Artigo – A Guarda dos Filhos na Separação – Por Adalgisa Wiedemann Chaves

Por Adalgisa Wiedemann Chaves: sócia do IBDFAM e promotora de justiça do Rio Grande do Sul
 
As mais tormentosas discussões em ações de separação envolvem: a guarda dos filhos,  os alimentos e a partilha de bens.  É de se lembrar que, hoje, a jurisprudência afastou quase que integralmente a relevância (e até mesmo a possibilidade) da discussão da culpa pelo final do relacionamento, de forma que isto não mais apresenta como questão a ser discutida no âmbito processual.

A partilha de bens foge ao objeto desta discussão, mas a questão da guarda e dos alimentos estão intimamente ligadas, de forma que não se pode falar de uma questão sem referir a outra; em razão disso, serão feitas referências incidentais a questão da verba alimentar, embora o foco da discussão seja a guarda.

Impõe-se esclarecer desde logo que quando for feita referência a expressão separação, não se está falando apenas em separação judicial litigiosa, mas sim em qualquer espécie de rompimento de vínculo estabelecido no âmbito de entidade familiar.   Tanto poderá ser uma separação, quanto um divórcio direto ou uma dissolução de união estável, pois em todas estas situações a questão da guarda dos filhos menores aparece e precisa ser regulamentada em estrito atendimento ao interesse da prole.

A guarda já existe dentro da família, pois é um dos atributos do poder familiar que os pais exercem sobre os filhos menores de idade (ou seja, pela ótica do Código Civil de 2002, com idade inferior a 18 anos), consoante dispõe o artigo 1631 do Código Civil.

Compete aos genitores (artigo 1634 do Código Civil):  (I) a direção da educação e da criação, (II) tê-los em sua guarda e companhia, (III) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem, (IV) nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar, (V) representá-los, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento, (VI) reclamá-los de quem ilegalmente os detenha e (VII) exigir que lhes prestem obediência, respeito e serviços próprios de sua idade e condição. 

Logo, os pais, em relação aos filhos menores, tem a guarda natural destes em razão do poder familiar exercido.
 

 Quando da separação do casal genitor é que surge a questão da guarda na terminologia que estamos acostumados a encontrar, ou seja, quando é preciso estabelecer com quem irão residir os filhos menores do ex-casal.  Convém lembrar que a separação do casal não altera as relações destes com os filhos, como dispõe claramente o artigo  1632, segundo o qual “a separação judicial, o divórcio e a dissolução de união estável  não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos” – grifou-se.

Como regra, tem-se que incumbia ao casal separando estabelecer a guarda da prole; dispunha a redação original do artigo 1583 do Código Civil  que  observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.  

Agora, com o advento da Lei nº 11.698/08, que deu nova redação aos artigos 1583 e 1584 do Código Civil, tem-se que a situação se alterou sensivelmente.

Atualmente, dispõe o artigo 1583 que a guarda será unilateral ou compartilhada, acrescendo que a guarda unilateral é a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (primeira hipótese) e compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns (segunda hipótese). 

O que hoje se chama de guarda unilateral é aquela situação em que um genitor detém a guarda (entendido isso como sendo o local onde a prole irá residir),  tocando ao outro genitor o encargo de contribuir financeiramente para o sustento (ou seja, a pagar pensão alimentícia) e o direito de visitas (exercício do direito de convívio), consoante acordado. 

Lembre-se que, nos dias que hoje correm, até mesmo em atenção estrita ao princípio constitucional da igualdade/ isonomia, não mais vige a idéia de que a guarda dos filhos menores será sempre da mãe, sendo cada vez mas comum que no acordo dos genitores os filhos permaneçam na companhia paterna, sendo assegurado à mãe o direito de visitas e o fixado encargo alimentar a ser por ela suportado. 

Em caso de ser chamado o Poder Judiciário a estabelecer a guarda da prole, ante a ausência de consenso entre os genitores, a guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la (artigo 1583, § 2º).   

Muito se discutia a respeito da expressão “revelar melhores condições de exercê-la”, referência que já existia na redação original do Código Civil, pois tal avaliação envolvia um juízo de valor bastante subjetivo.  Hoje a própria lei estabelece o que deve ser analisado, inclusive referindo que a análise das melhores condições para exercer a guarda será feita objetivamente, para apurar qual deles terá mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e segurança; III – educação   (artigo 1583, § 2º, incisos I, II, e III).

Consigne-se que a análise das condições, mesmo antes desta reforma legislativa, não abrangia apenas verificar o equilíbrio psicológico do genitor, mas também sua disponibilidade de tempo, interação com a prole, as condições de moradia e habitação, bem como a capacidade de estabelecer limites para os filhos, o que é absolutamente necessário para um desenvolvimento de um adulto saudável e inserido socialmente.   Em caso de idênticas condições, deverá ser atentado para o interesse da criança/adolescente, mas sempre de forma a não constranger o menor a fazer uma escolha entre os pais.
 

