil. Brasília: Forense, 1973, Tomo I, p. 300/301).

Não diverge a lição de Celso Agrícola Barbi:

“Ações que devem ser propostas contra os dois cônjuges – O parágrafo único do artigo ora em exame trata da legitimação em determinadas ações, que forem propostas contra pessoas casadas, prescrevendo que, nos casos ali previstos, devem ser citados, necessariamente, os dois cônjuges. Isto significa que haverá litisconsórcio necessário passivo, vale dizer, a eficácia da sentença dependerá da citação do marido e da mulher (…) a ação real imobiliária é a que tem como conteúdo um direito real sobre bens imóveis, como a reivindicatória e a negatória de servidão, que se fundam no domínio; a confessória de servidão, que se baseia em uma servidão” (Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, v. 1, p. 131/132).

Em se tratando a ação reivindicatória de ação real imobiliária, este é o entendimento esposado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, e que se aplica ao presente feito, da mesma natureza:

“Sendo a ação reivindicatória uma ação real, tem-se por necessária a citação de ambos os cônjuges-réus, independentemente do regime de casamento” (REsp 73.975-PE, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, publ. em 02.02.98).

No mesmo sentido, o posicionamento jurisprudencial do extinto Tribunal de Alçada e do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no tocante às ações reais imobiliárias:

“Ação reivindicatória. Bem imóvel. Réu casado. Ausência de citação do cônjuge. Nulidade. – Nas ações que tenham por objeto direito real imobiliário, há litisconsórcio passivo necessário, conforme o art. 10, § 1º, I, do CPC, sendo indispensável a participação do cônjuge do réu casado. Preliminar acolhida e processo anulado” (Apelação Cível 488.207-3, Rel. Evangelina Castilho Duarte, DJ de 01.06.05).

“Ação reivindicatória. Ação real imobiliária. Falta de citação do cônjuge virago. Formalidade essencial. Nulidade. Extinção do processo. I – Nos termos do que dispõe o inc. I do § 1º do art. 10 do Código de Processo Civil, ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as ações que versem sobre direitos reais imobiliários, como se apresenta o pleito reivindicatório, sob pena de nulidade do processo” (Apelação Cível 418.982-0, Rel. Osmando Almeida, DJ de 16.06.04).

“Anulatória. Contrato de compra e venda. Litisconsórcio necessário. Ausência de citação do litisconsorte. Nulidade do processo. – A falta de citação do litisconsorte necessário torna incompleta a relação processual e nulo o processo desde a citação, pelo que se impõe reconhecer o interesse de agir daquele que, tendo participado do negócio que se pretende anular, em virtude dos efeitos e conseqüências do exercício da prestação jurisdicional, obrigatoriamente deve participar da lide” (Apelação Cível 2.0000.00.481170-3/000, Rel. Dídimo Inocêncio de Paula, j. em 16.06.05).

“Ação anulatória. Litisconsórcio passivo necessário. Ausência de citação. Nulidade. – Havendo litisconsorte passivo necessário, sua citação é indispensável. Sem a citação de litisconsorte necessário, não se completa a relação processual, caracterizando-se a ausência do pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, o que implica nulidade” (Apelação Cível 450.128-6, Rel. Nilo Lacerda, j. em 23.06.04).

“Apelação cível. Ação de anulação de ato jurídico. Preliminar. Litisconsórcio passivo necessário. Artigo 47 do CPC. Citação. Ausência. Nulidade. – Conforme a inteligência do artigo 47 do CPC, verifica-se litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica o juiz tiver de decidir a demanda de modo uniforme para todas as partes, caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo. – Na ação ordinária de anulação de escritura de cessão de direitos, fundamentada na ocorrência de simulação e ofensa ao disposto no artigo 1.132 do CCB de 1916, é unitário o litisconsórcio entre cedentes e cessionários. – Aquele que figura como cessionário em uma das escrituras que se visa anular e cedente na outra é litisconsorte passivo necessário, uma vez que a ação anulatória põe em risco direto seus interesses. – Constatada a ausência da citação dos litisconsortes passivos necessários, faz-se necessária a anulação do feito e a determinação para o cumprimento do artigo 47, § 1º, do CPC” (Apelação Cível 412.617-4, Rel. Armando Freire, j. em 11.12.03).

