A jurisprudência sempre foi pouco didática acerca do prazo prescricional da ação de petição de herança quando a condição de herdeiro dependia de um prévio reconhecimento judicial (por exemplo, uma ação de investigação de paternidade post mortem ou uma ação de reconhecimento de união estável).
Para ilustrar, suponha que alguém tenha dois filhos reconhecidos e um filho desconhecido que foi fruto de um relacionamento extraconjugal. Ao falecer esse pai, é comum os filhos reconhecidos partilharem o patrimônio deixado entre si por meio de um procedimento de inventário e partilha sem a participação do seu desconhecido irmão. Muitos anos depois, esse filho desprezado decide buscar o seu quinhão hereditário e, para tanto, precisará, em primeiro lugar, do reconhecimento da sua condição de filho por meio de uma ação de investigação de paternidade post mortem (após a morte do suposto pai) para, em seguida, buscar o seu quinhão hereditário das mãos dos seus irmãos por meio de uma ação de petição de herança. Estamos aqui a discutir qual seria o prazo para esse filho desconhecido adotar todas essas medidas. Poderia ele demorar 60 anos para desfazer a partilha que os seus irmãos já haviam promovido?
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça vem enfrentando a matéria com a louvável preocupação de não punir, com a prescrição, o indivíduo que escolhe propor uma ação de petição de herança após a obtenção do reconhecimento oficial da sua condição de herdeiro. A preocupação do tribunal é inquestionável, mas o caminho adotado — com as devidas vênias — precisa ser realinhado.
Explica-se.
A ação de petição de herança é a aquela proposta pelo herdeiro que não participou de um inventário e de uma partilha em busca de receber o seu quinhão hereditário das mãos dos demais herdeiros (artigo 1.824 e ss, Código Civil). Seu prazo prescricional é de 10 anos, por força da regra geral do artigo 205 do CC.
O problema é definir o termo inicial desse decênio prescricional na hipótese de a condição de herdeiro depender de um reconhecimento oficial por meio de uma prévia ação, como no caso de um filho não reconhecido ou de uma companheira cuja união estável ainda não foi reconhecida.
De um lado, se a condição de herdeiro não depender de uma ação prévia por já estar reconhecida oficialmente (por exemplo, o filho já foi reconhecido), há controvérsia se o termo inicial deve ser a data da abertura da sucessão ou a data da partilha dos bens. Entendemos que deve ser a data da partilha, pois somente a partir desse momento o herdeiro efetivamente pode ser considerado preterido e, assim, só a partir daí ele pode se valer da ação da petição de herança para cobrar o seu quinhão hereditário. Antes da partilha, o herdeiro não poderia propor ação de petição de herança, pois a via adequada para ele pleitear seu quinhão é habilitar-se no inventário na forma do artigo 628 do CPC.
De outro lado, se a condição de herdeiro depender de uma prévia ação por ainda não estar definida (por exemplo, ação de investigação de paternidade post mortem), a 3ª Turma do STJ decidiu que o termo inicial da prescrição da ação de petição de herança será apenas o trânsito em julgado daquela anterior ação.
É que somente após a definição da condição de herdeiro com o trânsito em julgado da ação pertinente nasceria a pretensão de o herdeiro preterido pleitear o seu quinhão hereditário por meio da ação de petição de herança. Antes disso, a parte desconheceria a sua condição de herdeiro e, por isso, não poderia ser punida com a prescrição em relação à possível ação de petição de herança. A teoria da actio nata — que vincula o termo inicial da prescrição ao momento do nascimento da pretensão — justificaria esse entendimento. Trata-se da velha máxima romana: actioni nondum natae non praescribitur[1].
Portanto, à luz da 3ª Turma do STJ, no caso de filho ainda não formalmente reconhecido, o prazo prescricional de 10 anos da ação de petição de herança só começa a correr a partir do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade. Esse é o entendimento mais recente do colegiado, que superou anterior entendimento que se inclinava a fincar o termo inicial do decênio prescricional da ação de petição de herança na data da abertura da sucessão (STJ, REsp 1.368.677/MG, 3ª Turma, rel. ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 15/2/2018; REsp 1.475.759/DF, 3ª Turma, rel. min. João Otávio de Noronha, DJe de 20/5/2016; REsp 1.392.314/SC, 3ª Turma, rel. ministro Marco Aurélio Belizze, DJe 20/10/2016).
Temos que o recente entendimento da 3ª Turma do STJ, embora esteja adequado com a sua intenção de não punir o indivíduo que não teve o reconhecimento de condição de herdeiro, chega a uma solução inoportuna por perpetuar discussões de índole patrimonial.
É preciso recordar que, embora a ação de petição de herança seja prescritível, a ação de investigação de paternidade não o é, conforme a ainda válida Súmula 149/STF[2]. De fato, a ação de investigação de paternidade representa o exercício de um direito potestativo (formativo), que não está sujeito a prazos prescricionais, e sim a prazos decadenciais. Como inexiste um prazo decadencial para essa ação de estado, ela pode ser proposta a qualquer tempo. Daí falar-se que a ação de investigação de paternidade é imprescritível, embora tecnicamente o mais adequado seria afirmar que ela não é sujeita a prazo de decadência.
Ora, como, à luz da 3ª Turma do STJ, o termo inicial da ação de petição de herança seria o trânsito em julgado da ação de investigação da paternidade, há o risco potencial de eternização de discussões patrimoniais. Imagine, por exemplo, que um indivíduo proponha uma ação de investigação de paternidade post mortem depois de 50 anos da partilha de bens do suposto pai. Em vencendo a ação, ele ainda terá 10 anos para ajuizar a ação de petição de herança, o que, na prática, exporia os herdeiros que fizeram a partilha a terem de pagar o quinhão do filho preterido após 60 anos. Não nos parece adequada essa imortalidade de discussões patrimoniais.
Preferimos entender que o termo inicial do prazo prescricional de 10 anos da ação de petição de herança é a data da conclusão da partilha, pois, a partir daí, passa a ser cabível a ação de petição de herança. Todavia, ao ser proposta a ação destinada ao reconhecimento da condição de herdeiro (por exemplo, ação de reconhecimento de paternidade post mortem ou ação de reconhecimento de união estável post mortem), o prazo prescricional deverá ficar suspenso e só voltará a fluir com o trânsito em julgado dessa ação. O fundamento dessa suspensão é o princípio do contra non valentem agere non currit praescriptio (em vernáculo, contra quem não pode agir, não corre a prescrição): enquanto a condição de herdeiro não está reconhecida definitivamente, não é razoável exigir a propositura da ação de petição de herança. Com essa solução que ora propomos, o herdeiro não reconhecido oficialmente não será injustamente punido com a prescrição nem haverá uma eternização de discussões patrimoniais.
Em suma, sustentamos que o decênio prescricional da ação de petição de herança se inicia com a data da conclusão da partilha, admitida, porém, a suspensão da prescrição durante o curso de ação destinada ao reconhecimento oficial da condição de herdeiro (como a ação de investigação de paternidade post mortem).
[1] Em tradução livre, ação que ainda não nasceu não prescreve. Com o mesmo sentido, também é recorrente falar no princípio da actio non nata non praescribitur (mesma tradução livre).
[2] Súmula 149/STF: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”.
Carlos Eduardo Elias de Oliveira é advogado, professor de Direito Civil e Direito Notarial e de Registros Públicos e consultor legislativo do Senado Federal na área de Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário. Doutorando, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), é ex-advogado da União e ex-assessor de ministro do STJ.
Fonte: Conjur