Infelizmente ainda é bastante freqüente nas Varas de Família que os  genitores disputem a guarda dos filhos, fazendo inclusive promessas de gratificações materiais (presentes, viagens, etc.) para que os menores optem pela sua companhia.  Os Juizes de Direito e Promotores de Justiça precisam estar sempre atentos para tais circunstâncias, pois a verificação das condições para ter a guarda dos filhos abrange, também, a análise de se um dos genitores não está manipulando ou, até mesmo,  fazendo uma certa chantagem emocional com a prole a fim de obter judicialmente a guarda.

É bom que se lembre que os Tribunais Pátrios tem entendido que, em havendo idênticas condições entre os genitores, é de ser mantida a situação fática consolidada.  Ou seja, se os filhos estão na guarda de um genitor, não basta o outro desejar a alteração, pois não havendo nada que desaconselhe a manutenção destes na situação verificada, não há razão alguma para se deferir a alteração.  A modificação de guarda, lembre-se, somente ocorre em estrito atendimento aos interesses dos menores.    Neste sentido:


AÇAO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. GUARDA DOS FILHOS. INTERESSE DOS MENORES. Em se tratando de guarda, deve prevalecer sempre o interesse do menor. No presente caso, consideradas as possibilidades do genitor e os cuidados que dispensa em favor dos menores, adequada a manutenção da sentença. APELO NÃO PROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70021580493, 8ª C. Cível, TJRS, Rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 10/04/2008) – grifou-se.


APELAÇÃO CÍVEL. GUARDA. FILHO MENOR. ALTERAÇÃO INDEFERIDA. (…) Inexistido qualquer prova nos autos de que o pai não esteja exercendo a guarda do filho menor a contento, a qual foi atribuída a ele por acordo entabulado em ação de separação de consensual, descabe sua alteração para a genitora. Nulidade rejeitada. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70023359466, 8 C. Cível, TJRS, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 04/04/2008) – grifou-se.


Ademais, a jurisprudência reitera a importância de se evitar alterações de guarda sempre que possível, ante as conseqüências traumáticas que isso pode gerar.  Neste sentido:


SEPARAÇÃO JUDICIAL. GUARDA PROVISÓRIA DE FILHO. ALTERAÇÃO. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. INTERESSE DA CRIANÇA. 1. As mudanças de guarda são sempre traumáticas e devem ser evitadas tanto quanto possível, pois com ela mudam também todos referenciais da criança, correndo-se o risco de comprometer-lhe o equilíbrio emocional. 2. Não havendo superveniência de motivo grave para determinar a alteração provisória da guarda, deve o filho permanecer sob a guarda materna. 3. Compete a ambos os genitores o dever de sustento dos filhos e, enquanto a guardiã presta alimentos in natura ao filho que com ela reside, cabe ao genitor prestar-lhe pensão in pecunia, em valor suficiente para suprir-lhe as necessidades. 4. Constitui ônus processual de quem alega a inadequação da pensão produzir prova cabal do desequilíbrio do binômio possibilidade-necessidade, a fim de obter o redimensionamento do encargo alimentar. 5. Descabe reduzir os alimentos quando não fica comprovada a impossibilidade do genitor. 6. A regulamentação de visitas materializa o direito do filho de conviver com o genitor não-guardião, assegurando o desenvolvimento de um vínculo afetivo saudável entre ambos, mas sem que isso afaste a mãe da rotina de vida do infante, pois deve ser resguardado sempre o melhor interesse da criança, que está acima da conveniência dos genitores. Recurso provido em parte. (Agravo de Instrumento Nº 70022480941, 7 C. Cível, TJRS, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 26/03/2008) – grifou-se.


Neste julgado, além de salientar a importância de se evitar a instabilidade na situação dos infantes, o Des. Sérgio Chaves aponta um norte a ser seguido no que se refere ao agir dos genitores.  Lembra que compete a ambos o dever de sustento dos filhos e, enquanto a guardiã presta alimentos in natura ao filho que com ela reside, cabe ao genitor prestar-lhe pensão in pecunia, em valor suficiente para suprir-lhe as necessidades.   Salienta a importância da convivência e que o norte a ser seguido está nos interesses da criança. 

Muitas vezes é esquecido que aquele que detém a guarda também deve ser responsável pelo sustento do filho.  Conforme dispõe o artigo 1703 do Código Civil, para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos.  Exercendo pai e mãe atividade laboral remunerada, ambos devem contribuir, na medida de suas possibilidades, para o sustento da prole comum. 

De uma forma simplificada, pode-se exemplificar a situação imaginando que as despesas da prole atinjam o um valor específico, o qual, em princípio deveria ser dividido por metade para cada genitor; no entanto, se a remuneração de um é o dobro da remuneração do outro, parece justificada uma divisão 30% a 70% das despesas como forma de ambos participarem e compensarem-se as desigualdades de remuneração.  

Lembre-se que, por óbvio, os alimentos prestados pelo guardião não são em moeda corrente, mas sim in natura, neste sentido:


ALIMENTOS. FILHO MENOR. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM. 1. Os alimentos devem ser fixados de forma a atender as necessidades do filho menor, assegurando-lhe condições de vida assemelhadas às do pai, mas sem sobrecarregá-lo em demasia. 2. Compete a ambos os genitores o dever de sustento do filho menor e, enquanto a guardiã presta alimentos in natura ao filho que com ela reside, cabe ao outro genitor prestar-lhe pensão in pecunia, em valor suficiente para atender-lhe as necessidades. Recurso provido em parte, vencida a Relatora. (Apelação Cível Nº 70022329064, 7ª C. Cível, TJRS, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 20/02/2008) – grifou-se.