Convém ressaltar que caso se tratasse de ação anulatória de ato jurídico, que não fosse de bem imóvel, nada se estaria discutindo a respeito da ausência de citação do cônjuge virago. Ocorre que a ação anulatória diz respeito a uma escritura de doação de bens imóveis e está cumulada com reivindicação e, neste caso, o processo está nulo de pleno direito, porque a ação referida é uma ação de direito real.

Assim, não prosperam os argumentos de que a primeira autora tomou conhecimento da ação movida contra seu esposo, e que sua presença no pólo passivo não alteraria o resultado da demanda. Era obrigatória a sua participação no feito, como litisconsorte necessária, e deveria ser chamada à lide e contra ela também dirigir-se o pedido.

É de se ressaltar que os autores daquela ação pretendem a nulidade da sentença prolatada nos autos da ação de nulidade da escritura de doação, com base no domínio e, portanto, cuida-se de ação real relativa a imóvel, impondo figurarem ambos os cônjuges como réus, em litisconsórcio necessário, conforme dispõe o art. 10, parágrafo único, inciso I, do Código de Processo Civil.

Ora, trata-se na verdade de norma cogente, e sua inobservância gera vício insanável, sendo mister o reconhecimento da nulidade processual do feito.

Aduzem ainda os apelantes Ângela Maria de Souza Henrique e outros a ocorrência de prescrição da pretensão de anulação de inventário, aduzindo ter ocorrido a partilha dos bens em 22.05.96.

Verifica-se não proceder tal assertiva, uma vez que ao caso em julgamento não se aplica o prazo prescricional invocado, visto estar a presente ação fundada na existência de uma nulidade absoluta, de pleno direito, que, podendo gerar conseqüência ao processo de inventário, não se prescreve.

A nulidade, diferentemente da anulabilidade, vem a ser defeito grave, por faltar ao negócio jurídico requisito essencial e indispensável, sem o qual a ordem jurídica não pode admitir que o mesmo seja convalidado, sob pena de afronta aos princípios gerais do Direito.

Pode-se alegar a nulidade, por ter caráter absoluto, do negócio jurídico a qualquer tempo, sendo que o decurso de prazo não se presta a convalidá-lo, ao contrário do que ocorre com os atos anuláveis, de caráter relativo, por ser interesse da ordem jurídica retirar a sua validade.

Com efeito, a r. sentença objeto da ação anulatória de doação não haverá de produzir nenhum efeito, o que vem estender os efeitos ao inventário dos bens deixados por falecimento de Francisca da Mata e Souza, que foram objeto da doação, em sendo reconhecida a nulidade absoluta do processo, que se afigura imprescritível. O fundamento em que se apóia é que o tempo não tem o condão de dar eficácia a um ato proibido por lei: quod nullum est nullo lapsu temporis convalescere potest. O ato fica em estado de vulnerabilidade constante, admitindo ataque a qualquer tempo.

Da mesma forma, não vingam as assertivas dos apelantes que defendem a aplicação dos princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva por terem os autores ingressado com a ação após quatro anos do trânsito em julgado da r. sentença que declarou a nulidade da escritura de doação, pois, como explicitado, não resta espaço para a invocação do princípio da segurança jurídica, que propugnaria em favor do reconhecimento da prescrição do direito de se efetuar a revisão do ato inquinado de ilegalidade e total ineficácia.

Se o ato possui defeito de formação, certamente que não lhe pode ser atribuída a estabilidade derivada nem do ato jurídico perfeito, nem do direito adquirido. Pois, se não foi consumado em consonância com o que dispõe a lei, por certo que não poderá ser reputado de ato jurídico perfeito.

