Artigo – Avanços e retrocessos da nova lei sobre registro de nascimento fora do prazo

Avanços e retrocessos da nova lei sobre registro de nascimento fora do prazo

Por Reinaldo Velloso dos Santos: 3° Tabelião de Protesto de Campinas-SP, ex-Oficial de Registro Civil e autor do livro Registro Civil das Pessoas Naturais.

 

A Lei 11.790, de 2 de outubro de 2008, alterou o artigo 46 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) para permitir o registro da declaração de nascimento fora do prazo legal diretamente nas serventias extrajudiciais.

O prazo, salvo algumas exceções, é de 15 (quinze) dias, prorrogáveis por mais 45 (quarenta e cinco) dias no caso de comparecimento da mãe.

Anteriormente, dispunha a lei que as declarações de nascimento feitas após o decurso do prazo legal somente seriam registradas mediante despacho do juiz competente.

No entanto, o § 1º dispensava o despacho do juiz quando o registrando tivesse menos de 12 (doze) anos de idade.

Assim, o registro de nascimento feito após o decurso do prazo legal, mas antes dos doze anos de idade, era feito sem maiores indagações e independentemente da presença de testemunhas.

Desde o advento da Lei 9.997/2000, o comparecimento de testemunhas do assento, ou seja, pessoas que apenas acompanham a lavratura do registro, vem sendo exigido apenas na hipótese de parto ocorrido sem assistência médica em residência ou fora de unidade hospitalar ou casa de saúde.

E a recente lei, com o intuito de facilitar o registro de nascimento, eliminou a necessidade de despacho do juiz na petição, prevendo somente que requerimento de registro será assinado por 2 (duas) testemunhas, sob as penas da lei.

De forma salutar, estabeleceu que o Oficial, caso suspeite da falsidade da declaração, poderá exigir prova suficiente. Mas, persistindo a suspeita, os autos são encaminhados ao juízo competente.

Nesse sentido, representou a lei notável avanço no sentido de facilitar o registro de nascimento fora do prazo, ressalvando sempre a possibilidade do Oficial exigir prova suficiente.

Essa prova suficiente dependerá de cada caso concreto. A própria Lei de Registros Públicos já prevê que o Oficial, quando tiver motivo para duvidar da declaração, poderá ir à casa do recém-nascido verificar sua existência, exigir atestação do médico ou parteira que tiver assistido o parto, ou então o testemunho de duas pessoas que não forem os pais e tiverem visto o recém-nascido.

Ou seja, competirá ao Oficial de Registro, que é um profissional do Direito devidamente qualificado e fiscalizado pelo Poder Judiciário, atuar de forma responsável e zelosa, utilizando sua experiência para aferir a idoneidade da declaração prestada, exigindo provas complementares sempre que houver suspeita de falsidade.

Em alguns casos o procedimento será bem simplificado, como no caso de apresentação da via original da declaração de nascido vivo expedida pelo Hospital.

Noutros, interessante será a realização de entrevista pessoal com os pais, o registrando e outros parentes, que poderão ser admitidos como testemunha, como prevê de forma excepcional o artigo 42 da Lei 6.015/1973.

Por outro lado, contudo, a recente lei alterou a redação do § 1º do artigo 46 da lei registrária, que dispensava o despacho do juiz quando o registrando tivesse menos de 12 (doze) anos de idade.

Com isso, todo nascimento registrado fora do prazo a partir de agora dependerá da presença de duas testemunhas. Não se trata de testemunha do assento, como a lei prevê para os nascimentos em domicílio, mas pessoa que deve, sob as penas da lei, dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado.

O pai que comparecer após um mês de nascimento para fazer o registro, ainda que munido da via amarela da declaração de nascimento fornecida pelo hospital, precisará estar acompanhado de duas testemunhas, pois a Lei 11.790/2008 acabou com a distinção entre o registro feito fora do prazo e o após os 12 (doze) anos de idade do registrando.

Nesse aspecto, portanto, a nova lei significou evidente retrocesso, visto que desde agosto de 2000 a presença de testemunhas era dispensada para registros de nascimento ocorridos em hospitais.

Por fim, a nova lei parece ter indicado não só a possibilidade de modernização do serviço como também a solução para o grave problema de sub-registro, terminologia utilizada pelo IBGE e pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos para os casos de pessoas não registradas civilmente.

Ao mencionar a assinatura do requerimento de registro por duas testemunhas, admitiu expressamente o registro de nascimento feito por declaração escrita, como já acontece no Estado de São Paulo para os registros feitos por declaração prestada na maternidade.

Neste Estado, os pais podem, desde 2003, optar por declarar o registro diretamente na maternidade, em posto avançado mantido pelo cartório, com a entrega da certidão até o dia seguinte.

O registro por declaração escrita é previsto genericamente pelo artigo 13, inciso II, da Lei de Registros Públicos, mas tradicionalmente o registro é sempre feito por requerimento verbal.

Com a expressa previsão de assinatura de requerimento para o registro de nascimento fora do prazo, parece desnecessária nesses casos uma nova assinatura no livro de registro.

Nesses casos é mais razoável que apenas o Oficial subscreva o assento, mencionando que faz o registro a requerimento escrito do interessado, devidamente legitimado para tanto, e testemunhas, arquivando esse documento mediante processo racional que facilite as buscas, como a digitalização, já utilizada em muitos cartórios.

Abre-se caminho, ainda, para a escrituração digital, substituindo os livros em papel por livros eletrônicos, assinados com a utilização de processo de certificação digital, em implantação nos cartórios paulistas.

Como se não bastasse, viabiliza-se a mobilização permanente pelo Registro Civil, especialmente nas áreas afastadas da Amazônia e interior do Nordeste do país, onde são apontados os maiores índices de sub-registro.

A partir de agora os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal poderão, sob a coordenação do Conselho Nacional de Justiça, regulamentar a atuação de agentes de mobilização, destacados entre aqueles que servem às Forças Armadas, às entidades de saúde e de assistência social.

Esses agentes, devidamente credenciados e qualificados, após curso de capacitação, poderão agregar às suas atividades cotidianas a verificação da condição registrária das pessoas e, sempre que necessário, poderão auxiliar na obtenção do registro.

O material de apoio fornecido permitirá a preparação do requerimento de nascimento, assinado pelo interessado, testemunhas e pelo próprio agente de mobilização, que ficará responsável pela identificação das pessoas.

Uma vez coletados os requerimentos de registro, o agente credenciado levará a documentação até o cartório do lugar de residência do interessado, para fins de registro e expedição da certidão de nascimento.

É importante destacar que o registro de nascimento é feito gratuitamente desde o início de 1998. Muitas campanhas de mobilização e algumas iniciativas interessantes, como a instalação de postos de atendimento nas maternidades, foram promovidas. Mas o fato é que, apesar de todo esse esforço, muitas pessoas ainda não têm seu nascimento registrado.

Nesse contexto, a possibilidade de instituição de sistemática de registro de nascimento por requerimento escrito, encaminhado por agente de mobilização, é mais uma medida para tentar conferir a todos os cidadãos o mais elementar dos documentos pessoais, qual seja, a certidão de nascimento.

 

Fonte: Arpen SP