Não é demais mencionar que freqüentemente o genitor guardião tem despesas mais elevadas do que o não-guardião, pois enquanto este limita sua contribuição aos valores da pensão alimentícia e eventuais despesa durante a visitação, àquele é o responsável pela administração do dia-a-dia, não tendo condições de limitar de forma tão rígida sua participação no cotidiano dos filhos.

Faz-se tal parênteses abrangendo a questão alimentar uma vez que está estreitamente vinculada a questão da guarda,  pois é comum nas disputas desta se verificar a existência de um objetivo concorrente, qual seja o não pagamento (ou o recebimento) de pensão alimentícia.  A questão alimentar muitas vezes aparece como sendo um prêmio a ser obtido no processo de guarda.    

É de se mencionar, também, que embora já se vão quase quatro décadas de emancipação da mulher, bem como de intensa luta pelos direitos iguais, e estando evidenciada a efetiva inserção feminina no mercado de trabalho,  ainda hoje é extremamente raro uma mulher se oferecer para pagar alimentos aos filhos menores que permaneceram na guarda do pai.  E mais, quando se oferecem, pretendem o pagamento in natura através do fornecimento de material escolar, roupas, brinquedos e utensílios variados.  Quando está invertida a situação (a guarda é materna), é pouco comum que seja aceito o pagamento de alimentos in natura, sendo normalmente exigindo o pagamento em moeda corrente, sob o argumento de que, do contrário, haveria uma indesejada ingerência do varão na rotina doméstica.

No momento em que se luta por afirma a igualdade de direitos, não se pode deixar de reconhecer a simultânea existência de deveres iguais, de forma que se impõe que a mulher de hoje, apta a prover o próprio sustento e sendo economicamente viável, dê sua contribuição efetiva para o sustento da prole. 

Retornando ao tópico da guarda propriamente dito, é de se mencionar que ainda persiste no nosso sistema judicial um certo ranço, no sentido de haver certa preferência, se é que se pode dizer assim, pela guarda materna.   Embora o Primeiro Grau de Jurisdição seja bastante inovador e venha, muitas vezes, acolhendo pleitos de pais em litígio, deferindo aos homens a guarda dos filhos menores,  tem-se que o Segundo Grau ainda se mostra conservador, dificilmente optando pela guarda paterna.  Infelizmente, ainda há um entendimento, até mesmo entre a população leiga, de que o lugar dos filhos é com a mãe, cabendo ao pai apenas pagar a conta, ou seja, alcançar os alimentos a prole.

Mais uma vez é de se repetir que as mudanças impostas pela vida moderna, aliada a efetiva inserção da mulher no mercado de trabalho, bem como a existência de uma geração de pais conscientes e participativos nos cuidados dos filhos, ainda que recém nascidos, faz com que qualquer um dos genitores tenha iguais condições de assumir a guarda da prole comum.   Logo, pais e mães são iguais em direitos e obrigações, cabendo ao Poder Judiciário partir desta premissa para identificar, em caso de litígio,  qual dos genitores será o melhor cuidador.

Quando não há consenso e se mostra necessário ao Poder Judiciário estabelecer a quem incumbirá a guarda da prole. Nesta hipótese,  um agente externo ao casal (com um discurso de mestre) estabelece normas para regular as relações entre pais e filhos, no que antes era resolvido livremente na privacidade do meio familiar. Tais regras geram interpretações, muitas vezes equivocadas, dos genitores, que vão desde a idéia de que o guardião seria o único detentor da posse do filho, passando este a se julgar o único responsável pelas escolhas e decisões referentes a vida da prole, o que dificulta (quando não impede) o contato entre o não guardião e a prole.

Nunca é demais repetir que a separação não deve modificar a convivência entre os filhos, devendo os dois genitores, guardião e não-guardião, continuarem a dividir os encargos dos cuidados para com a prole. Dispõe o artigo  1632 do Código Civil que a separação judicial, o divórcio e a dissolução de união estável  não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”.    Logo, todos os demais direitos permanecem inalterados, de forma que o não guardião continua com o direito/dever de dirigir a educação e criação, exigir obediência e respeito e todos os demais encargos previstos no artigo 1634 do diploma civil substantivo.

Assim, parece desnecessário e até repetitivo o disposto na nova redação dada ao artigo 1583, §3º, do Código Civil, segundo a qual “a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos”.    Ora, isso já estava previsto na redação original do nosso Código Civil, como se viu do teor do artigo 1632;  no momento em que a separação não altera as relações entre pais e filhos, bem como que dentro destas está o dever de supervisionar a educação e a criação da prole, por certo desnecessário gerar tal obrigação (como faz o já mencionado § 3º do art. 1583).

Tal dispositivo é, sem sombra de dúvida, redundante, mas serve talvez para deixar ainda mais claro o que já estava límpido, no intuito de se buscar a participação mais efetiva do genitor não guardião.    Infelizmente, ainda é bastante comum no cotidiano forense, que após a separação dos pais, aquele que não ficou com a guarda também se separe dos filhos, deixando de ter participação efetiva e importante no cotidiano da prole. 