Do contrário, seria a própria segurança jurídica que restaria prejudicada, por estar aberta a possibilidade de sedimentação de situações consolidas ao arrepio da lei, sem o devido processo legal.

Não tendo a primeira autora integrado a lide da qual resultou a anulação da escritura de doação que beneficiou inicialmente o seu marido, não pode a respectiva sentença ser tida como eficaz, por não atendidos os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Quanto ao fato de o autor Marto Aparecido de Souza ter participado daquele processo, e que, portanto, deveria a sentença produzir efeitos em relação a ele, insta ressaltar ter falecido o autor no curso do processo, sendo substituído pelos seus herdeiros, a quem agora interessa a solução do presente conflito, mas, envolvendo o caso litisconsórcio necessário unitário, também denominado especial, por demandar a questionada ação anulatória de doação decisão uniforme em relação aos dois litisconsortes, que integram relação materialmente una, mantem-se a r. sentença combatida.

No que se refere à alegação de ausência de solidariedade na condenação, é de se ressaltar que a presente ação anulatória do r. comando judicial que anulou a escritura de doação deveria mesmo ser interposta contra todos os que participaram dos atos posteriores, em face da existência do litisconsórcio necessário. Dúvidas não restam de que, na ação de anulação de ato jurídico consubstanciado em várias escrituras públicas de transmissão de bens imóveis, existe o litisconsórcio necessário, portanto é imperativa a citação de todos que dela participaram, sob pena de nulidade processual, retirando toda e qualquer eficácia da sentença que nela for proferida.

Quanto ao alegado direito de retenção pelas benfeitorias, pleiteado à f. 786, teriam os apelantes que trazer aos autos prova de que foram introduzidas nos imóveis por sua conta e responsabilidade, para que amparasse o pedido formulado, e essa prova não foi produzida. Dessa forma, não comporta discutir-se a pretendida indenização, pois, para o acatamento do pedido da retenção por benfeitorias, seria necessária a prova de seu direito àquele que introduziu no imóvel, valendo ressaltar não terem os réus, titulares da terceira apelação, apontado suas benfeitorias em suas contestações, apresentadas às f. 296/304 e f. 398/408.

Com relação à insurgência dos autores contra a parte da r. sentença que declarou a boa-fé do adquirente Flaviano Leite Neto, especificamente quanto ao imóvel matriculado junto ao Tabelionato de Imóveis sob o n. 21.360, aduzindo que não se pode extrair efeitos de um ato nulo, sendo relativa a presunção decorrente do registro de imóveis, cumpre asseverar que se afigura a escritura pública como um instrumento formal e da substância do ato de compra e venda.

Segundo definição dada por Pedro Nunes:

“Boa-fé (bona fides) – Estado de espírito de quem confiantemente, com intenção pura, pratica por erro o ato que julgava conveniente e lícito, mas cujo resultado pode ser contrário aos seus interesses” (Dicionário de tecnologia jurídica. 7. ed. Livraria Feitas Bastos).

No caso dos autos, o decreto, ora ocorrido, de nulidade da sentença prolatada nos autos da ação de nulidade da escritura de doação, nela estando inserido o imóvel alienado a Flaviano Leite Neto implica, como conseqüência natural, o cancelamento das matrículas que sucederam o ato considerado nulo, sem embargo da boa-fé do adquirente, haja vista o princípio da continuidade do registro imobiliário resguardado pelo art. 195 da Lei 6.015/73. Tal princípio expressa que nenhum registro pode ser efetuado sem o prévio registro do título anterior, sendo que, uma vez anulada a transcrição principal, as posteriores que dela provieram não podem subsistir.

É de se ressaltar que a matéria se submete ao inc. V do art. 166 do novo Código Civil, que estabelece a nulidade absoluta do ato jurídico quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade.