Isso ocorre, muitas vezes, em razão da dificuldade de separar a figura de genitor da figura de parceiro, seja ele cônjuge ou companheiro.   Impõe-se fazer a distinção entre o casal parental e o casal marital, pois este último pode se separar, mas o primeiro sempre deverá trabalhar de forma unida para buscar o melhor para a prole, embora, como pessoas, tenham optado por caminhos distintos.

Estabelecida a guarda unilateral, assentado que o não guardião tem o dever de supervisionar a educação, tem-se que resta referir a questão do direito de visitas, que é a forma através da qual se materializa o direito de convívio do filho com o outro genitor.  Tal convivência assegura o desenvolvimento de um vínculo afetivo saudável entre ambos, pois é do interesse do infante manter o contato freqüente e saudável com ambos os genitores.  Lembre-se sempre que o melhor interesse da criança deve estar sempre acima da conveniência dos pais.

Não apenas a lei já garantia (como vimos do teor do artigo 1632 do Código Civil), mas também a jurisprudência já havia estabelecido que aquele que não é guardião também tem o direito de participar da direção da educação do filho, devendo ser buscada sempre a forma que melhor assegurar o superior interesse da criança, atentando-se para a sua faixa etária, em função do seu desenvolvimento físico, mental, emocional e, também, social. A conveniência do genitor em conviver com o filho tem seu limite bem demarcado pelo interesse da criança,  de modo que não pode causar transtornos na rotina do infante, embora deva ser incentivada por ambos os genitores,  como bem aponta o Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, em diversos julgados.

No entanto, como refere a psicanalista Lenita Pacheco Lemos Duarte, “no momento em que as decisões passam do âmbito pessoal para ficarem submetidas a terceiros (no caso o Estado-Juiz), apresentam-se interferências na subjetividade dos sujeitos implicados na situação de litígio familiar, restringindo suas escolhas.” [1].  Esta autora tem uma interessante publicação, intitulada A Guarda dos Filhos na Família em Litígio – Uma Interlocução da Psicanálise com o Direito, que apresenta de forma bastante minudente o tema em discussão.

Não é demais repetir que o maior obstáculo ao pleno exercício do direito de convivência não está na legislação, mas sim na cabeça dos guardiões, que por vezes se vêem como donos dos filhos.  Um exemplo disso está na  “convicção” que alguns tem de que existe uma forma fixada em lei para a visitação, que seria aquela de finais de semanas alternados.  Esta formula foi estabelecida pela jurisprudência, dentro de uma idéia francamente superada de que o convívio somente poderia ocorrer aos sábados e domingos.  O convívio pode ocorrer a qualquer tempo e em qualquer dia, sendo inclusive recomendável a maior freqüência, pois quanto mais há conivência, maiores as chances dos laços de afeto se reforçarem.  Havendo afeto, há comprometimento e responsabilidade. 

Felizmente, hoje uma considerável parte dos pais separados (dentre aqueles que não conseguiram ajustar de forma consensual a visitação livre e ampla), buscam em Juízo um maior contato e uma maior participação no cotidiano da prole. As crianças têm pai e mãe, os quais tem direitos e deveres iguais para com a prole.  Logo, os filhos têm o direito a um amplo convívio com ambos os genitores, não havendo porque se restringir a convivência a finais de semana alternados.  

O ideal é que o não guardião além dos finais de semana, de pernoites durante a semana, também participe do cotidiano, levando e buscando da escola, dando almoço ou jantar, fazendo temas, acompanhando em eventos sociais, festas infantis ou familiares.    Somente assim o direito ao amplo convívio estará de fato sendo exercido.

                                  
É de se reconhecer que a justiça gaúcha está sendo bem receptiva a idéia de visitas amplas, de forma que, sempre que possível é feita a opção pela visita livre, onde o genitor tem participação intensa na vida e no cotidiano dos filhos.  

                                  
É claro que nem sempre tudo transcorre de forma tranqüila.  Sabido é que existem abusos de parte a parte, pois assim como há guardiões que dificultam o acesso, há não-guardiões que simplesmente não cumprem o acordado, deixando os filhos a espera nos dias de visita, gerando intensa frustração da criança.

                                  
O exercício da guarda e do direito de visitas exige responsabilidade dos adultos, pois é com seu comportamento que estarão dando exemplo para os filhos.   E é através do exemplo concreto que as crianças recebem as mais importantes lições em sua vida. 

                                  
No que se refere a guarda compartilhada, impõe-se fazer algumas colocações, pois há certa confusão a respeito do tema.  É inquestionável e indiscutível que a continuidade do convívio da criança com ambos os pais é indispensável para o desenvolvimento emocional da criança de forma saudável.  A presença diária dos pais, sempre que possível, é elemento importante para o desenvolvimento saudável da criança,  não se podendo esquecer que os deveres dos genitores não se alteram com o final do casamento. 

                                  
Dispõe atualmente art. 1583, § 1º, segunda hipótese, do Código Civil, que a guarda compartilhada significa a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns

                                  
Sem sombra de dúvida, a idéia da guarda compartilhada é a que mais preserva os interesses da criança, que terá um convívio intenso e constante com ambos os genitores.  No entanto, quando se lembra dos desacertos existentes entre ex-cônjuges, especialmente quando o relacionamento foi  levado a extremos de forma que sequer respeito restou entre eles, tem-se sérias dúvidas sobre a eficácia prática da guarda compartilhada.

                                  
A definição vernácula de compartilhar, é participar de, ter ou tomar parte em; participar é tomar parte em, comunicar, fazer saber, informar, associar-se pelo pensamento ou pelo sentimento, solidarizar-se, compartilhar
[2].   Logo, a guarda compartilhada é aquela em que os genitores continuam a se comunicar sobre o desenvolvimento do filho, ambos participando em igualdade de condições da criação da prole comum.  Talvez fosse melhor que esta guarda fosse chamada de participativa, pois o que está na essência é a colaboração, o esforço comum, e não a divisão dos filhos entre os pais. 

                                  
Assentado isso, se intui que somente é possível a guarda compartilhada quando existir efetiva participação entre os genitores. Como só é possível ocorrer participação de fato quando há um canal aberto de comunicação, bem como respeito entre os genitores, somente parece razoável a guarda compartilhada ser definida por consenso.   

                                  
No entanto, estranhamente a lei prevê a possibilidade de imposição pelo Poder Judiciário da guarda compartilhada, ao referir que quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada (art. 1584, § 2º).   Ora, justamente quando não há acordo, é que o deferimento da guarda compartilhada não é hipótese viável.   Inexistindo consenso, não há a convivência harmoniosa ou o condomínio de sentimentos que são absolutamente necessários para o funcionamento adequado deste modelo de cuidados para com a prole. 


                                   Como bem refere José Carlos Teixeira Giorgis, a expressão guarda compartilhada é “paradoxo interno, pois presume um condomínio de sentimentos do casal que só ocorre quando juntos no mesmo ninho. (…) É necessário esclarecer que a guarda compartilhada não será o remédio milagroso para a cura dos distúrbios familiares; nem divisão de tempo ou de semana, para folgança dos pais; não é a intromissão lá e cá, principalmente quando se cuidam de entidades reconstituídas; não tem lugar quando há mágoas, litígio ou difícil relacionamento na parceria. (…) Esse cooperativismo familiar exige que continue a convivência harmoniosa dos pais separados; que haja um trânsito natural do filho entre dois lares; e transpareça a convergência de esforços para um processo educacional eficiente e prazeiroso; que haja diálogo e entendimento cotidianos; e o filho se sinta querido e não alijado da companhia por desculpas ou banalidades; que preserve a permanente paternidade ou maternidade, sem invejas ou frustrações.” (in A guarda compartilhada, disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=421, acesso em 04.06.2008) – grifou-se.

                                  
Acresce, com perfeição, apontando que “a guarda compartilhada restará para situações restritas que pedem abdicação, desprendimento e eterno esquecimento das agruras que conduziram à separação; e onde as ambições devem submeter-se à disciplina do amor maior” (artigo citado).

                                   
Repetindo a preocupação agora externada, refere
Maria Luiza Póvoa Cruz que “Direito de Família trata de relações afetivas, complexas. Não se resolve questões complexas, impondo condutas, de forma objetiva. A flexibilização é o melhor caminho. (…) Obviamente, compartilhar a educação dos filhos, seria o ideal. Pais presentes, participativos. Porém, essa premissa não é a realidade das Varas de Família. Nas relações judiciais, às vezes, o elo determinante da família, o amor, o afeto, o respeito, perdem espaço para conflitos, desentendimentos. E os filhos? Se encontram no meio da história da degradação pessoal dos pais. Poupar os filhos, como o casal é tarefa preciosa do juiz e advogado, auxiliados por estudiosos da psicologia, da psicanálise. Enfim, o caminho é sinuoso, porém repleto de vitórias se assim for dirimido.” (in Guarda Compartilhada ou Conjunta: Fere a autonomia dos pais e relega o interesse do menor, disponível em
http://www.ibdfam.com.br/, acesso em 18.06.2008) – grifou-se. 

                                  
Para que a guarda compartilhada de fato ocorra, impõe-se que os pais tenham saído da separação sem mágoas ou ressentimentos insuperáveis, amadurecidos e dispostos a continuar conjugando esforços para buscar o atendimento conjunto dos interesses da prole.  

                                  
Gize-se a guarda compartilhada não é, como parece a alguns, a divisão exata do tempo da criança entre os dois genitores.  É a divisão dos encargos e atribuições a respeito dos filhos, não necessariamente das horas de convívio.   O que caracteriza a guarda compartilhada não é o local de moradia, mas as
condições de pai e mãe de assumirem, em igualdade, responsabilidades e decisões.  

                                  
No dia 22.05.2008 a Desembargadora, hoje aposentada,  Maria Berenice Dias, referiu em entrevista para o Jornal Zero Hora, entender que a criança deixaria de ser um instrumento para mãe ou pai que for prisioneiro de rancores passados. Lá foi afirmado que “na separação, um tenta se vingar do outro pela perda do sonho do amor eterno. O que fica com a guarda, diz: o filho é meu. Com a guarda compartilhada, o filho deixa de ser um troféu”.   Em razão disso, sustentava que a guarda compartilhada deveria ser fixada, mesmo quando não há consenso entre os pais (hipótese aventada pelo artigo 1584, § 2º, do Código Civil).  