Sobre o tema, comentando o preceito do art. 82 do antigo Código Civil, atual art. 104, observa a Professora Maria Helena Diniz:

“O negócio jurídico válido deverá ter, como diz Crome, em todas as partes que o constituírem, um conteúdo legalmente permitido (in allen ihren Bestandteinlen einen rechtlich zulässigen Inhalt). Deverá ser lícito, ou seja, conforme a lei, não sendo contrário aos bons costumes, à ordem pública e à moral. Se tiver objeto ilícito será nulo (CC, art. 145, II; RT, 395:165)” (Código Civil anotado. Saraiva, 1995, p. 93).

O terceiro contratante que agiu eventualmente de boa-fé e que foi prejudicado nem por causa disso tem o direito de manter íntegro o ato maculado pelo vício, podendo apenas voltar-se contra aquele que o prejudicou.

Desse modo, é de se ver que os terceiros adquirentes, que surgiram ao longo das transações que se sucederam, possuíam boa-fé, tendo em vista a ausência de qualquer gravame na certidão de matrícula originária do imóvel, motivo pelo qual devem ser indenizados relativamente ao preço da aquisição dos imóveis como das benfeitorias nele introduzidas, conforme preceituam os arts. 1.219 e 1.255 do novo Código Civil.

Nesse sentido, o entendimento da jurisprudência do extinto egrégio Tribunal de Alçada de Minas Gerais:

“Ação de anulação. Escritura pública. Procuração falsa. Nulidade absoluta do ato. Objeto ilícito. Falta de consentimento. Impossibilidade jurídica. Nulidade que alcança o adquirente de boa-fé. – Nula de pleno direito é a compra e venda realizada através da escritura pública com uso de procuração com assinatura falsa, por impossibilidade jurídica e ilicitude de seu objeto. A nulidade é absoluta, atingindo o adquirente de boa-fé, que poderá voltar-se contra aquele que deu causa ao prejuízo” (Apelação Cível 341.436-2, Rel. Vanessa Verdolin Andrade, j. em 11.09.01).

“Anulatória de escritura pública de compra e venda e cancelamento de registro imobiliário. Procuração. Vício do consentimento. Sentença mantida. – O ato jurídico consubstanciado em escritura pública de compra e venda e respectivo registro imobiliário feito por quem está de posse de instrumento de mandato revestido de vício do consentimento, qual seja dolo, impõe o decreto de sua nulidade e, como conseqüência, dos atos subseqüentes na serventia imobiliária” (Apelação Cível 364.551-2, Rel. Edilson Fernandes, j. em 14.08.02).

“Ação anulatória. Documento público. Alienação. Procuração falsa. Nulidade. Tabelião. Denunciação à lide. Responsabilidade objetiva. – Uma vez inequívoco que o ato de alienação do bem se deu com base em procuração falsa, embora a boa-fé do adquirente, o ato jurídico se torna nulo, visto que ausentes os elementos essenciais que lhe dariam existência e validade, a teor do que dispõe o art. 82 do Código Civil…” (Apelação Cível 266025-3, Rel. Geraldo Augusto, j. em 11.03.99).

Portanto, independentemente do modo realizado, o negócio deverá ser desfeito para que a situação retorne ao seu estado anterior, viabilizando o ressarcimento dos eventuais danos ao prejudicado, sendo inegável a procedência do pretendido cancelamento das matrículas e a conseqüente reintegração dos autores na posse dos bens respectivos, ressalvado o direito de retenção por benfeitorias e a indenização dos adquirentes de boa-fé, na cadeia sucessória.

Finalizando, rejeito a tese de litigância de má-fé sustentada em contra-razões, estando os apelantes apenas exercendo o consagrado direito ao duplo grau de jurisdição, não externando recurso temerário, reservando-se as respectivas sanções aos casos em que estiver evidente e insofismável a presença de uma das hipóteses do art. 17 do Código de Processo Civil, o que não vem a ser.

No que toca a honorários advocatícios, diante da sucumbência recíproca, entendo haver agido bem o douto Magistrado ao fixá-los na forma como restou consignado, por corresponderem à sucumbência de cada litigante, bem atendendo os critérios do art. 20 do Código de Processo Civil, não tendo motivos para majorar a verba honorária, adequada e proporcionalmente fixada.