                                  
Pede-se vênia para discordar do entendimento, pois parece claro que quando não há consenso, não há como determinar a guarda compartilhada, por ausência de premissas essenciais para que o instituto ocorra de forma satisfatória.   Compartilhar implica dividir, exige uma profunda mudança cultural e uma certa evolução pessoal, onde ambos os genitores deixem de pensar em si próprios para colocar como norte de seu agir o interesse da prole comum.

                                  
Parece-nos que, com a guarda compartilhada imposta, ter-se-á ainda mais desacertos entre os genitores.  Onde não há parâmetros estabelecidos, não há limites regulamentares, cada um dos genitores poderá se achar no direito de fazer o que bem entender, vindo a prejudicar o convívio do outro com a prole comum.    Não é por ter sido imposto o compartilhamento que o ex-casal, que ainda não conseguiu consumar emocional e afetivamente a separação, irá conseguir administrar as diferenças e conjugar esforços em prol dos filhos.

                                  
Infelizmente, enquanto não houver consenso, tem-se que impor uma guarda compartilhada parece ser o melhor caminho para o desastre.   Exigir de duas pessoas, que necessitaram da intervenção do poder Judiciário para por termo ao casamento, que consigam resolver os problemas cotidianos da educação e criação dos filhos, é superestimar a capacidade humana de administrar conflitos.  

                                  
Não se diga que tal situação ficaria superada pelo disposto no artigo 1584, § 3o , do Código Civil, segundo o qual “para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar”.

                                  
Não é viável estabelecer em sentença toda a minúcia referente ao exercício da guarda; a variedade das situações constadas no dia-a-dia sempre exigirá interpretação e adequação, o que poderá acirrar atritos entre ex-companheiros que dividem uma guarda de forma imposta.

                                  
Quando há bom senso e entendimento entre o ex-casal, a guarda compartilhada já existe e é uma realidade.  Quando há desacerto entre os genitores, quando ambos não conseguem estabelecer de forma efetivamente compartilhada, ou seja, a dois, o que é melhor para os filhos, talvez o sistema anterior de guarda única com visitação estabelecida, seja a melhor forma de se proceder. 

                                  
É de se mencionar o teor do § 4º do artigo 1584, que parece ignorar o princípio do melhor interesse da criança, pois segundo ele a alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.  Do que se depreende da leitura do texto legal é que, havendo o descumprimento imotivado, que em síntese será sempre um desentendimento entre os genitores, um deles poderá ser punido com a redução da conivência com o filho. 

                                  
Quando se lembra que o direito de visitas é também e principalmente da criança, que tem o direito de conviver com ambos os genitores,  vê-se o equívoco no texto legal.  Quem será punido com a redução do número de horas de convivência será  o filho e não o genitor.   É certo punir a vítima do desentendimento dos pais ?   Parece evidente que não. 

                                  
O deferimento da guarda compartilhada a casais não amadurecidos e aptos a fazer tal divisão de atribuições por certo dará margem a pedidos freqüentes para que a Justiça componha a situação, pois os genitores não conseguem entrar em acordo.   Já se pode antever desacertos sobre a escola em que a criança será matriculada, se fará judô ou natação, inglês ou alemão;  sempre que os pais não chegarem a um consenso, considerando o regime de guarda compartilhada, será necessário buscar a intervenção judicial para resolver o impasse.

                                  
Ou seja, o deferimento da guarda compartilhada pode vir a gerar ainda mais litígio e desacerto, o que certamente vem em prejuízo da prole. 

                                  
Mostra-se oportuno trazer à colação a experiência norte-americana com a matéria, que se mostra bastante ilustrativa.  Consoante historia François Podevyn
[3], “a tradição considera que a mulher, como mãe, é mais apta que o homem para ocupar-se com os filhos.  Desde os anos 60, as mães buscaram mais e mais os estudos e uma carreira profissional enquanto os pais se envolvem com vantagem nas atividades caseiras  e nos cuidados com as crianças. No início dos anos 70, uma lei permitindo o `divórcio sem culpa` provocou nos Estados Unidos uma quantidade de divórcios sem precedente.  Alguns anos depois uma nova lei instituiu a `Guarda Compartilhada`, impossível até então sem acordo com a mãe.”

                                  
Sem negar que o interesse dos filhos é primordial é que o melhor genitor são ambos os pais agindo conjuntamente, François Podevyn prossegue referindo que esta idéia “tem um efeito perverso: se os pais não se entendem, o conflito é levado aos tribunais e se degenera numa guerra onde cada um procura demonstrar que o outro é um mau genitor.

                                  
“Nos anos 80 (nos EUA) se observa uma escalada de conflitos e, em casos extremos, o desvio do afeto das crianças para um de seus genitores em detrimento do outro.  O primeiro a dar um nome para este fenômeno é o psiquiatra Richard Gardner: a Síndrome da Alienação Parental.”

                                  
Este distúrbio se inicia como uma demonstração de preocupação normal, mas se desvia para uma superproteção, onde o genitor alienador “pode ficar cego por sua raiva ou pode se animar por um espírito de vingança provocado pela inveja ou pela cólera.  Se vê como vítima, injustamente e cruelmente tratado pelo outro genitor, do qual procura se vingar fazendo crer aos filhos que o outro genitor tem todos os defeitos.  (…) O genitor alienado torna-se um forasteiro para a criança. O modelo principal  das crianças será o genitor patológico, mal adaptado e possuidor de disfunção.  Muitas dessas crianças desenvolvem sérios transtornos psiquiátricos.   Induzir uma Síndrome de Alienação Parental em uma criança é uma forma de abuso”[4]

                                  
Mostra-se extremamente importante frisar que o genitor patológico, que afasta o filho do outro, em fato não é uma pessoa má, mas sim uma pessoa doente, que exagera na proteção ao filho na certeza de que age com a melhor das intenções e com o melhor dos objetivos. O genitor alienador é um produto de um sistema ilusório, onde todo seu ser se orienta para a destruição da relação dos filhos com o outro genitor, pois para ele, ter o controle total de seus filhos é uma questão de vida ou de morte, uma vez que não reconhece seus filhos como seres humanos independentes (separados de si).

                                  
São comportamentos clássicos do genitor alienador:  a recusa em passar as chamadas telefônicas para os filhos; organizar várias atividades com os filhos durante o período que o outro genitor deveria estar exercendo o direito de visitas; apresentar o novo cônjuge/companheiro para os filhos como sendo sua nova mãe/seu novo pai; interceptar as cartas e pacotes mandados aos filhos; recusar ao outro informações sobre as atividades dos filhos, sejam elas escolares ou não; falar de maneira descortês do novo cônjuge/companheiro do outro; impedir o outro de exercer seu direito de visitas; “esquecer” de avisar o outro de compromissos importantes (dentista, médico, psicólogo, etc.); tomar decisões importantes a respeito dos filhos sem consultar o outro; impedir o outro de ter acesso a informações escolares e/ou médicas dos filhos; desmerecer presentes dados pelo outro e impedir os filhos de usufruírem de tais benesses; culpar o outro pelo mau comportamento dos filhos; ameaçar punir a prole por manterem contato com o outro genitor.

                                  
Quando a síndrome se instala, a própria criança dá sua contribuição no processo de desmoralização do genitor alienado.   Freqüentemente as vítimas deste processo sequer se apercebem do que ocorreu, visto estarem absolutamente convictas de que o outro genitor não lhes tinha carinho, afeto, bem como por terem internalizado as idéias passadas pelo alienador.  

                                  
Consigne-se que o simples fato de ocorrerem alguns destes comportamentos entre pais recém-separados (especialmente quando o relacionamento se rompeu de forma litigiosa e há intensos ressentimentos entre o ex-casal), não significa que esteja em andamento uma alienação parental.  No entanto, é importante sempre estar atento, pois é difícil a identificação deste comportamento, que pode deixar seqüelas permanentes na prole.  

                                  
Consigne-se que, por vezes, o processo de alienação pode ser desencadeada não apenas pelo genitor, mas também por seu grupo familiar, que passa a tentar invalidar a figura do outro, buscando a posse exclusiva da prole.  Felizmente, hoje a jurisprudência tem sido sensível a tal situação, visto amparada por diversos serviços técnicos de apoio, que permitem melhor identificar a situação.  Neste sentido:


APELAÇÃO CÍVEL. MÃE FALECIDA. GUARDA DISPUTADA PELO PAI E AVÓS  MATERNOS. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL DESENCADEADA PELOS AVÓS. DEFERIMENTO DA GUARDA AO PAI.  1. Não merece reparos a sentença que, após o falecimento da mãe, deferiu a guarda de criança ao pai, que demonstra reunir todas as condições necessárias para proporcionar a filha um ambiente familiar com amor e limites, necessários ao seu saudável crescimento. 2. A tentativa de invalidar a figura paterna, geradora da síndrome da alienação parental, só milita em desfavor da criança e pode ensejar, caso persista, suspensão das visitas aos avós, a ser postulada em processo próprio.  NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70017390972, 7ª C. Cível, TJRS, Rel. Des. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 13.06.2997) – grifou-se.


                                  
É de se repetir, o alienador não é uma pessoa má, mas sim alguém que não consegue separar sua individualidade da individualidade da prole, entendendo como o controle absoluto a única forma de dar amor e atendimento adequado.   Estas pessoas precisam de acompanhamento e tratamento (psicológico e terapêutico) para que possam voltar a conviver com os descendentes de forma saudável.

                                  
Encaminhando o final da apresentação, parece oportuno fazer um comentário sobre a visitação avoenga.  Em época em que se fala tanto em obrigação alimentar avoenga, nova moda entre as demandas nas Varas de Família, mostra-se importante lembrar que os avós, além de possuírem responsabilidade alimentar subsidiária, por certo também possuem o direito de conviver com os netos, especialmente naquelas hipótese em que o genitor ao qual são vinculados não exerce o direito de visitas por algum motivo.

                                  
As demandas avoengas mais comuns são movidas contra avós paternos, nos casos em que o pai tomou rumo ignorado, não mantendo sequer contato com a criança.    O que se verifica de forma freqüente é que embora seja buscada verba alimentar dos avós, dificilmente (para não se dizer nunca) há um oferecimento de contato, de proximidade, de visitação.