Por fim, assiste razão aos apelantes quanto à inadequação da condenação quanto à indenização pelo uso dos imóveis, na medida em que deles usufruíram na qualidade de legítimos proprietários, pois anulada a escritura de doação, feita ao autor varão, através de sentença transitada em julgado, foram os bens partilhados entre os herdeiros de Francisca da Mata e Souza, que sequer figuraram como autores daquela ação, com exceção de Ângela Maria de Souza Henrique, conforme documento de f. 72.

Ou seja, permaneceram com o domínio dos bens durante todo esse período, tendo a faculdade de usá-los livremente, envolvendo o ius utendi a percepção de frutos, tanto naturais, como civis, extraindo-se todos os rendimentos suscetíveis, não podendo a r. sentença ora em reexame abranger a condenação dos demandados em indenização pelo uso, ao reconhecer a ineficácia da decisão emanada da anulatória da doação, diante de um vício não vislumbrado por qualquer pessoa que teve contato com os fatos e com os anteriores processos, consistente na falta de citação do cônjuge virago, não sendo visualizada aquela matéria de ordem pública na primeva ação.

Como destacado na r. sentença fustigada, a aparência de regularidade é inquestionável, operando-se regularmente o inventário após o julgamento da ação anulatória da doação, não podendo os apelantes serem condenados a indenizarem os autores pelo legítimo uso dos imóveis.

Destarte, aplicando o art. 509 da Lei Processual, afasta-se a responsabilidade de todos os demandados quanto ao ressarcimento referente ao uso e exploração dos bens.

Por último, vale anotar que, apesar de esta ação causar reflexos na ação conexa, tendo sido ambas decididas em sentença única, os imóveis objeto da primeira não coincidem com o imóvel objeto da segunda, mas todos constam da escritura de doação restabelecida pela r. decisão ora reexaminada.

Face ao exposto e a tudo o mais que dos autos consta, rejeito as preliminares e dou provimento parcial à segunda apelação, para reformar em parte a r. sentença, declarando ineficaz a venda efetuada a Flaviano Leite Neto, determinando o cancelamento do registro imobiliário correspondente, reconhecendo o direito do adquirente à indenização e retenção pelas benfeitorias que edificou no imóvel, dando também parcial provimento à terceira apelação, para decotar da condenação o ressarcimento pelo uso e exploração dos imóveis, negando, finalmente, provimento à primeira apelação.

Diante do novo resultado da lide, as custas de primeira instância relativas ao processo n. 1.0040.99.003176-3, assim como da segunda e terceira apelações e da cautelar de seqüestro, deverão ser arcadas pelos réus, mantida, quanto ao mais, a r. sentença primeva, integrada em sede de embargos declaratórios.

Custas da primeira apelação, pelos apelantes.

Suspendo a exigibilidade dos ônus sucumbenciais, nos termos do art. 12 da Lei n. 1.060/50, quanto aos autores e quanto aos réus titulares da terceira apelação, ante os oportunos pedidos de justiça gratuita por eles formulados.

DES.ª SELMA MARQUES – Senhor Presidente, também neste caso, examinando os autos, examinando o voto de V. Ex.ª e todas as provas elementares daquele contexto, estou acompanhando V. Ex.ª nesse judicioso voto, do qual recomendo a publicação, se V. Ex.ª assim permitir, considerando que este processo é uma ação de anulação de doação. Então, a matéria é complexa, e, pelo anúncio, daria inclusive um questionamento, e longa tese poderia ser elaborada.

Estou acompanhando V. Ex.ª.

DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT – De acordo com o Relator.

Súmula – REJEITARAM AS PRELIMINARES, DERAM PROVIMENTO PARCIAL À SEGUNDA E TERCEIRA APELAÇÃO E NEGARAM PROVIMENTO À PRIMEIRA APELAÇÃO.


Fonte: Jornal “Minas Gerais” – 01/08/2008