                                  
O que se espera é que os avós contribuam financeiramente, mas não há a disposição dos netos (ou de seus guardiões) para estabelecerem contato de visitas e estreitamente de laços afetivos.  Parecem se esquecer que o contato entre ascendentes e descendentes é via de mão dupla, onde se um tem obrigação alimentar, também detém o direito de convívio, que pode ser estabelecido através de visitação periódica.

                                  
No entanto, não se pode esquecer que também aqui o norte a ser seguido é o do estrito interesse da criança.  Neste sentido:


AGRAVO INTERNO. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS DOS AVÓS A NETA. DIREITO RECONHECIDO NOS PRETÓRIOS. AMPLIAÇÃO DEPENDENTE DE ESTUDO SOCIAL E OUTRAS PROVAS NOS AUTOS.  Por construção pretoriana, é reconhecido o direito de visitas dos avós ao neto, com vista ao fortalecimento das relações familiares e saudável constituição afeto-emocional da criança. No entanto, sua regulamentação depende de provas e estudo social com vista a subsidiar o magistrado para decisão que melhor atenda os interesses da criança. Ausente, ainda, tais provas, em razão da fase inicial do processo, não há como atender, por ora, a ampliação das visitas buscada pelos recorrentes. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70023246952, 7ª  C. Cível, TJRS, Rel. Des. André Luiz Planella Villarinho, julgado em 14.05.2008) – grifou-se.


                                  
No entanto, nos casos em que há desacerto intenso, bem como o clima de beligerância entre os grupos familiares é evidente, a jurisprudência tem afastado a visitação, visando sempre preservar os interesses dos menores. Neste sentido:


GUARDA. DIREITO DE VISITAS DOS AVÓS E TIOS PATERNOS. Não é de ser conferido o direito de visitas aos avós e tios paternos quando demonstrado que tal convivência, por ora, pode ser prejudicial aos interesses da criança, que deve ser preservada do clima estressante e de extrema beligerância existente entre o pai e seus familiares e a genitora.  Negado provimento, vencido o relator (Apelação Cível n. 70017405150, 7 C. Cível, TJRS, Rel. Des. Maria Berenice Dias, julgado em 14.02.2007) – grifou-se.


                                  
Este caso específico envolve um pai que está com o poder familiar (e consequentemente, as visitas) suspenso em razão de abuso sexual cometido contra o filho menor,  situação reconhecida em processo judicial já com trânsito em julgado.   No entanto, o grupo familiar paterno não admite o abuso, entendendo que houve grave injustiça, insistindo em convívio com o menino.   Consigne-se que as tentativas de visitação estabelecidas durante o processo foram retumbantes fracassos, com o menino sendo sistematicamente exposto a figura paterna (que não se fez presente fisicamente, mas por meio de fotografias e nas palavras de seus familiares) ; tais visitas foram acompanhadas por terapeuta, que narrou tais fatos ao Juízo Monocrático, ensejando o desacolhimento da demanda. 

                                  
O Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, com pertinência, referiu que “a família paterna não aceitou a situação e não admite, em nenhuma hipótese, que o genitor tenha praticado o abuso. Essa imagem de injustiça, mesmo sub-repticiamente – isso é inevitável, a meu ver-, será inculcada na criança, criando nela conflitos que devem ser evitados.  Toda essa situação de visitas supervisionadas é uma situação de estresse para a criança, não há como escapar disso.  Penso que ela deve ser poupada. (…) Em certas situações, amar é saber renunciar no momento certo, quando essa pode ser eventualmente a melhor solução.”  

                                  
Logo, a visitação avoenga é uma realidade, mas deve ser sempre norteada pelo princípio do melhor interesse da criança, que, aliás, rege toda a discussão travada neste palco. 

                                   
A título de conclusão, é de se mencionar que para a criação de adultos emocionalmente saudáveis e inseridos de forma satisfatória no meio social, o melhor caminho é através da orientação simultânea e coerente de pai e mãe.   Estes devem, sempre que possível, buscar atender os interesse da prole comum, compartilhando as decisões e assumindo conjuntamente todas as responsabilidades de se criar um filho.   Impõe-se que os pais superem seus desacertos para que juntos trabalhem pelo ideal superior, que é a criação de filhos ajustados e integrados.  Este ideal passa, obrigatoriamente pela modificação da cultura e de premissas comportamentais, onde o indivíduo ex-cônjuge perde importância ante o indivíduo genitor. 

                                  
Alterações legislativas não são suficientes para garantir os interesse de milhares de crianças e adolescentes fruto de lares desfeitos.   O que se exige é um amadurecimento emocional dos pais, este sim pressuposto absolutamente necessário para o efetivo atendimento dos interesses dos filhos. 



[1] O “guardião” dos filhos nas separações conjugais e divórcios: de quem é a escolha?, Direito de Família, diversidade e multidisciplinaridade, IBDFAM, p. 258. 

[2] Conforme Dicionário Michaelis.

[3] Síndrome da Alienação Parental, in http://www.apase.org.br/94001-sindrome.htm,  acesso em 22.03.2006,

[4] François Podevyn, obra citada.

Adalgisa Wiedermann Chaves é sócia do IBDFAM e promotora de justiça do Rio Grande do Sul

 

Fonte: IBDFAM